Por que as montadoras dos EUA estão em greve histórica

Sindicato que representa quase 150 mil trabalhadores pede, entre outras coisas, aumento de 36% nos salários. Temor é de que economia seja afetada como um todo e crise pode ter reflexos até na corrida à Casa Branca.

Por Deutsche Welle

Montadoras dos EUA estão em greve histórica Reprodução
Montadoras dos EUA estão em greve histórica
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A greve histórica que atinge fábricas de automóveis nos Estados Unidos desde a metade de setembro deve se tornar ainda maior, podendo impactar a economia americana e até a corrida à Casa Branca.

O sindicato americano United Auto Workers (UAW) anunciou nesta sexta-feira (22/09) que 38 centros de distribuição de peças da General Motors (GM) e da Stellantis (antiga Fiat Chrysler) iriam aderir ao movimento, que começou no dia 15 de setembro.

É a primeira vez na história que uma greve afeta simultaneamente as três principais montadoras dos EUA: GM, Stellantis e Ford.

O temor é que uma paralisação prolongada possa afetar a economia americana como um todo, já que o setor automobilístico é responsável por 3% do Produto Interno Bruto (PIB) do país.

Além disso, a disputa pela simpatia dos sindicalistas deve levar a Michigan tanto o presidente e candidato democrata è reeleição Joe Biden quanto o pré-candidato republicano e ex-presidente Donald Trump.

O que pedem os trabalhadores

O UAW, que representa quase 150 mil trabalhares, exige um aumento salarial de 36% ao longo de quatro anos - inicialmente, eram 40%. Segundo o sindicato, isso corresponde ao aumento da renda dos gestores de topo. Até agora, porém, os empregadores têm cogitado aceitar aumentos de até 20% durante um período de quatro anos e meio.

Atualmente, um trabalhador de alto escalão de uma fábrica de montagem recebe cerca de 32 dólares por hora e um empregado temporário iniciante, pouco menos de 17 dólares por hora.

Outras exigências do UAW são mais dias de férias, fim dos níveis variáveis de salários para os empregos nas fábricas, semana de trabalho de 32 horas com 40 horas pagas e a restauração de benefícios que o sindicato abriu mão para novos contratados a partir de 2007.

Mas, talvez um dos pontos mais importantes, seja o pedido do UAW para que possa representar trabalhadores em 10 fábricas de baterias para veículos elétricos, a maioria delas construída por joint ventures entre montadoras e fabricantes de sul-coreanos.

Em parte, isso se deve ao fato de que os trabalhadores que atualmente fabricam componentes para motores de combustão interna precisarão de novos postos à medida que a transição para os veículos elétricos se concretiza.

O próprio presidente do UAW, Shawn Fain, reconhece que as exigências são "audaciosas". Mas argumenta que as montadoras extremamente lucrativas podem se dar ao luxo de aumentar significativamente o salário dos trabalhadores para compensar o que o sindicato abriu mão para ajudar as empresas a resistir à crises financeira de 2007-2009 e à Grande Recessão (entre o final dos anos 2000 e início dos anos 2010).

A última década foi bastante lucrativa para as três montadoras de Detroit. Ao todo, elas registraram um lucro líquido de 164 bilhões de dólares, dos quais 20 bilhões de dólares somente neste ano. Além disso, os CEOs de todas elas ganham vários milhões em remuneração anual.

Segundo Fain, enquanto as negociações com a Ford avançam, na GM e na Stellantis "ainda precisam de um grande impulso". Ele admite que, embora a negociação com a Ford não tenha terminado, a empresa "pelo menos leva a sério a possibilidade de chegar a um acordo".

O que alegam as montadoras

As três empresas de Detroit dizem que não podem atender às exigências do sindicato porque precisam investir os lucros em uma dispendiosa transição de carros movidos a gasolina para veículos elétricos.

Na última semana, as tensões aumentaram quando as empresas demitiram milhares de trabalhadores, alegando que algumas fábricas estão com falta de peças por causa da por causa da greve.

