Para Brasil, COP28 não capta "senso de urgência"

Diplomacia brasileira critica falta de esforços das nações rumo a um compromisso global ambicioso para evitar uma catástrofe climática. Por outro lado, país se abstém de propor fim do uso de combustíveis fósseis.

Por Deutsche Welle

Ao fim da primeira semana de negociações na Conferência do Clima (COP28) em Dubai, a diplomacia brasileira está insatisfeita com o andamento das tratativas de se chegar a um acordo global que realmente faça a diferença. Para André Corrêa do Lago, negociador-chefe do Brasil, o senso de urgência não aparece, até agora, no documento que deve ser divulgado ao final do evento.

"Estamos na missão 1,5°C, este é o espírito do Brasil. O senso de urgência do que precisa ser feito para não ultrapassarmos este limite de aquecimento do planeta não está refletido no texto", declarou Lago numa coletiva de imprensa nesta terça-feira (05/12).

Pelas metas do Acordo de Paris, para evitar uma catástrofe global, a temperatura média do planeta não pode subir mais do que 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais

Questionado pela DW sobre a disposição do Brasil de defender na COP28 um prazo para o fim do uso de combustíveis fósseis, Lago disse que o debate internacional sobre o tema ainda não está estruturado.

"Uma [coisa] é o que os países podem fazer individualmente, dentro dos seus territórios, para lidar com isso. A outra coisa é como esse debate ocorrerá internacionalmente. E o debate internacional ainda não está estruturado", destacou.

O governo federal deixou claro que vai continuar investindo em combustíveis fósseis. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Junqueira, defendeu a perfuração na Foz do Amazonas, enquanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em sua passagem pela COP28, minimizou a entrada do país para o clube internacional do petróleo (Opep+).

"O Brasil é um país com muitas opções de energia. A sociedade brasileira, de forma democrática e bem informada, tem que debater como vamos lidar com isso", pontuou Lago sobre a exploração de petróleo.

Para Luciana Gatti, cientista do Instituto Nacional de Pesquisas Espacias (Inpe) que acompanha a conferência em Dubai, o sentimento é de decepção. Gatti mostrou em artigos publicados na revista Nature que a Floresta Amazônica, devido ao desmatamento, está perdendo a sua capacidade de absorver dióxido de carbono, um dos gases que mais contribui para as mudanças climáticas.

"Não vamos a lugar nenhum assim. Com uma mão, reduzimos a emissão ao cortar o desmatamento. Com a outra, aumentamos as emissões explorando mais petróleo. É uma incoerência muito grande", declarou à DW.

O peso da indústria do petróleo

Um levantamento divulgado pela coligação Kick Out Big Polluters nesta terça-feira mostra que a COP28 foi tomada pela indústria do petróleo. No ano em que a temperatura média global bateu recorde, o setor compareceu em peso nas negociações: quase 2.500 representantes se inscreveram para participar da conferência, quatro vezes mais do que a edição passada, no Egito.

São mais lobistas de combustíveis fósseis com acesso à COP28 do que quase todas as delegações de países. Os 2.456 representantes de petroleiras são superados em número apenas pela delegação brasileira, com 3.081 pessoas registradas, e pelos anfitriões, Emirados Árabes Unidos, com 4.409 participantes.

"Você realmente acha que a Shell, a Chevron ou a ExxonMobil estão enviando lobistas para observar passivamente essas negociações? Para promover soluções climáticas em benefício das comunidades cujo ar e água poluem? Para colocar as pessoas e o planeta acima do lucro e dos seus dólares gananciosos?", questiona Alexia Leclercq, cofundadora da coligação.

Para os ativistas, a presença das empresas do setor impede o avanço das negociações. "Eles são a razão pela qual a COP28 está envolta numa névoa de negação climática, e não na realidade climática", afirmam.

Negação no ar

Antes do início da conferência, o presidente da COP28, Sultan Al Jaber, disse numa transmissão ao vivo que "não há ciência" que comprove a necessidade da redução do uso de combustíveis fósseis para frear os efeitos da mudança climática. Numa coletiva de imprensa feita durante as negociações, Al Jaber sentou-se ao lado de cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) e alegou que foi mal interpretado.

A reunião já havia começado sob a polêmica nomeação de Al Jaber para chefiar a rodada, já que ele também é chefe da petroleira estatal dos Emirados Árabes.

Os cientistas reunidos no IPCC não deixam dúvida de que o uso do petróleo é a maior fonte de gases de efeito estufa. Segundo a ONU, para manter o aquecimento do planeta em 1,5°C, como manda o Acordo de Paris, é necessário reduzir as emissões globais de gases de efeito estufa pela metade até 2030.

Durante a COP28, a Organização Mundial de Meteorologia divulgou dados preliminares, apontando que, desde a era pré-industrial, a queima de petróleo, gás natural e carvão já provocou uma alta de 1,4°C na temperatura média da Terra. E os cientistas associam a alta da temperatura ao aumento do nível do mar, à frequência e intensidade de eventos extremos e ao desequilíbrio de ecossistemas.

"Com o apoio do Brasil ao petróleo, o país perde a oportunidade de se colocar como aquele que aponta mesmo a solução. Mostra também que o que mais interessa é fazer dinheiro, e não o que tem que ser feito para evitar o colapso climático", critica Gatti.

Autor: Nádia Pontes (enviada a Dubai)

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