Torturas e execuções extrajudiciais de prisioneiros de guerra ucranianos, ataques a alvos civis e o controle de instalações essenciais de infraestrutura da Ucrânia. Esses são alguns dos crimes dos quais os mercenário russos do Grupo Wagner são acusados.
Os relatos foram reunidos a partir de depoimentos de cerca de uma dúzia de militares ucranianos que foram mantidos em cativeiro pelos mercenários russos, e publicados em um relatório da organização ucraniana Media Initiative for Human Rights (Iniciativa da Mídia para Direitos Humanos).
Tatyana Katrichenko, que integra a organização, afirmou à DW que esta foi a primeira vez que militares ucranianos sob poder do Grupo Wagner foram libertados, algo que só se tornou possível porque os mercenários mudaram suas táticas. Inicialmente, eles costumavam matar imediatamente os prisioneiros capturados em batalhas na Ucrânia e em outros países.
A força mercenária antes liderada por Yevgeny Prigozhin tem lutado na Ucrânia desde 2014, de acordo com a Media Initiative for Human Rights. Após a invasão russa de larga escala em fevereiro de 2022, os mercenários se tornaram cada vez mais prisioneiros dos militares ucranianos, o que levou o Grupo Wagner a criar seu próprio "pool para troca de prisioneiros".
"De setembro de 2022 a maio de 2023, há evidências de que o Grupo Wagner capturou militares ucranianos especificamente para novas trocas. Ele manteve registros dos prisioneiros, elaborou listas e os enviou para trocas", diz Katrichenko. Segundo ela, os militares ucranianos relataram que o Grupo Wagner queria apenas um determinado número de prisioneiros. "Os outros eles matavam de forma brutal e exemplar."
Execuções e torturas
Um soldado da 17ª Brigada Blindada da Ucrânia, citado no relatório, testemunhou uma execução em massa de prisioneiros ucranianos. "Havia 20 de nós. Os outros foram amontoados, e fui mantido a cinco ou dez metros de distância deles. Então ouvi metralhadoras. Quando me virei, vi que nossos rapazes tinham sido baleados por quatro homens", disse.
Outro soldado ucraniano relatou como os homens do Wagner ameaçaram cortar sua cabeça. Segundo ele, eles lhe mostraram as cabeças de dois soldados ucranianos executados. "Esse não foi o único caso de membros do Wagner exibindo cabeças decapitadas de militares ucranianos", diz o relatório do grupo de direitos humanos.
Papel da liderança russa
Katrichenko afirma que os relatos mostram sinais claros de crimes de guerra e demandam investigações completas, inclusive em nível internacional, para levar os perpetradores à Justiça. "Os criminosos não foram identificados até agora, não apenas porque escondem seus rostos atrás de máscaras, mas principalmente porque o Grupo Wagner tenta agir de forma independente, sem um status definido. Mas a guerra na Ucrânia mostrou que os homens do Wagner operam sob o controle da Rússia e que o Kremlin é responsável por todos esses crimes", diz ela.
De acordo com estimativas da organização, houve pelo menos 11 trocas de prisioneiros de setembro de 2022 a junho de 2023, principalmente na região de Bakhmut. "O Grupo Wagner entregou prisioneiros e recebeu de volta não apenas mercenários do Wagner, mas também membros do exército russo, o que é mais uma prova dos laços concretos do Grupo Wagner com as forças armadas russas", disse Katrichenko. Ela enfatiza que o próprio presidente da Rússia, Vladimir Putin, confirmou a conexão do Estado russo com o Wagner, dizendo que a força é financiada pelo orçamento do Estado russo.
Responsabilização do Kremlin
Mas seria possível responsabilizar os principais líderes da Rússia, inclusive o presidente russo, pelos crimes cometidos pelos membros do Wagner? Maksym Tymochko, um especialista em direito internacional em Kiev, diz que o direito internacional fornece instrumentos legais para isso e que a Ucrânia deveria usá-los. Em entrevista à DW, ele enfatiza que os crimes de guerra são as violações mais graves das Convenções de Genebra de 1949 e que eles não estão sujeitos a prescrição.
De acordo com ele, há muitas evidências de que o Wagner é controlado e comandado pela liderança russa. Isso significa que os principais oficiais militares russos poderiam ser responsabilizados pelo cometimento de crimes de guerra por membros desse "exército particular". Além disso, a "jurisdição universal" se aplica em relação a crimes internacionais, disse Tymochko. Isso significa que qualquer Estado pode processar uma pessoa por cometer crimes de guerra ou genocídio, independentemente do local onde o crime foi cometido.
Também é possível classificar o Wagner como uma organização terrorista, como o Reino Unido fez recentemente. Assim, todos os membros e apoiadores poderiam ser processados. O Tribunal Penal Internacional em Haia também poderia responsabilizar os comandantes militares e líderes de tal organização.
Mais testemunhas são necessárias
Crimes como genocídio e crimes de guerra também são passíveis de punição na Ucrânia. De acordo com Tymochko, aplica-se a "responsabilidade de comando". De acordo com isso, os comandantes são criminalmente responsáveis por crimes de acordo com a lei internacional cometidos por seus subordinados, mesmo que não tenham ordenado os atos. É suficiente provar que eles "não tomaram medidas para evitar esses crimes e não puniram os responsáveis".
Enquanto isso, a Media Initiative for Human Rights está tentando complementar seu relatório sobre os crimes do Grupo Wagner com mais testemunhas, incluindo fatos sobre o assassinato e a tortura de civis.
Autor: Lilia Rzheutska