Lula afirma que Israel comete atos de terrorismo

Fala do presidente, que equiparou operação militar israelense aos atentados de um grupo terrorista, é duramente criticada por entidades judaicas brasileiras.

Por Deutsche Welle

Ao recepcionar um grupo de brasileiros e familiares que deixaram a Faixa de Gaza e chegaram na noite desta segunda-feira (13/11) a Brasília, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que o Estado de Israel também comete atos de terrorismo durante a operação militar no território palestino.

"Se o Hamascometeu um ato de terrorismo e fez o que fez, o Estado de Israel também está cometendo vários atos de terrorismo ao não levar em conta que nem as crianças nem as mulheres estão em guerra. Não estão matando soldados, estão matando crianças", declarou.

"A quantidade de mulheres e crianças que já morreram, e a quantidade de crianças desaparecidas a gente não tem conhecimento em outra guerra", afirmou, lembrando que foi um "ato de terrorismo do Hamas" que desencadeou a resposta israelense. No entanto, "a solução do Estado de Israel é tão grave quanto foi a do Hamas", afirmou.

Posicionamento do Brasil no conflito

Após o ataque do Hamas a Israel, em 7 de outubro, Lula condenou a ofensiva sem precedentes contra o Estado judaico e chamou de "ataque terrorista" o ocorrido, mas evitou citar o Hamas diretamente.

Lula passou a ser cobrado por esse posicionamento. Mas foi apenas no dia 20 de outubro que o presidente brasileiro afirmou pela primeira vez que o Hamas cometeu atos de terrorismo com os ataques, que descreveu também como "atos de loucura".

Na ocasião, em que lembrava os 20 anos do Bolsa Família, ele afirmou que Israel reagiu de forma "insana" com ataques retaliatórios e bombardeios contínuos à Faixa de Gaza, e voltou a expressar solidariedade com as crianças mortas no conflito.

Segundo o Ministério da Saúde de Gaza, gerido pelo Hamas, mais de 11 mil palestinos, incluindo mulheres e menores de idade, foram mortos desde o início do conflito Israel-Hamas. O órgão não diferencia entre mortes de civis e combatentes do grupo fundamentalista islâmico.

De acordo com autoridades israelenses, mais de 1.200 pessoas em Israel morreram, a maioria durante o ataque terrorista do Hamas, e cerca de 240 reféns foram levados de Israel para Gaza por membros do grupo.

O Brasil não classifica o Hamas como organização terrorista porque só adota essa definição se um grupo for considerado assim pela Organização das Nações Unidas, como no caso dos grupos extremistas Al-Qaeda e Estado Islâmico. O Hamas é considerado um grupo terrorista por Estados Unidos, União Europeia e vários países ocidentais.

A posição brasileira é semelhante à da Noruega e da Suíça, por exemplo, países com histórico de neutralidade. Ao adotarem essa postura, eles podem servir eventualmente como mediadores em conflitos.

Historicamente, o Brasil adotou na maioria do tempo uma política de equidistância entre árabes e israelenses, de apoio aos palestinos e de reconhecimento das preocupações de Israel com relação à sua segurança.

Na década de 1940, a diplomacia brasileira teve um papel importante na criação de Israel. O Brasil presidiu a histórica sessão da ONU que aprovou a partilha da antiga Palestina britânica e que acabou culminando na criação de Israel. Na época, era previsto também a criação do Estado da Palestina. Desde então, o Brasil defende uma solução de dois Estados: um palestino e um israelense.

Declarações "graves e inverídicas"

A fala de Lula foi criticada por instituições judaicas, como o Instituto Brasil-Israel. "Lamentamos a declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que equiparou os ataques de um grupo terrorista – o qual usa a população palestina como escudo humano, segundo suas próprias palavras – à reação militar do governo israelense", afirmou o instituto.

"É uma pena que o governo do Brasil, frente à tragédia da guerra, perca o equilíbrio e a ponderação, reduzindo a possibilidade de contribuir de maneira decisiva e propositiva com negociações entre as várias partes no conflito", prosseguiu.

"A acusação reforça os extremistas de ambos os lados e enfraquece as partes que lutam por um futuro de coexistência para israelenses e palestinos", completou.

As declarações também foram duramente criticadas pela Confederação Israelita do Brasil (Conib), que chamou a comparação entre a ofensiva israelense e os ataques do Hamas de "equivocada e perigosa".

"Além de equivocadas e injustas, falas como essa do presidente da República são também perigosas. Estimulam entre seus muitos seguidores uma visão distorcida e radicalizada do conflito, no momento em que os próprios órgãos de segurança do governo brasileiro atuam com competência para prender uma rede terrorista que planejava atentados contra judeus no Brasil", afirmou a Conib.

A instituição referiu-se à prisão de pessoas suspeitas de planejarem ataques do grupo libanês Hisbolá a alvos da comunidade judaica no Brasil, incluindo sinagogas.

Já para o escritório brasileiro da ONG israelense StandWithUs, as declarações de Lula são "graves e inverídicas".

"O presidente brasileiro equiparou Israel, um Estado democrático, a um grupo terrorista com intentos abertamente genocidas que massacrou cerca de 1.200 pessoas – entre elas, três brasileiros – e sequestrou 240", afirmou o presidente-executivo da StandWithUs Brasil, André Lajst.

"Essa fala ignora por completo o fato muito bem documentado e até mesmo reconhecido hoje pela União Europeia de que o Hamas usa hospitais e crianças como escudos humanos. Também é inverídica, uma vez que diferentemente do que afirmou o presidente brasileiro, Israel não mata 'inocentes sem nenhum critério'", disse.

"Todas as vidas perdidas nesse conflito são de igual valor, palestinas e israelenses, e é lastimável que tantos civis inocentes estejam morrendo. Justamente por causa disso, é necessário compreender corretamente as causas dessa tragédia e os verdadeiros responsáveis por ela", concluiu.

Brasileiros chegaram a Brasília

Um grupo de 32 pessoas, entre brasileiros e familiares deles, chegou nesta segunda-feira ao Brasil, depois das autoridades egípcias terem permitido que deixassem a Faixa de Gaza no domingo.

O grupo, transportado no avião da Força Aérea Brasileira (FAB), chegou às 23h30 à base aérea militar de Brasília. Além de crianças, o grupo é composto por nove mulheres e seis homens. Quanto à nacionalidade, 22 são brasileiros, sete são palestinos naturalizados e três são familiares de palestinos.

Em Brasília, o grupo vai ficar hospedado por pelo menos dois dias no hotel militar de trânsito da base aérea e receber apoio psicológico, atendimento médico e vacinas.

Posteriormente, várias pessoas do grupo vão seguir para outras cidades do Brasil, onde vão ficar em casa de parentes, e outros serão transferidos para um abrigo especializado em refugiados no interior do estado de São Paulo.

O governo brasileiro tentava há mais de três semanas retirar os cidadãos brasileiros da Faixa de Gaza.

as/rk (Lusa, AFP, AP, OTS)

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