O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) discurou nesta segunda-feira (5) após uma reunião bilateral com o presidente do Chile, Gabriel Boric. O encontro aconteceu no Palácio de La Moneda, sede do governo chileno, em Santiago.
No discurso, o presidente pediu "respeito pela soberania popular" e defendeu transparência na divulgação dos resultados da eleição na Venezuela.
O respeito pela soberania popular é o que nos move a defender a transparência dos resultados. O compromisso com a paz é o que nos leva a conclamar as partes ao diálogo e promover o entendimento entre governo e oposição
Lula disse ainda que, na conversa com Boric, expôs as iniciativas que tem adotado com os presidentes Gustavo Petro (Colômbia) e López Obrador (México) "em relação ao processo político venezuelano".
Nesta segunda, Lula participou de dois encontros. O primeiro com ministros para assinatura dos acordos e tratados e o segundo foi uma reunião bilateral com Boric, na qual abordariam a questão das eleições na Venezuela.
O Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela anunciou o resultado das eleições no domingo (28) – dando a vitória ao presidente Nicolás Maduro.
Segundo o órgão eleitoral do país, Maduro venceu as eleições com 51,95% dos votos contra 43,18% do opositor, Edmundo González. A oposição, no entanto, contesta o resultado e afirma ter provas de que saiu vencedora do pleito.
"Sabemos que a arbitrariedade é inimiga do bem-estar e que a democracia não se sustenta sem um Estado que garanta direitos", disse Lula ao ler o discurso no Palácio de La Modena.
O presidente também se desculpou pelo Brasil ter apoiado a ditadura chilena, que ele classificou como "triste mácula" na história brasileira.
Brasil e Chile tem posicionamentos parecidos sobre as eleições na Venezuela, mas adotam tons diferentes.
Boric tem adotado um tom mais crítico à ditadura venezuelana cobrando a apresentação das atas e a comprovação da veracidade dos resultados. Brasil, ao lado da Colômbia e do México, cobram a apresentação das atas eleitorais.
Veja a íntegra do discurso de Lula no Chile
É uma grande alegria voltar a Santiago.
Nos meus mandatos anteriores, estive no Chile sete vezes. Desde que reassumi, tive o prazer de receber o presidente Boric duas vezes em Brasília. Dizem que países não têm amigos, têm interesses. Não é esse o nosso caso.
Costuma-se ouvir no Brasil que mantemos com o Chile uma amizade sem limites, pois mesmo sem fronteiras físicas temos uma parceria diversa e abrangente.
Por isso decidimos fazer do 22 de abril – data em que estabelecemos nossas relações diplomáticas, em 1836 –, o Dia da Amizade Brasil-Chile. Nossa relação bilateral tem vocação regional e global.
Somos gratos ao Chile por ter liderado o seguimento da Reunião de Presidentes da América do Sul no semestre passado. Para o Brasil, a convergência entre o Consenso de Brasília e a UNASUL é um objetivo que queremos perseguir.
A integração sul-americana é uma realidade que faz a diferença na vida das pessoas, como demonstra o acordo de isenção de cobrança de roaming que firmamos no ano passado e o acordo de reconhecimento recíproco de carteiras de habilitação que assinamos hoje.
Os desafios representados pelas catástrofes naturais e pelo crime organizado atravessam países.
Os incêndios de 2023 no Chile e as enchentes deste ano no Sul do Brasil põem em xeque o negacionismo climático e reforçam a necessidade de cooperação.
A proposta chilena de estabelecer um mecanismo regional de resposta a desastres conta com nosso respaldo. Sem colaboração, também não é possível combater a criminalidade.
Assinamos hoje um tratado de extradição e instruímos nossas equipes a ampliarem ações de inteligência e operações conjuntas. Integração significa conexão.
Foi o aumento do número de voos que permitiu que o fluxo de turistas entre nossos países quase dobrasse no ano passado.
Com o plano de trabalho em turismo que firmamos hoje, o Chile tem tudo para se consolidar como um dos destinos mais procurados por brasileiros.
