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O papel da escola no acolhimento a crianças e jovens transexuais

A importância de professores, psicólogos e assistentes sociais no reconhecimento de menores trans pode fazer toda a diferença no futuro e na vida dessas pessoas

Por Deutsche Welle

O papel da escola no acolhimento a crianças e jovens transexuais
Transexualidade
Reprodução/Unsplash

A legislação força pessoas trans a situações de insegurança. Sim, é exatamente isso, mesmo que o correto fosse ser o contrário. A legislação dificulta a vida de pessoas trans, do momento da descoberta até depois da morte. E a situação, infelizmente, não é diferente para jovens trans, em especial ês que dependem de outras pessoas para sobreviver.

A Resolução CNE/CP nº 1, de 19 de janeiro de 2018, possibilita a alunes trans o uso do nome social em instituições de ensino, independente da idade. Ela, no entanto, não leva em consideração a insegurança familiar comum em todo o Brasil, um país majoritariamente cristão, em especial no que se diz respeito a jovens queer, e impõe a necessidade de autorização dos responsáveis legais para o uso do nome social de modo formal.

Essa realidade reforça a violência contra pessoas trans de forma dupla: ou ê jovem menor de idade se assume para seus pais, correndo o risco de ser violentade verbalmente, fisicamente, sexualmente e até mesmo expulse de casa, ou continua utilizando o nome de registro, algo que pode parecer pequeno à vista de pessoas cisgênero — que não são transgênero —, mas é uma violência imensa para a comunidade trans.

Foi com essa lei que me deparei ao me compreender trans aos 16 anos, em 2019. Eu não diria que sempre soube que sou um homem, mas definitivamente sempre esteve lá na minha mente o pensamento de que não sou mulher.

Empurrãozinho

Precisei de um empurrãozinho pra que finalmente compreendesse e aceitasse e, mesmo que eu já utilizasse uma aparência e "apelido" considerados masculinos, esse empurrãozinho veio no ensino médio, quando um professor me perguntou se eu era trans. Naquele momento, pela primeira vez, pensei "Caramba, eu sou não-binário!!!" — spoiler: não era não, mas entendimentos e desentendimentos fazem parte dessa descoberta.

Então, tendo eu oficialmente conhecido meu eu no colégio, nada mais justo do que começar a externalizá-lo por lá, especialmente sabendo que começar pela minha casa não era uma opção. No início do ano letivo de 2020, me assumi para meus professores. Muitos foram extremamente receptivos, até mesmo se oferecendo para me ajudar a conversar com os demais docentes; outros nem tanto, e ouvi todo o tipo de baboseira que se pode imaginar.

Foi na pandemia que tomei coragem para solicitar o nome social de forma oficial — na verdade, a escola entrou em contato comigo. Foi então que descobri que a lei só me amparava até certo ponto, e tive que lidar com a difícil decisão mencionada acima. Será que eu preferia arriscar com meus pais, crentes fervorosos — não me leve a mal, eu também era e ainda sou seguidor de Cristo, mas a fama da igreja em relação a existências queers não é boa —, ou passar o constrangimento e a dor de ouvir um nome que nunca me representou ser chamado durante as aulas?

Ajuda de psicólogos

Conversei com um psicólogo do meu colégio, e resolvemos tentar fazer com que eu não precisasse escolher entre o ruim e o pior. Desse modo, a equipe de psicólogos e assistentes sociais de lá me auxiliou no processo, reunindo fatos e argumentos que me permitissem utilizar meu nome sem precisar que meus pais autorizassem (e eles nunca autorizariam). Por fim, vencemos utilizando como base o título de eleitor, que permite que maiores de 16 anos adicionem nome social sem a necessidade de algum tipo de permissão.

Durante o mesmo período, uma professora minha se assumiu enquanto mulher trans. Mesmo estando na pandemia, aquilo fez com que eu me sentisse um pouco menos deslocado no meio de tantas pessoas e tanta ansiedade. Para um jovem, a escola pode ser como um segundo lar; e foi o que aconteceu comigo durante esse tempo. Me senti acolhido, e não julgado.

Foi ter uma equipe de profissionais ao meu lado, lutando por mim, e ver outras pessoas como eu sendo capazes de ser quem são que me deu coragem de continuar, mas nem todo mundo tem essa oportunidade — quantos colégios públicos você já viu ofertando psicólogo para ês alunes? Nunca retornei às aulas presenciais naquele colégio, me formando ainda durante a pandemia, mas, depois disso, tive outres professories trans, e colegas de classe trans, e colegas de trabalho trans, e conheci muito mais pessoas trans.

A cisciedade tenta nos parar a todo instante, e a legislação é com certeza uma ferramenta utilizada para isso, mas dessa vez não deu certo. Se continuei no ensino médio, se não virei estatística de evasão escolar, se hoje estudo em uma das maiores faculdades do país, com certeza foi por ter pessoas incríveis me apoiando.

Se alguma pessoa cis está lendo isso, saiba que você pode fazer sua parte. Você pode lutar para que jovens trans tenham seus direitos garantidos. Você pode nos ouvir e entender nossas lutas e dificuldades, entender que nós temos, sim, autonomia sobre nossos corpos; que não somos jovens demais, burres demais; que ninguém nos conhece mais do que nós mesmes. Você pode ir contra o sistema que nos impede de continuar nas escolas, de ingressar nas faculdades e de seguir carreiras que não sejam o crime e a prostituição. E se alguma pessoa trans está lendo isso: você não está sozinhe.

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Vozes da Educação é uma coluna quinzenal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrarem na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do Salvaguarda no Instagram em @salvaguarda1.

Este texto, escrito por um jovem trans, Viktor Bernardo de Souza Pinheiro, de 20 anos e morador do Rio de Janeiro, reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.

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