Se todos os projetos saírem do papel, Santa Catarina terá pelo menos nove praias alargadas nos próximos anos, num investimento que ultrapassa R$ 200 milhões. Essas obras têm sido uma das principais apostas para enfrentar a erosão e a falta de areia em balneários movimentados, aumentando o espaço para o lazer e turismo. Mas vale a pena esse investimento, num cenário de aquecimento global, elevação do nível do mar e aumento dos eventos climáticos extremos?
Alargamento ou engordamento de praia é o nome popular para a alimentação artificial de praia – a areia é dragada, geralmente, do fundo do mar. Copacabana, no Rio de Janeiro, foi uma das primeiras a passar por este tipo de intervenção no Brasil, ainda na década de 1970. Nos últimos anos, no entanto, obras semelhantes se tornaram mais comuns, e estão sendo planejadas e executadas em diversos locais do litoral brasileiro.
Santa Catarina ganhou destaque nacional pela megaobra de Balneário Camboriú, finalizada em dezembro de 2021, num investimento de R$ 90 milhões. A faixa de areia aumentou, em média, de 25 metros para 70 metros. Mas, em junho deste ano, a cidade voltou a chamar a atenção – o mar tomou novamente parte da areia em um trecho da praia.
Além da Praia Central de Balneário Camboriú, já foram alargadas as praias de Canasvieiras e Ingleses, em Florianópolis, e a Praia Central, de Balneário Piçarras. Há projetos para intervenções em outras seis, incluindo Jurerê, na capital catarinense, e uma nova obra em Balneário Piçarras, a quarta daquele município.
Um estudo do Programa Ecoando Sustentabilidade da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) analisou o cenário catarinense e fez diversos questionamentos. "Como as praias de interesse para alargamento são todas ocupadas, a ação humana afeta sobremaneira a largura da praia. Assim, o foco no alargamento da praia é uma medida simplista que tenta resolver um problema socioambiental complexo com uma única ação, ou seja, a adição de sedimentos", escreveram os pesquisadores em nota técnica.
Adaptação e mitigação
O litoral brasileiro vem perdendo área. Estudo do MapBiomas mostrou que entre 1985 e 2022 o espaço de praias, dunas e areais diminuiu 15%. De acordo com os pesquisadores, a perda está relacionada ao avanço de infraestruturas urbanas, silvicultura, pastagens, agricultura e pecuária. Em Santa Catarina, a diminuição foi ainda maior: cerca de 21,5%.
A proteção da costa é um dos principais argumentos usados para os alargamentos. Cenas de ruas, casas, bares e restaurantes destruídos à beira-mar têm se repetido. Em 2010, por exemplo, na Praia da Armação, em Florianópolis, cerca de 15 residências foram demolidas com a força da ressaca. Em 2021, no Morro das Pedras, próximo à Armação, sacos de contenção e paliçadas não aplacaram a fúria do mar, que danificou diversas moradias. Não há projetos para alargamento de nenhuma das duas.
As praias são formadas por uma espécie de ciclo autorregenerativo, que depende de fatores globais (nível do mar), regionais (sedimentos que chegam dos rios) e locais (como ocupação da orla). Com o nível da água subindo devido ao aquecimento global, a falta de sedimentos que chegam dos rios represados e a ocupação das áreas de preservação permanente, ocorre um déficit de areia.
O grupo da UFSC defende a recomposição dos sistemas ecológicos e a remoção das estruturas urbanas que estão em áreas de preservação permanente para a mitigação e adaptação ao cenário atual. "Porque se você remover as estruturas construídas e recompor os sistemas ecológicos, você estará protegido. Mas se mantiver as estruturas, estará brigando com o mar. Terá que estar o tempo todo fazendo manutenções para proteger a linha da costa", avaliou o pesquisador Paulo Roberto Pagliosa Alves, professor dos cursos de Oceanografia e Geografia da UFSC e um dos autores da pesquisa.
O estudo da UFSC analisou três obras executadas e as licenças emitidas, incluindo as de Jurerê, em Florianópolis, e Praia Central, em Balneário Piçarras. De acordo com a nota técnica, em todas as praias alimentadas artificialmente têm ocorrido processos erosivos mais intensos, como mostram os degraus formados na orla e o sumiço de parte da areia de Balneário Camboriú.
