Em visita oficial a Angola, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu neste sábado (26/08) uma reforma no Conselho de Segurança da ONU, destacou a falta de representatividade de países latinos e africanos no órgão e disse que a entidade já não representa mais "aquilo para o qual foi criada".
"A ONU de 2023 está longe de ter a mesma credibilidade da ONU de 1945", afirmou na capital angolana, Luanda.
Para Lula, o órgão que "deveria ser a segurança da paz e da tranquilidade" é, justamente, "o que faz a guerra sem conversar com ninguém".
"A Rússia vai para a Ucrânia sem discutir no Conselho de Segurança. Os Estados Unidos vão para o Iraque sem discutir no Conselho de Segurança. A França e a Inglaterra vão invadir a Líbia sem passar pelo Conselho de Segurança. Ou seja, quem faz a guerra, quem produz arma, quem vende armas são os países do Conselho de Segurança. Está errado", argumentou.
O Conselho de Segurança da ONU é composto por 15 países. Cinco deles – China, França, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos – são membros permanentes com direito de veto. Outros 10 países ocupam assentos não permanentes, com mandatos de dois anos. Os atuais membros não permanentes são: Albânia, Brasil, Gabão, Gana, Emirados Árabes Unidos, Equador, Japão, Malta, Moçambique e Suíça.
Em abril, a Rússia assumiu a presidência rotativa do órgão, sob críticas da Ucrânia, que considerou o fato uma "piada de mau gosto".
Falta de representatividade
Lula acredita que mais países deveriam compor o conselho.
"Qual é a representação da África no Conselho de Segurança? Qual é a representação da Ásia, da América Latina? Deixamos claro que defendemos que o Brasil entre no Conselho de Segurança, a Índia, a Alemanha, o Japão. Há divergências, mas não são nossas", disse.
O presidente defendeu que a ONU passe a ter o que chamou de representação geográfica mais condizente com a realidade.
"Em 1948, a ONU conseguiu criar o Estado de Israel. Em 2023, ela não consegue fazer cumprir a área reservada aos palestinos. Ela ficou enfraquecida. E, na questão climática, é mais grave. Em todas as COP [Conferências das Partes], nós decidimos muitas coisas, mas nenhuma delas é cumprida. Por que não é cumprida? Porque não há um Estado soberano. A ONU não tem força para dizer: ‘Isso aqui nós temos que cumprir, se não haverá determinadas ações'", exemplificou.
Dívida africana
Também neste sábado, em coletiva de imprensa em Luanda, o presidente brasileiro questionou o mecanismo de pagamento da dívida de países africanos ao Fundo Monetário Internacional (FMI).
"É preciso começar uma nova briga”, disse, ao citar que o continente acumula um débito de 760 bilhões de dólares a serem pagos ao fundo.
"Essa dívida vai ficando impagável porque o dinheiro do orçamento nunca dá para pagar e o problema vai sempre aumentando. Qual é a lógica? É tentar sensibilizar as pessoas que são donas dessas dívidas para que elas sejam transformadas em apoio à infraestrutura. O dinheiro da dívida, ao invés de ser pago, seria investido em obras de infraestrutura”, disse.
Ele acredita que é necessário pensar em alternativas para uma solução.
"Você pode ou anular essa dívida, e acho que vai ser impossível anular uma dívida de 760 bilhões de dólares, mas você pode prorrogá-la até que esses países adquiram condições de pagar.”
Primeiro consulado em um país africano lusófogo
Durante a visita oficial de dois dias a Angola, Lula inaugurou um novo espaço no Instituto Guimarães Rosa (Centro de Cultura Angola-Brasil) e anunciou a criação de um consulado geral em Luanda, o primeiro num país africano lusófono. Em Angola vive a maior comunidade brasileira da África, com quase 30.000 brasileiros.
Lula também assinou sete memorandos de entendimento nas áreas do turismo, saúde e agricultura, entre outras, para o "reforço e relançamento" da cooperação bilateral de quase cinco décadas entre os dois países.
Na visita, Lula também aproveitou para alfinetar o ex-presidente Jair Bolsonaro, dizendo que na gestão passada Angola "foi esquecida".
"Um presidente que não gostava de ninguém", disse, referindo-se a Bolsonaro.
"Estou aqui hoje para dizer que o Brasil vai voltar ao continente africano, quero visitar o máximo de países que eu puder visitar, quero fazer o máximo de acordo que eu puder fazer, quero contribuir de forma solidária onde puder, mas Angola sempre será a nossa porta de entrada neste continente", assegurou. "Estou aqui para dizer ao povo de Angola que o Brasil voltou de verdade".
A comitiva de Lula contou com seis ministros – incluindo os da Saúde, Direitos Humanos, Igualdade Racial e Relações Exteriores – e 170 empresários brasileiros.
Após deixar Angola, Lula segue viagem para São Tomé e Príncipe neste domingo, onde participará da Cúpula dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Esta é a primeira vez que o presidente visita o continente desde o início do terceiro mandato.
le (Agência Brasil, ots)