O papel da Rússia em Nagorno-Karabakh

Em apenas um dia, o Azerbaijão conseguiu forçar os separatistas de enclave a se desarmarem. Normalmente os armênios recorriam à ajuda de Moscou, mas desta vez os russos se esquivaram. Por quê?

Por Deutsche Welle

Para o Azerbaijão, o recente ataque à região separatista de Nagorno-Karabakh foi uma "operação antiterrorista de caráter local". Para os observadores no exterior, parecia a continuação da guerra de 2020, que já havia forçado os armênios a dolorosas concessões no âmbito de um acordo de paz mediado pela Rússia.

Com o regime russo agora irremediavelmente enredado na Ucrânia, a Armênia e o Azerbaijão, que há décadas disputam Nagorno-Karabakh, poderiam acabar transformando os combates numa nova guerra, forçando a Rússia e o mundo a enfrentarem mais uma crise prolongada.

Mas, aí, tudo acabou. Apenas um dia após o início dos combates, os líderes da autoproclamada República de Artsaque, que não é reconhecida internacionalmente e que desde 1991 governa na prática a região povoada por armênios, concordaram em dissolver suas forças e retirar todas as armas pesadas. Já o Azerbaijão prometeu dar passagem segura para os combatentes.

Em Ierevan, capital da Armênia, o primeiro-ministro Nikol Pashinyan recusou-se a enviar militares armênios para reforçar o enclave, apesar da pressão pública. O acordo supostamente também inclui a determinação de que todos os soldados armênios deixem a área, um ponto sensível para Ierevan porque o governo armênio insiste que não tem tropas em Nagorno-Karabakh.

"As mãos da Armênia estavam atadas", avalia o analista político independente Fuad Shahbazov, do Azerbaijão. Qualquer intervenção da Armênia contra o seu vizinho maior e mais rico iria "provocar uma guerra convencional de grandes proporções porque o Azerbaijão consideraria isso um ato de invasão". A região de Nagorno-Karabakh é internacionalmente reconhecida como parte do Azerbaijão.

Kremlin "satisfeito com fim do conflito"

A Rússia, aliada tradicional da Armênia, com 2 mil soldados de paz destacados na área, também procurou acalmar a situação. Os comandantes do contingente de manutenção da paz mediaram o acordo de cessar-fogo e as próprias tropas teriam retirado os civis da zona de conflito.

O Kremlin descreveu a crise como um assunto interno do Azerbaijão. Ao visitar Pashyanin na quarta-feira, o presidente Vladimir Putin "observou com satisfação que foi possível superar a fase aguda do conflito".

O governo de Baku, capital do Azerbaijão, prepara-se agora para iniciar negociações para integrar os armênios do enclave, com detalhes ainda por anunciar.

"As forças do Azerbaijão e o Azerbaijão também criaram condições favoráveis para aqueles que querem apenas deixar Karabakh e não viver sob a proteção do Azerbaijão", disse Shahbazov, acrescentando que os armênios étnicos seriam autorizados a sair "com a ajuda das forças de paz russas".

Por tudo isso, a jornalista alemã e especialista no Sul do Cáucaso Silvia Stöber diz que o acordo de paz pode ser visto como uma capitulação dos armênios étnicos em Nagorno-Karabakh e um momento histórico após mais de três décadas de conflito.

Armênia e Rússia se afastaram

Mas por que a Rússia, que esteve ao lado da Armênia durante mais de 30 anos, está agora satisfeita em deixar o Azerbaijão obter o que aparenta ser uma vitória?

Uma das razões é a posição do governo armênio sobre Nagorno-Karabakh. No início do ano, Pashinyan anunciou que a Armênia estava reconhecendo a soberania do Azerbaijão sobre a região montanhosa, que os armênios chamam de Artsaque. Aparentemente ele também não está disposto a arriscar outra derrota humilhante depois de 2020.

A outra razão, provavelmente mais importante, são as profundas tensões entre os governos da Rússia e da Armênia. Pashinyan nunca foi o favorito de Moscou, e nos últimos meses ele ainda começou a desafiar abertamente o Kremlin e a flertar com o Ocidente.

As forças armênias recusaram-se a participar dos exercícios conjuntos deste ano com os soldados russos, mas continuaram a cooperar com os militares dos EUA. Tropas americanas estavam na Armênia quando a recente operação do Azerbaijão em Nagorno-Karabakh começou – os militares dos EUA disseram que o exercício Eagle Partner 2023 foi concluído na quarta-feira, conforme planejado.

A Armênia enviou ajuda humanitária à Ucrânia em setembro, e a esposa de Pashinyan, Anna Hakobyan, visitou Kiev. Num passo ainda mais ousado, Pashinyan recorreu aos meios de comunicação internacionais para descrever a dependência do seu país da Rússia como um erro estratégico para a própria segurança diante da invasão da Ucrânia.

Pashyanin mostrou especial irritação por as forças russas de manutenção da paz não agirem contra o alegado bloqueio do Azerbaijão ao corredor de Lachin, a única estrada que liga a Armênia ao enclave de Nagorno-Karabakh.

"Tudo isso estaria na esfera de responsabilidade das forças de manutenção da paz russas e, como essas questões existem, as forças de manutenção da paz russas falharam na sua missão", disse o primeiro-ministro armênio ao site Politico.

Numa entrevista à DW, o analista armênio e ex-legislador Styopa Safaryan acusou a Rússia de tentar "punir a Armênia por uma assim chamada deslealdade" e de estar "fazendo isso com as mãos do Azerbaijão". "Isso assemelha-se absolutamente à agressão da Rússia na Ucrânia. É absolutamente a mesma situação", declarou, alegando que a Rússia tenta depor o atual governo de Ierevan.

Ofertas do Azerbaijão à Rússia?

O especialista alemão em sul do Cáucaso Stefan Meister vê os motivos da Rússia de forma ligeiramente diferente.

Meister diz que a Rússia simplesmente não tem interesse num novo grande conflito numa antiga região soviética por seus recursos estarem destinados à Ucrânia. Ele diz que o Azerbaijão, rico em energia, provavelmente fez uma oferta à Rússia para permitir um corredor de transporte para o Irã e possivelmente outros negócios relacionados com petróleo e gás.

"Baku estava numa boa posição de negociação, simplesmente por causa da guerra na Ucrânia e da necessidade [da Rússia] de encontrar rotas comerciais alternativas e contornar as sanções", afirma.

Sobre os paralelos entre a guerra na Ucrânia e o conflito em Nagorno-Karabakh, Meister também observa que Baku estava se espelhando em Moscou como um modelo. "Corredores humanitários usados para expulsar as pessoas: essa é a lógica e o cinismo que conhecemos de Moscou e que, infelizmente, vemos agora no Azerbaijão", diz.

Amor entre Rússia e Armênia "acabou"

O pesquisador Ruben Enkopolov, do Instituto de Economia Política e Governança de Barcelona, afirma que só há uma opção para Nagorno-Karabakh. "O único cenário é a transferência total de controle para o Azerbaijão", diz. "Isso vai acabar com tudo o que é armênio."

Enkopolov espera que esse êxodo não signifique uma limpeza étnica, mas diz que muito provavelmente será apresentado como uma "evacuação forçada".

E embora a Armênia provavelmente fique ressentida com a inação do Kremlin em Nagorno-Karabakh, ela continuará precisando da Rússia como sua maior parceira comercial. "O comércio é necessário, mas o amor acabou", resume.

Autor: Darko Janjevic

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