Os autores também detectaram problemas em praias próximas às alargadas. Canajurê, que fica entre Canasvieiras e Jurerê, recebeu tanta areia que tem causado transtornos no embarque e desembarque de uma marina. A prefeitura de Florianópolis não respondeu se planeja alguma ação no local.
Os pesquisadores alertaram ainda sobre o perigo para os banhistas. "Outro aspecto que chama bastante atenção é que na primeira obra executada [Praia de Canasvieiras] [...] houve um expressivo aumento de afogamentos, sendo três com mortes, numa praia cujo último registro de morte por afogamento havia ocorrido há mais de 20 anos."
Valorização imobiliária e duração das obras
A prefeitura de Balneário Camboriú considera o alargamento da praia um sucesso. Argumenta que, no início de novembro, quando a maré invadiu a orla do Rio de Janeiro, nada ocorreu no município catarinense. "Antes do alargamento, a Avenida Atlântica já foi tomada pelo mar algumas vezes, porém isso não aconteceu mais depois da obra", avaliou por e-mail, frisando que houve uma valorização imobiliária no município, cujos índices estão entre os mais altos do país.
De acordo com a prefeitura, a erosão de junho afetou 200 metros de um trecho de mais de cinco mil metros da praia. Para sanar o problema, foi elaborado um projeto para usar areia ensacada e manta geotêxtil para manter a praia confinada, a um custo de R$ 3,5 milhões – a obra aguarda licenciamento. Mesmo com esta perda parcial de sedimentos, o município afirmou que o alargamento foi projetado levando em conta um período de 100 anos.
Já em Itapoá, que receberá a areia de uma dragagem do Porto de São Francisco, o município informou que podem ocorrer alterações em bem menos tempo. ""Estimativas embasadas nos projetos e nas modelagens computacionais dão conta de que a durabilidade é de 10 anos. Entretanto, possibilidades de diminuição do alargamento poderão ser sentidas entre sete e 13 anos. Porém, trata-se de força da natureza que não se controla", afirmou o secretário municipal de Meio Ambiente, o geógrafo Rafael Brito.
O histórico de intervenções em Balneário Piçarras mostra a dificuldade em lidar com a força do mar e como são necessárias manutenções constantes. Para prevenir alagamentos, árvores arrancadas e calçadas e deques destruídos, foram realizadas três obras na Praia Central: em 1999, 2008 e 2012. Agora, há um novo projeto sendo licitado.
O estudo que embasou o projeto sugere dragar 360 mil metros de areia para a praia, prolongar dois espigões e instalar quebra-mares, estruturas que ajudam a conter a força das ondas. O objetivo é "fornecer uma possível solução para os problemas de erosão". A prefeitura não respondeu aos questionamentos da reportagem.
Mais estudos e participação popular
Devido ao tamanho das obras, apenas a de Balneário Camboriú precisou de Estudo de Impacto Ambiental (EIA). As outras exigem Estudo Ambiental Simplificado (EAS), porque movimentaram menos de 500 mil metros quadrados de sedimentos.
"Pela natureza do documento, o EIA tem que ser mais detalhado e ter uma abrangência maior que o estudo simplificado. Inclusive vai discutir por que uma obra está planejada para determinado local. Será que não teriam outras alternativas técnicas?", questionou Pagliosa. "A audiência pública é algo que dá visibilidade, traz a população para discutir o empreendimento. Acaba promovendo a discussão social".
Os pesquisadores propuseram uma atualização da Resolução do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) de 2017, que define o porte desses empreendimentos.
Com estudos aprofundados e mais participação popular, como sugerem os pesquisadores da UFSC, a questão se vale a pena alargar as praias provavelmente teria uma resposta mais convincente.
____________________
O texto foi atualizado com uma nova fala, mais detalhada, do secretário municipal de Meio Ambiente de Itapoá, o geógrafo Rafael Brito, para melhor compreensão do contexto.
Autor: Maurício Frighetto