Por que tantos tailandeses morreram no ataque do Hamas a Israel

Milhares de tailandeses atuam em fazendas israelenses. Em 7 de outubro, dezenas foram assassinados pelo Hamas enquanto trabalhavam. Mortes provocaram choque no país asiático, que se mantém neutro no conflito

Por Deutsche Welle

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Kong Saelao se orgulhava de seu trabalho em Israel. Todas as manhãs, o jovem trabalhador ia em sua bicicleta elétrica até as plantações onde colhia abacates até o sol de pôr.

Ele enviava dinheiro e selfies tiradas em meio a exuberantes árvores frutíferas à sua mulher na distante Tailândia. "Planejávamos construir uma casa e começar uma família", contou à DW sua esposa Suntree. No dia 7 de outubro, seu sonho modesto foi despedaçado.

Terroristas do Hamas atacaram a plantação em Khirbet Mador, próxima à Faixa de Gaza, e sequestraram o jovem de 26 anos. Desde então, ela não teve mais notícias dele.

No momento, o grupo terrorista Hamas mantém mais de 200 reféns em Gaza. Entre estes, estão 22 tailandeses afirmou o governo do país asiático. Outros 32 cidadãos tailandeses foram assassinados pelos terroristas - um dos maiores números entre os estrangeiros vítimas da ofensiva do Hamas.

Politicamente neutros

Os trabalhadores tailandeses são considerados politicamente neutros e, em grande parte, se ocupam de suas próprias vidas. As relações sociais do marido de Suntree em Israel eram quase que exclusivamente com seus compatriotas. "Por que ele, de todas as pessoas?", lamenta a esposa. "Ele é apenas um trabalhador inocente que queria juntar algum dinheiro."

Na Tailândia, muitas pessoas não entendem por que tantos cidadãos do país foram mortos em meio ao conflito. O cientista político Thitinan Pongsudhirak descreveu o ataque do Hamas como algo "inimaginável".

Pongsudhirak especula que talvez os palestinos estivessem "irritados com os trabalhadores tailandeses nas fazendas que exercem funções que poderiam e deveriam ter sido atribuídas a eles".

Até o final dos anos 1980, eram os palestinos que se realizavam o trabalho rural de baixa renda nas plantações israelenses. Após a primeira Intifada – o levante palestino contra a ocupação israelense da Cisjordânia, em 1987 – isso mudou repentinamente.

Israel passou a impor toques de recolher na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, entre outras áreas, o que resultou na redução da mão de obra disponível. O governo passou então a recrutar trabalhadores estrangeiros "de modo a reduzir a dependência do clima político, além de decisões de segurança administrativa e militar", disse Assia Ladizhinskaya da ONG Kav LaOved, sediada em Tel Aviv, que trabalha pelos direitos dos trabalhadores que pertencem a minorias.

Nos anos 1990, os imigrantes tailandeses se tornaram o pilar central do setor agrícola israelense. Pesquisas recentes indicam que o número de palestinos que trabalham nas fazendas israelenses seria de cerca de 10 mil, sendo que, antes do início da guerra com o Hamas, até 30 mil tailandeses trabalhavam nas plantações e pomares.

"Diplomacia do bambu"

O governo tailandês adotou uma postura neutra no conflito no Oriente Médio e se escora na "diplomacia do bambu", assim chamada pelo fato de as questões de política externa serem tratadas com a flexibilidade e maleabilidade dos bambus, em meio a interesses nacionais enraizados.

Enquanto os países muçulmanos da Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean), como a Indonésia, Brunei e Malásia não mantêm relações diplomáticas com Israel, a Tailândia possui contatos estreitos com o Estado judaico.

Em 2012, as duas nações assinaram um acordo bilateral para facilitar a contratação de trabalhadores tailandeses convidados por Israel. No mesmo ano, porém, a Tailândia reconheceu o Estado palestino e defendeu a solução de dois Estados no Conselho de Segurança da ONU. Na semana passada, Bangcoc votou a favor de uma resolução que pedia um cessar-fogo imediato.

As atrocidades do Hamas contra os trabalhadores tailandeses não devem mudar essa postura. A nação aisática tampouco deve pôr em risco suas lucrativas relações com o mundo islâmico, em especial, com a Arábia Saudita, diz a analista política Daungyewa Utarasint, da Universidade de Nova York em Abu Dhabi.