As montadoras também afirmam que um contrato generoso com o UAW forçaria o aumento dos preços de varejo dos veículos, colocando-os acima dos concorrentes da Europa e da Ásia.

Analistas externos afirmam que, quando salários e benefícios são incluídos, os trabalhadores das fábricas de montagem de Detroit recebem atualmente cerca de 60 dólares por hora, enquanto os trabalhadores das montadoras asiáticas nos EUA recebem de 40 a 45 dólares.

Qualquer conflito prolongado pode revelar-se uma pedra no sapato de Biden, que fez da produção de automóveis elétricos uma parte fundamental dos esforços da sua administração para combater as mudanças climáticas.

Embora Biden se esforce para transmitir uma imagem de simpatia aos sindicalistas, o UAW até agora não apoia a reeleição do presidente.

Os preços dos carros vão aumentar?

Eventualmente, sim. Antes da greve, a GM, a Ford e a Stellantis estavam operando suas fábricas 24 horas por dia. No final de agosto, as três montadoras tinham, em conjunto, veículos suficientes para 70 dias. Depois desse período, se a greve persistir, compradores que precisarem de veículos provavelmente terão que recorrer a concorrentes não sindicalizados, que podem cobrar mais caro.

Os veículos já são escassos em comparação com os anos anteriores à pandemia de covid-19, que desencadeou uma escassez global de chips de computador que prejudicou as fábricas de automóveis.

Sam Fiorani, analista da AutoForecast Solutions, uma empresa de consultoria, disse que as montadoras tinham cerca de 1,96 milhão de veículos em estoque no final de julho. Antes da pandemia, esse número chegava a 4 milhões.

Hoje, o impacto da greve ainda não está sendo sentido nos lotes de carros em todo o país. E, provavelmente, levará algumas semanas até que uma escassez significativa de veículos novos seja perceptível, de acordo com os analistas. Entretanto, os preços poderão subir ainda mais cedo se a perspectiva de uma greve prolongada provocar pânico na compra.

A greve pode prejudicar a economia?

Sim, se for longa e especialmente no Centro-Oeste dos EUA, onde se concentra a maioria das fábricas de automóveis. O setor automotivo é responsável por cerca de 3% do PIB americano, e as montadoras de Detroit representam cerca de metade do mercado total de automóveis do país.

Há, também, os reflexos indiretos. Durante as paralisações, os trabalhadores receberão cerca de 500 dólares por semana de greve, muito menos do que ganham quando estão trabalhando. Como resultado, milhões de dólares em salários serão retirados da economia.

E claro, haveria também prejuízos para as montadoras. Por exemplo, durante uma greve de greve de 40 dias do UAW em 2019, a GM perdeu 3,6 bilhões de dólares.

Como a greve afeta a corrida à Casa Branca

A greve do UAW testa, também, a afirmação de Biden de que ele é o presidente mais pró-sindicato da história dos EUA. Para tentar reforçar essa imagem, o democrata anunciou, nesta sexta-feira, que irá a Michigan.

"Terça-feira, irei a Michigan para me juntar à área de piquete e me solidarizar com os homens e mulheres do UAW enquanto eles lutam por uma parte justa do valor que ajudaram a criar", escreveu em um post no X, a plataforma de mídia social anteriormente conhecida como Twitter.

"É hora de um acordo vantajoso para todos que mantenha a indústria automobilística americana prosperando com empregos bem remunerados", acrescentou Biden, que busca a reeleição em 2024.

Seu mais provável concorrente na corrida à Casa Branca, Donald Trum já havia dito que visitaria Michigan na quarta-feira para ressaltar o apoio ao direito dos trabalhadores sindicalizados.

Por isso, a viagem de Biden marcada para um dia antes da visita de Trump foi vista por muitos como uma afronta.

Um porta-voz da campanha de Trump chegou a dizer que se tratava de "uma foto barata oportunista".

le (AP, Lusa, ots)

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