Por que a Rússia não consegue conter ataques de drones?

Kremlin, que primeiro adotou "estratégia do silêncio", diz ter desligado alguns dispositivos e abatido outros no ar. Especialista israelense questiona defesa aérea e afirma que ataques devem aumentar.

Por Deutsche Welle

Por que a Rússia não consegue conter ataques de drones?
Fachada de um prédio danificada na cidade de Moscou após um ataque de drones ucraniano
REUTERS/Stringer

Moscou registrou dois ataques de drones em um intervalo de dois dias. Na madrugada de domingo (30/07), as explosões atingiram dois edifícios que abrigam escritórios de três ministérios: Indústria e Comércio, Desenvolvimento Econômico e Comunicação. Dois dias depois, na madrugada de terça-feira, um dos prédios, localizado no IQ-Quarter, distrito empresarial da capital russa, foi atingido pela segunda vez – segundo o prefeito Serguei Sobianin, as duas explosões ocorreram no 21º andar do arranha-céu e destruíram 150 metros quadrados de vidro.

A reação de Rússia e Ucrânia aos ataques

Citando fontes do alto escalão do Kremlin, a agência estatal de notícias russa Tass informou que os drones do ataque de terça teriam vindo da Ucrânia. Kiev, porém, não assumiu responsabilidade pelos eventos.

"Moscou está se acostumando rapidamente à guerra plena – que, por sua vez, logo se deslocará para o território dos ‘autores da guerra' para recolher todas as dívidas deles… Tudo que irá acontecer na Rússia é um processo histórico objetivo. Mais drones não-identificados, mais colapso, mais conflitos civis, mais guerra…", limitou-se a comentar, via Twitter, o conselheiro do gabinete presidencial ucraniano, Mykhailo Podolyak.

O Ministério da Defesa russo, por sua vez, fala em "ataques do regime de Kiev". Alguns drones, alega, teriam sido desligados por "meios eletrônicos de combate", caindo posteriormente sobre os edifícios. Outros drones teriam sido abatidos pelas forças russas antes de Moscou.

Rússia tem problemas para interceptar drones, aponta especialista: "Foguetes neutralizados por prédios"

Ex-policial em Israel e hoje especialista em segurança, Sergei Migdal reage com desconfiança às declarações do Ministério da Defesa russo. "Israel já ouviu da defesa aérea síria essa história de ‘abater todos os foguetes', enquanto sírios filmavam armazéns e aeroportos em chamas. Chamamos isso de ‘neutralização de foguetes israelenses por meio de prédios'", ironiza.

Para Migdal, a interceptação de drones e foguetes em áreas próximas à fronteira com a Ucrânia ou na linha de frente é um problema para as forças russas, cuja defesa aérea estaria baseada em sistemas de combate próximo – neste caso, foguetes de defesa do tipo Panzir-S1, destinados à proteção de infraestrutura civil e militar. Um sistema muito bom, segundo Migdal, mas que só seria acionado no último segundo antes de atingir o alvo.

"É como loteria. Nenhum sistema oferece 100% de proteção. A probabilidade de que um sistema Panzir não intercepte um drone é bastante alta, pelo menos 50%."

Mas Migdal aponta outras razões para desconfiar da versão russa. Segundo o especialista, não faz sentido desligar aparelhos que já tenham transposto a barreira de proteção e adentrado a cidade.

"Nesse caso é melhor abater. Ao fazer isso, há grande probabilidade de que o explosivo seja detonado no ar e os fragmentos caiam no chão ou sobre os prédios. Não é legal, mas é melhor do que um drone que sai da rota e atinge outro prédio onde talvez haja pessoas, resultando em mortos e feridos."

Migdal argumenta que meios eletrônicos de combate podem ser usados em áreas desérticas, mas drones em cidades "têm que ser abatidos de pronto, desde que o explosivo não tenha atingido nenhum prédio". Ele também diz ter certeza de que o alvo dos drones era o arranha-céu no IQ-Quarter, e que o fato de ninguém ter saído ferido foi "pura sorte".

Silêncio do Kremlin é estratégia, diz ex-funcionário de Putin

O especialista israelense também ressalta que a imprensa russa praticamente ignorou o primeiro ataque de drones no dia 30 de julho. A notícia principal da manhã daquele dia teria sido a parada militar em São Petersburgo por ocasião do Dia da Marinha, prestigiada por Vladimir Putin. Para Migdal, a Defesa e o comando do país estariam tentando disfarçar o incômodo que a situação gerou.

O silêncio seria uma estratégia antiga do Kremlin para manter a mídia sob controle, algo praticado desde o início dos anos 2000, afirma o cientista político Abbas Galiamov, que no passado trabalhou redigindo discursos para o presidente russo e hoje atua como analista e conselheiro.

Segundo Galiamov, a "estratégia de contenção" consiste em ignorar aquilo que desagrada as autoridades. "É minimizar o que aconteceu: não foi algo importante, mas sim uma história de menor relevância, que não merece atenção. Só falam de algo quando esse algo toma proporções gigantescas e simplesmente não pode mais ser calado."

Essa estratégia, explica o cientista político, é voltada às parcelas da sociedade fiéis ao governo. "Se todo dia há notícias ruins, as pessoas se desesperam e dizem: 'Está tudo ruim aqui.' O aparato estatal perde essas pessoas. Por isso que eles agem como se nada tivesse acontecido."

Para Galiamov, porém, a tática do silêncio está fadada ao fracasso. "Cria-se um abismo entre realidade e propaganda na cabeça das pessoas. Elas passam a procurar fontes alternativas de informação, e a confiança na propaganda cai, junto com o número de cidadãos leais [ao Kremlin]."

Especialista prevê que ataques à Rússia vão aumentar

O segundo ataque por drones ao distrito empresarial de Moscou forçaram o Kremlin a romper o silêncio. No dia 31 de julho, o porta-voz do governo, Dimitri Peskov, referiu-se aos eventos como "ato desesperado ante o fracasso do regime de Kiev" e declarou que, por ora, Moscou e região não estariam sob perigo terrorista maior.

Mas o segundo ataque já no dia seguinte levou a uma mudança de tom. "Há perigo real e evidente, e medidas serão tomadas", declarou outro porta-voz do governo a jornalistas.

Falando na TV russa em nome do Ministério das Relações Exteriores, Maria Sakarova comparou os eventos aos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos.

Migdal, especialista israelense em segurança, não descarta que a Ucrânia esteja por trás dos ataques a Moscou, e diz ter certeza de que os ataques vão aumentar.

Mesmo sob fogo russo, Migdal diz que os ucranianos estariam tentando reabilitar sua indústria bélica e elevar a capacidade produtiva perdida nos últimos 30 anos. "A Ucrânia ainda não tem tantas opções. Mas é claramente um objetivo deles, e há muitos institutos e indústrias trabalhando nisso", afirma.

"Eles têm que fazer isso meio escondidos e precisam deslocar a produção constantemente. Sei que há engenheiros e desenvolvedores que não trabalham em instituições que o serviço secreto russo conhece, mas sim em apartamentos, para evitar bombardeios", diz Migdal. "Os ucranianos querem deixar bem claro aos russos que o apoio a Putin e à guerra tem o seu preço."

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Autor: Marina Baranovska (e Andrey Shashkov)

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