"Considerando que a Arábia Saudita acaba de atravessar seu processo de normalização [das relações diplomáticas] com Israel, seria estranho se a Tailândia apoiasse Israel nesse caso", observou. No ano passado, Bangcoc e Riad reavivaram seus laços diplomáticos após uma "era do gelo" que durou décadas.

Em agosto, a nação do Sudeste Asiático também introduziu o chamado Corredor Econômico Halal (HEC) para a exportação de bens produzidos de acordo com as regras islâmicas nas províncias tailandesas majoritariamente muçulmanas de Pattani, Yala e Narathiwat, até o Oriente Médio.

No final de outubro, centenas de tailandeses saíram às ruas de Bangcoc para protestar em solidariedade com o povo palestino. "Se o governo tailandês declarar apoio a Israel, isso poderá aumentar a separação da comunidade malaia muçulmana nas províncias do sul do país", explicou Utarasint.

Governo quer repatriar cidadãos

O agravamento da crise no Oriente Médio também gerou novas tensões entre Tailândia e Israel. Isso se deve principalmente às diferenças de atitude em relação ao repatriamento dos trabalhadores convidados. Ao mesmo tempo em que Israel tenta evitar a saída dos trabalhadores, oferecendo a ampliação de vistos e incentivos financeiros, Bangcoc faz todo o possível para trazer de volta o maior número possível de seus cidadãos.

"Voltem, por favor", apelou o primeiro-ministro tailandês, Srettha Thavisin, aos seus cidadãos em Israel. "No momento, mil tailandeses por dia podem ser repatriados. Desejo que todos retornem", afirmou. Até agora, 4,5 mil tailandeses voltaram ao seu país.

Um deles, Katchakon Pudtason, diz estar satisfeito de estar de volta. O colhedor de tomates teve de fugir dos terroristas do Hamas na traseira de uma picape. "Eles nos perseguiam e atiravam como loucos", contou à DW o homem de 40 anos. Na fuga, um tiro acertou seu joelho de raspão. A pessoa a seu lado levou um tiro no rosto. Somente após uma longa perseguição eles conseguiram escapar através de estradas de terra esburacadas.

Um colega tailandês que sofreu ferimentos na cabeça está sendo tratado em uma unidade de terapia intensiva de um hospital israelense. Katchakon conseguiu embarcar em um voo para seu país em uma cadeira de rodas. O ferimento em seu joelho deve se curar logo, mas mesmo assim, ele diz não deseja "de jeito nenhum" voltar a Israel.

Falta de proteção

A segurança na fazenda remota onde ele trabalhava já era inadequada antes do ataque do Hamas, afirma Katchakon. "Nosso abrigo era feito somente de simples tubos de concreto." Quando se ouvia uma ocasional granada ou morteiro ele pensava que "se uma bomba nos atingir, estaremos mortos".

A ONG Kav LaOved diz ter conhecimento do problema e recomenda que os trabalhadores rurais não trabalhem em dias de alto risco, porque no caso de um ataque com foguetes não haverá tempo para buscar um abrigo. "Isso se conseguirem ouvir a sirene em uma plantação distante", diz Assia Ladizhinskaya.

"Muitas acomodações de trabalhadores não são construções de alta qualidade com salas de segurança modernas." Além dos 600 abrigos existentes, Israel promete construir outros 430 novos sistemas de bunker nas regiões rurais.

O país dedicou um orçamento de 4,7 bilhões de euros (R$ 24,8 bilhões) para compensações financeiras aos trabalhadores estrangeiros "que continuarem a trabalhar na fronteira com Gaza até o final do ano", informou a embaixada israelense em Bangcoc, para o desgosto do primeiro-ministro tailandês.

Thavisin se queixou pessoalmente à embaixadora israelense Orna Sagiv. "Isso é inaceitável. Vidas estão em jogo", esbravejou na presença da imprensa local ao anunciar que seu governo dará a cada um que voltar ao país 15 mil baht tailandeses (aproximadamente R$ 2 mil) para, de alguma forma, compensar as perdas pessoais.

Katchakon Pudtason se diz satisfeito com o apoio financeiro, mas diz não saber de que forma os tailandeses desempregados poderão sustentar suas famílias no futuro. "Três ou quatro de meus colegas já estão novamente trabalhando nas plantações israelenses", contou. "Eles agora contam com a segurança de tanques israelenses." Para ele, no entanto, após a experiência traumática o capítulo de Israel em sua vida está definitivamente encerrado.

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