O que disseram à PF ex-comandantes sobre minuta golpista

Ex-chefes do Exército e da Aeronáutica no governo Bolsonaro afirmaram à PF que ex-presidente apresentou proposta de golpe. Ambos disseram ter sido contra minuta. Ex-comandante da Marinha seria simpático à ideia.

Por Deutsche Welle

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes derrubou nesta sexta-feira (15/03) todos os sigilos dos depoimento feitos à Polícia Federal (PF) no âmbito inquérito sobre uma trama golpista elaborada na cúpula do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Entre os depoimentos, destacam-se os dos então comandantes da Aeronáutica, Carlos Almeida Baptista Júnior, e do Exército, Marco Antonio Freire Gomes. Ambos confirmaram que Bolsonaro apresentou, depois de sua derrota nas eleições de 2022, um plano de golpe de Estado para impedir que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumisse o poder.

Os depoimentos complicam a situação de Bolsonaro, que, inicialmente, disse desconhecer a minuta golpista apreendida na residência do ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, em 10 de janeiro de 2023 e, posteriormente, na sede de seu partido, o PL, em 2024.

Torres disse à PF que não escreveu a minuta e que não tinha conhecimento do teor do documento apresentado em reunião no Palácio da Alvorada, em 7 de dezembro de 2022, pelo assessor Filipe Martins. O ex-assessor, por sua vez, também negou à PF a autoria do documento.

O que disso o ex-comandante da Aeronáutica

O tenente-brigadeiro do ar Carlos Almeida Baptista Júnior disse à PF ter participado de cinco ou seis reuniões com Bolsonaro e os outros comandantes das Forças Armadas após a eleição presidencial de 2022.

No depoimento, ele afirmou ter alertado o presidente que não havia fraude nas urnas eletrônicas, tese defendida pelos apoiadores de Bolsonaro para justificar a permanência dele no poder.

Ele também disse que o general Marco Antonio Freire Gomes ameaçou prender Bolsonaro caso o então presidente levasse adiante uma tentativa de golpe de Estado. Ainda segundo Baptista Jr, Freire Gomes desincentivou Bolsonaro a se valer de teses jurídicas estranhas para dar um golpe, como a decretação de estado de sítio, estado de defesa, ou Garantia da Lei e da Ordem (GLO).

Segundo relatório da PF, Baptista Jr. disse que, em reunião com Bolsonaro, ele próprio deixou claro que se opunha a qualquer plano golpista e que não havia mais possiblidade do então presidente permanecer no cargo.

"Em outra reunião de comandantes das Forças com o então presidente da República, o depoente deixou evidente a Jair Bolsonaro que não haveria qualquer hipótese do então presidente permanecer no poder após o término do seu mandato. Que deixou claro ao então presidente Jair Bolsonaro que não aceitaria qualquer tentativa de ruptura institucional para mantê-lo no poder", diz o relatório da PF sobre o depoimento.

Questionado sobre quando lhe foi apresentada a minuta para a decretação de golpe, Baptista Jr. disse que o documento foi exibido aos comandantes das Forças Armadas em reunião no Ministério da Defesa, em 14 de dezembro de 2022, pelo então titular da pasta, general Paulo Sérgio de Oliveira.

De acordo com o relato do ex-comandante da Aeronáutica, Oliveira colocou a minuta sobre uma mesa e disse que gostaria de apresentar o documento "para conhecimento e revisão".

"Que o depoente entendeu que haveria uma ordem que impediria a posse do novo governo eleito; Que, diante disso, o depoente disse ao Ministro da Defesa que não admitiria sequer receber esse documento; Que a Força Aérea não admitiria tal hipótese (Golpe de Estado)", diz a transcrição do depoimento de Baptista Jr, feita pela PF.

Baptista Jr. disse ainda aos investigadores que, ao comunicar o então ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, que não aderiria a nenhuma "virada de mesa", este teria ficado "atônito" com a afirmação.

Pelo depoimento do ex-comandante da FAB, o ex-comandante do Exército, Freire Gomes, "expressou que também não concordaria com a hipótese de analisar o conteúdo da minuta".

O que disse o ex-comandante do Exército

O depoimento de Carlos Almeida Baptista Júnior coincide com o do ex-comandante do Exército Marco Antonio Freire Gomes.

À PF, Freire Gomes disse que Bolsonaro lhe apresentou pessoalmente, em reunião na biblioteca do Palácio da Alvorada, no dia 7 de dezembro de 2022, uma minuta de decreto para consumar um golpe de Estado.

O teor do documento foi lido por Martins na presença do ex-comandante da Marinha Almir Garnier e o ex-ministro da Defesa Paulo Sergio Nogueira de Oliveira.

Conforme transcrição do depoimento do general Freire Gomes, ele diz "que se recorda de ter participado de reuniões no Palácio da Alvorada, após o segundo turno das eleições, em que o então presidente da República, Jair Bolsonaro, apresentou hipóteses de utilização de institutos jurídicos como GLO [Garantia da Lei e da Ordem], estado de defesa e estado de sítio em relação ao processo eleitoral".

Freire Gomes afirma que, em reunião posterior, deixou evidenciado ao presidente Jair Bolsonaro que "o Exército não participaria da implementação desses institutos jurídicos visando reverter o processo eleitoral".

Confrontado com a minuta de golpe que foi apreendida na casa de Anderson Torres, Freire Gomes confirmou se tratar do mesmo documento apresentado nas reuniões com Bolsonaro.

Freire Gomes também disse que Torres participou de reuniões junto a Bolsonaro para explicar "o suporte jurídico para as medidas que poderiam ser adotadas". Logo em seguida, o general disse que "sempre posicionou que o Exército não atuaria em tais situações".

"Que inclusive chegou a esclarecer ao então presidente da República Jair Bolsonaro que não haveria mais o que fazer em relação ao resultado das eleições e que qualquer atitude, conforme as propostas, poderia resultar na responsabilização penal do então presidente", disse Freire Gomes à PF.

O depoimento do ex-comandante da Marinha

O ex-comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, chegou a comparecer para depor na Polícia Federal em 22 de fevereiro, mas permaneceu calado.

No entanto, o ex-comadante da Aeronáutica disse em seu depoimento que, enquanto esteve na sala após a apresentação do plano golpista, Garnier, "não expressou qualquer reação contrária ao conteúdo da minuta".

Também segundo Baptist Jr:, o único que "colocou as tropas à disposição" de Bolsonaro foi Garnier.

O ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, disse, em delação premiada, que Garnier teria sido simpático a um golpe de Estado e teria, inclusive dito "que sua tropa estaria pronta para aderir a um chamamento do então presidente".

le (ots)

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