A África, uma das prioridades da política externa brasileira nos dois primeiros governos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (de 2003 a 2010), volta a receber atenção do governo brasileiro neste terceiro mandato.
Em agosto passado, Lula esteve em Angola. Nesta terça-feira (13/02), embarcou para uma viagem oficial ao Egito e à Etiópia. No Cairo, está marcada uma reunião com o presidente Abdel Fattah El-Sisi para quinta-feira. Em Adis Abeba, Lula será um dos convidados, no sábado e domingo, da cúpula da União Africana (UA).
Ambos os países são de importância estratégica para o Brasil, pois desde o início do ano fazem parte do Brics. O grupo, que inicialmente reunia Brasil, Rússia, Índia e China e depois acolheu também a África do Sul, ganhou cinco novos integrantes no início de 2024.
"As relações com a África continuam sendo um traço fundamental da nossa projeção Internacional. Elas são um trunfo", diz o diretor do Centro de História e Documentação Diplomática (CHDD), Gelson Fonseca Junior. O CHDD é ligado ao Ministério das Relações Exteriores.
Ele observa que muitos países do continente africano apresentam elevadas taxas de crescimento. "A importância geopolítica deles aumenta, e por isso é mais importante ainda que essa relação frutifique e se aprofunde."
Para o especialista em relações internacionais Maurício Santoro, "faz sentido que o presidente visite o Egito e a Etiópia", pois esses dois países despontam para a política externa brasileira por razões que estão ligadas aos Brics e à dinâmica do comércio internacional. "Há um esforço do governo Lula de relançar essa diplomacia africana e fazer com que ela volte a ter o peso que ela teve no passado recente."
Mas Santoro pondera que "são também nações que vêm de uma história muito conturbada nos últimos anos", referindo-se ao golpe de Estado de 2013 no Egito e à recente guerra civil na Etiópia, e por isso "há que se moderar as expectativas daquilo que o Brasil vai realmente ser capaz de alcançar nessas relações bilaterais".
Convidado da UA
O Brasil, ao contrário das antigas potências coloniais europeias, desperta associações positivas em muitas pessoas no continente africano. Além disso, é também o país com a maior população de descendentes de africanos no mundo e divide com muitos países africanos a traumática herança da escravidão imposta por Portugal.
Hoje a nona maior economia do mundo, o Brasil é, para muitos africanos, um modelo tanto econômico como em aspectos sociais. A recepção que Lula terá na cúpula da União Africana em Adis Abeba, de quarta a quinta-feira, certamente refletirá essa percepção positiva.
Esse bônus de simpatia e as relações históricas contrastam, porém, com a perda de influência econômica e política que o Brasil vivencia na África.
Ao contrário da China e da Rússia, que nos últimos dez anos continuamente ampliaram suas relações com o continente, o Brasil viu sua importância econômica diminuir. De 2013 a 2023, o comércio com a África caiu de 28 bilhões de dólares para 21 bilhões.
Em 2023, o comércio entre o Brasil e a China somava 157 bilhões de dólares. Já as exportações e importações entre Alemanha e Brasil chegavam a 19 bilhões.
Os motivos para o gradual afastamento do Brasil são muitos. Entre eles estão a longa crise política iniciada em 2013, as crises econômicas que se seguiram, e os efeitos da Operação Lava Jato, que gerou denúncias de corrupção contra empreiteiras brasileiras também na África. Por fim, o ex-presidente Jair Bolsonaro sempre mostrou pouco interesse pelo continente africano.
África na agenda do G20
Em Adis Abeba, Lula que engatar a recuperação das relações. Tanto a UA como a União Europeia (UE) fazem parte do G20, que reúne os principais países industrializados e emergentes. Este ano, a presidência do grupo é do Brasil.
O presidente brasileiro foi um dos apoiadores da entrada da UA no G20, o que se confirmou na cúpula do grupo na Índia, em setembro passado. Lula já declarou que quer colocar temas do interesse da África, como o combate à fome e à pobreza, na agenda do G20.
O Brasil tem resultados a mostrar no combate à fome, pois programas sociais lançados na década de 1990 e ampliados durante os dois primeiros mandatos de Lula contribuíram significativamente para a redução da pobreza no país.
Fome e pobreza aumentam
De acordo com o IBGE, cerca de 44 milhões das 182 milhões de habitantes do Brasil sofriam com a fome em 2003, ou seja, quase um quarto da população de então. Em 2009, a proporção caiu para pouco menos de 6% da população total de 194 milhões, cerca de 11 milhões de pessoas.
Desde 2016, no entanto, a situação continuou a se deteriorar. Em 2022, 33 milhões de brasileiros passavam fome, cerca de 16% da população.
O número de pessoas afetadas pela fome e pela pobreza está crescendo também no mundo. Em 2016 eram 585 milhões de pessoas e, em 2022, 735 milhões. No ano passado, o número aumentou para mais de 800 milhões.
Autor: Astrid Prange, Nilson Brandão