Meu governo está empenhado em conectar toda a América do Sul por meio de cinco grandes rotas viárias, duas das quais incluem o Chile. O Brasil pode ser a porta de entrada chilena para a África. O Chile pode ser a ponte brasileira para a Ásia.
Temos um acordo de facilitação de comércio cuja implementação avançou em 2023, harmonizando procedimentos para a venda de carne, e que progredirá em outros setores, como o de cosméticos, neste ano.
Somos atores incontornáveis no debate sobre a mudança do clima, por nossos vínculos com dois dos mais importantes biomas do planeta. O risco de que a Amazônia e a Antártida atinjam pontos de não-retorno nos afeta diretamente.
Ambos apostamos no potencial da bioeconomia e queremos aprofundar o já sólido histórico de colaboração entre nossas estações antárticas.
No Brasil, temos uma Amazônia verde, na floresta, e outra azul, no oceano Atlântico. A diplomacia turquesa do Chile, que funde as duas cores na preocupação comum com o uso sustentável dos recursos naturais, é uma inspiração para nós.
Reafirmei que apoiamos a candidatura de Valparaíso a sede do secretariado do Tratado do Alto Mar, que vai proteger a biodiversidade marinha.
Agradeci ao presidente Boric o apoio à eleição da cientista Letícia Carvalho como secretária-geral da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos.
Pela primeira vez teremos uma mulher, negra e latino-americana, zelando por esse patrimônio comum da humanidade. Outro exemplo chileno é sua pioneira política externa feminista.
Com o memorando firmado por nossas academias diplomáticas, vamos trabalhar juntos para que as mulheres tenham mais voz na diplomacia.
Com a agência espacial de Cerrillos, cuja pedra fundamental lançaremos amanhã, vamos inaugurar um novo capítulo de colaboração em ciência e tecnologia.
Debatemos a necessidade de construir capacidades e regular a Inteligência Artificial, para que todos tenham acesso a seus benefícios e possam mitigar seus riscos. Também discutimos uma parceria promissora na transição energética.
Ao integrar cadeias de hidrogênio verde, minerais críticos e veículos elétricos, teremos condições de agregar valor à nossa produção e ocupar posições de destaque no mercado internacional.
A convergência entre nós é tamanha que o Chile foi o país convidado para o maior número de grupos de trabalho pela presidência brasileira do G20.
Convidei o presidente Boric a participar da Cúpula do G20 no Rio de Janeiro e recebi com muita satisfação sua disposição de integrar a Aliança Global de Combate à Fome e à Pobreza.
Ambos acreditamos que a política de valorização do salário mínimo é fundamental para que os benefícios do desenvolvimento sejam compartilhados por todos.
O presidente Boric é um aliado natural na garantia dos direitos dos trabalhadores e espero que possa se somar à parceria que lancei, no ano passado, com o presidente Biden. Nossos ideais convergem na defesa intransigente da democracia.
Por isso, tive a satisfação de convidar o presidente Boric para a reunião de líderes democráticos contra o extremismo que Pedro Sánchez e eu organizaremos em Nova York, no contexto da Assembleia Geral da ONU.
Também expus as iniciativas que tenho empreendido com os presidentes Gustavo Petro e López Obrador em relação ao processo político venezuelano.
O respeito pela soberania popular é o que nos move a defender a transparência dos resultados. O compromisso com a paz é o que nos leva a conclamar as partes ao diálogo e promover o entendimento entre governo e oposição.
Hoje, enquanto o presidente Boric me guiava pelo Salão Democracia e Memória e me apresentava a gravação do último discurso de Salvador Allende, lamentei que o Brasil tenha em sua história a triste mácula de ter apoiado a ditadura chilena.
Sabemos que a arbitrariedade é inimiga do bem-estar e que a democracia não se sustenta sem um Estado que garanta direitos. Nos últimos anos, o Brasil experimentou uma versão tacanha da mesma combinação de autoritarismo político e neoliberalismo econômico.
Brasil e Chile estão empenhados em atuar juntos para construir um mundo mais justo e solidário. Como disse o grande Pablo Neruda, quando recebeu seu Nobel: “Nossas estrelas primordiais são a luta e a esperança, mas não há lutas nem esperanças solitárias”.
Muito obrigado.