Ruth Rocha escancara um sorriso sincero quando o assunto é o imaginário das crianças. "Eu tenho esperança nas crianças, acho que as crianças são a esperança do mundo, né?", comenta. Aos 93 anos, a escritora é um dos mais consagrados nomes da literatura infantil brasileira de todos os tempos. E agora, em um movimento para internacionalizar mais sua obra, terá um espaço especial na Feira do Livro de Frankfurt, que começa nesta quarta-feira (16/10) e vai até 20 de outubro.
Gestora de sua obra, a filha Mariana Rocha conta que, para o evento internacional, foram selecionados dez livros "com temáticas atuais e universais". Traduzidos para o inglês, eles serão exibidos ao público da feira, com a expectativa de seus direitos sejam adquiridos por editoras de outros países. O mesmo será feito na Feira do Livro Infantil de Bolonha do ano que vem, que acontece entre 31 de março de 3 de abril.
A escritora ostenta números impressionantes. São 200 livros publicados, 40 milhões de exemplares vendidos e obras traduzidas para mais de 25 idiomas. Ganhou oito vezes o prêmio Jabuti e teve um de seus livros, O Reizinho Mandão, incluindo na lista de honra do prêmio internacional Hans Christian Andersen.
Publicado em 1978, quando o Brasil vivia sob a ditadura militar, O Reizinho Mandão é uma história que mostra, dentro do universo infantil, os problemas do autoritarismo e da falta de democracia. É um dos maiores sucessos da autora, ao lado do best-seller Marcelo, Marmelo, Martelo, de 1976, sobre um menino que questiona os nomes das coisas — e resolve rebatizar tudo seguindo sua peculiar lógica.
Ao longo desses quase 50 anos de produção literária, Rocha acredita que as crianças "não mudaram tanto". "Nós é que mudamos o tratamento que damos às crianças", diz. Ela concedeu entrevista à DW ao lado da filha Mariana.
DW: São quase 50 anos e 200 livros publicados. Como consegue continuar falando tão bem com as crianças? A senhora não envelheceu?
Ruth Rocha: Olha, eu acho que a gente fala bem com a criança quando gosta de criança. Eu gosto de criança. Eu tive muita criança na minha vida. Eu tive irmãos mais jovens, depois eu tive sobrinhos, eu tive a minha filha, agora tem meus netos, que são já moços, mas foram crianças! E eu tenho um respeito com a criança. Eu tenho esperança nas crianças, acho que as crianças são a esperança do mundo, né? Então eu tenho boa-vontade, carinho com criança. E isso me ajuda muito.
Seus livros mais antigos ainda conseguem dialogar com as crianças de hoje em dia?
Ruth Rocha: Eu escrevi um livro que se chama Marcelo, Marmelo, Martelo. Ele é o livro mais vendido meu há 50 anos. Até hoje as crianças continuam gostando muito dele, então eu acho que elas não mudaram tanto. Nós é que mudamos o tratamento que damos às crianças. Não damos mais aquele tratamento autoritário, como se a criança não tivesse importância. Isso modificou muito as crianças. Por outro lado, elas têm os mesmos anseios, os mesmos problemas, as mesmas ideias, os mesmos medos, os mesmos desejos. Elas não são tão diferentes. Acho que elas continuam gostando dos livros.
Mariana Rocha: Os livros dela, apesar de serem antigos no tempo, trazem temas muito atuais. Ela falava sobre liberdade de expressão, sobre fascismo, sobre feminismo, sobre meio ambiente. São assuntos muito atuais. Ela tinha um pensamento um pouco à frente talvez do seu tempo, acompanhou muito bem.
Há títulos que falam sobre meio ambiente, sobre racismo… Esses temas são mais necessários hoje em dia?
Ruth Rocha: O que eu posso dizer é que os livros vendem. Vendem para as escolas, para os pais, para as crianças. Então eu acredito que eles gostem disso. Não sei se todos. Temos um público que não se interessa por nada do que é bom…
Mariana Rocha: A gente estava comentando aqui sobre o avanço da direita, da extrema direita no Brasil e no mundo. Às vezes temos uma desconfiança em alguns livros, em alguns temas. Às vezes os livros mais leves, com assuntos mais banais, agradam mais do que livros mais comprometidos com certos valores mais vanguardistas, digamos, de esquerda. Então sentimos que alguns livros ficam para trás mesmo tendo textos muito importantes, muito bons.
Mas no caso desses temas, eles vêm como uma vontade própria ou existe um pedido dos editores, dos professores?
Ruth Rocha: É o que eu quero. É o que eu faço. Eu nunca fiz nada para editor.
E como disputar a atenção das crianças de hoje, concorrendo com celulares, tablets e tantas telas?
Ruth Rocha: Não sei, não sei. A gente fala na televisão, a gente faz lançamentos. A escola é uma coisa que nem sei se é boa [para isso] porque obriga a ler…
Mariana Rocha: As escolas trabalham muito com os livros da minha mãe, então temos um apoio das escolas, que são um dos veículos que apresentam [a obra dela] para as crianças. Tem uma coisa interessante: as crianças gostam de livros. Eles são bonitos, têm ilustrações bonitas, são objetos que a criança carrega para lá e para cá. Mesmo com a ameaça das telas, o livro ainda é um objeto a que a criança se apega.
Ruth Rocha: A pergunta seguinte devia ser assim: como a tecnologia atrapalha a literatura? A literatura tem um espaço que é dela, que não é da tecnologia. A tecnologia talvez até tenha mais espaço [hoje], mas a literatura tem seu espaço. Por isso nunca vai acabar o livro. Livro é uma coisa… O cheiro do livro é uma coisa ótima.
Qual o objetivo desse espaço na Feira de Frankfurt?
Mariana Rocha: Temos poucos livros internacionais e as crianças do mundo merecem conhecer a Ruth Rocha. Então estamos fazendo um trabalho, um empenho grande de internacionalizar a obra. É o momento de a gente ir para fora, mostrar. Porque os temas e a linguagem dela são muito atuais.
Vamos ter dez títulos traduzidos para o inglês. São os livros que a gente considera mais universais neste momento. Tem o Marcelo…, tem O Reizinho Mandão, tem O Menino Que Aprendeu a Ver, tem Azul e Lindo: Planeta Terra, Nossa Casa. São livros de temática atual e universais, para a gente começar a conversar com editoras e ter a nossa obra exposta ali para a apreciação do público internacional.
A senhora estará na feira com a Mariana?
Ruth Rocha: Eu já não estou viajando para a Europa. Não estou com a bola toda, não estou mais viajando.
Aos 93 anos com todo esse sucesso, quais são seus planos para o futuro?
Ruth Rocha: Eu não tenho muitos planos para o futuro porque o meu futuro é muito longo. Eu quero continuar fazendo isso que estou fazendo. Não quero nenhuma coisa diferente. Prêmios, eu ganhei muito. Não preciso mais de prêmios. Consagração, também. Estou contente. Eu não preciso de mais nada.
Autor: Edison Veiga