Presidente alemão inaugura reconstrução de igreja com passado controverso

Quase 60 anos após a sua destruição pelo regime da Alemanha Oriental, torre da igreja da Guarnição volta a ser um marco de Potsdam. Mas nem todos aprovaram reconstrução por causa da associação do prédio com o nazismo.

Por Deutsche Welle

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Com a presença do presidente da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, autoridades da cidade de Potsdam, nos arredores de Berlim, inauguraram nesta quinta-feira (22/08) a reconstrução da torre da Garnisonkirche, ou igreja da Guarnição. O debate sobre a reconstrução se estendeu por décadas, já que não se tratava de uma simples igreja, mas também um monumento com uma pesada bagagem histórica.

Construída originalmente nos anos 1730, severamente danificada na Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e demolida em 1968 pelo regime comunista da Alemanha Oriental, a igreja da Guarnição, de estilo barroco, foi por quase duzentos anos associada aos monarcas da antiga Prússia (o reino que liderou a unificação da Alemanha no século 19). Apenas isso já seria suficiente para ligar a igreja ao passado militarista prussiano e o nacionalismo alemão.

Mas a construção também foi palco do infame "Dia de Potsdam", uma cerimônia cuidadosamente coreografada em março de 1933, que ocorreu semanas após Adolf Hitler assumir a liderança do governo alemão, e que foi encarada à época como um "casamento" simbólico entre a velha aristocracia prussiana com os recém-chegados nazistas.

Debates sobre a reconstrução a igreja começaram a ganhar força nos anos 1990, após a reunificação da Alemanha, com a coleta de doações e o apoio do ramo protestante local da Igreja Evangélica da Alemanha (EKD).

No entanto, conforme o projeto avançou, especialmente nos anos 2010, críticas à reconstrução também começaram a ficar mais barulhentas. O custo de 42 milhões de euros (R$ 260 milhões), apenas para a reconstrução da torre e que foi bancado em grande parte pelo governo federal alemão, também levantou questionamentos.

Os promotores do projeto, por outro lado, defenderam a reconstrução argumentando que a destruição a igreja deixou um vazio na paisagem histórica da cidade, e lembraram que sua destruição pelo regime da Alemanha Oriental nos anos 1960 foi alvo de fortes críticas à época, e não foi unanimidade nem mesmo entre as autoridades comunistas locais.

"Esse lugar nos desafia"

Em seu discurso nesta quinta-feira, o presidente Steinmeier não tentou abafar o fardo histórico da igreja, e disse que a inauguração da torre ofereceu uma oportunidade para refletir sobre o passado complicado do país em meio a uma onda de violência política e aumento e crimes associados à extrema direita.

"O caminho para a reconstrução foi longo, foi complicado e continua sendo controverso. Não é de se admirar que tenhamos enfrentado e ainda enfrentamos dificuldades. Porque esse lugar nos desafia. Ele nos confronta com sua história, ou melhor, com a nossa história", disse. "Aqui nos deparamos com episódios dolorosos e desastrosos do nosso passado - sim, episódios em que nós, alemães, escolhemos o caminho errado", disse Steinmeier na cerimônia.

Ao mencionar o "Dia de Postdam", Steinmeier disse que o local "tornou-se um símbolo de uma aliança entre a tradição conservadora e o nacional-socialismo; uma aliança que acabou selando o fim da primeira democracia alemã", em referência à antiga República de Weimar, a breve experiência democràtica alemã que precedeu a tomada do poder pelos nazistas.

No chamado "Dia de Potsdam", em 21 de março de 1933, Hitler, que havia sido recém-nomeado chanceler da Alemanha, apertou publicamente a mão do então presidente e ex-marechal Paul von Hindenburg no interior da igreja. Do lado de fora, homens da polícia prussiana e soldados do Exército alemão marcharam ao lado de membros de grupos paramilitares nazistas, numa demonstração da fusão em marcha entre partido e Estado. Para os nazistas, que ainda buscavam consolidar seu poder, a cerimônia foi um golpe publicitário para tentar posicionar Hitler como um herdeiro legítimo dos antigos reis baseados em Potsdam, cidade que por séculos foi uma espécie de "Versalhes prussiana".

Mas, apesar desse passado, Steinmeier também avaliou que a reconstrução, assim como os debates que precederam a obra, oferecem uma nova oportunidade para a cultura de lembrança da Alemanha. "Um lugar que não existe mais não tornaria a lembrança crítica mais fácil (...) A nova Igreja da Guarnição não é um lugar para a adoração do militarismo, do nacionalismo e do autoritarismo. Pelo contrário: a nova igreja nos lembra do desastre que a histeria nacionalista, a loucura racista e a política de conquista trouxeram à Alemanha e à Europa".

"A nova Igreja da Guarnição pode ser um lugar onde podemos desenvolver uma consciência dos contextos históricos e das interpretações da história e examinarmos criticamente a história da Prússia e da Alemanha. E mais: também podemos pensar sobre como lidamos com a história a partir daqui."

Protestos e debate

Mas nem todos foram convencidos pelas palavras de Steinmeier. "Acho que uma atração turística relacionada a essa história problemática não é de bom tom", disse Sarah Krieg, membro do movimento "Potsdam sem Igreja da Guarnição". À emissora rbb, ela afirmou ainda que a igreja representa "o militarismo, o nacionalismo, a aliança profana entre igreja, Estado e exército e uma Potsdam reacionária na qual eu não quero viver".

Algumas dezenas de manifestantes chegaram a protestar em frente da nova torre de 57 metros enquanto ocorria a cerimônia com o presidente Steinmeier.

O prefeito de Potsdam, Mike Schubert (SPD), por outro lado, saudou a reconstrução. "Não é um lugar que possa ser visto sem críticas, mas também é um lugar que pertence à nossa cidade e com o qual devemos nos envolver", disse.

O debate ainda deve perdurar, já que a reconstrução inaugurada nesta quinta-feira envolveu apenas a torre – e apenas parcialmente. Os promotores da reconstrução ainda esperam instalar uma nova cúpula no topo da torre, que, com seus metros extras, vai finalmente devolver à igreja da Guarnição o título de marco mais alto de Potsdam, um recorde que se manteve por mais de 200 anos.

Já os planos para a reconstrução da nave (a parte central) da antiga igreja são mais nebulosos, tanto pelos custos quanto pela vontade política.

Coexistência

A reconstrução da nave teria que envolver a demolição de um antigo centro de dados do regime da Alemanha Oriental, que foi construído no local nos anos 1970. Esta construção tem pouco valor arquitetônico, mas a presença de um notável mosaico em estilo realismo socialista instalado nas paredes do térreo, chamado O Homem Conquista o Cosmos, acabou salvando o antigo centro da demolição até o momento. Hoje, o antigo centro é um espaço usado por artistas locais.

No seu discurso, Steinmeier defendeu que o antigo centro de dados e a torre reconstruída da igreja convivam lado a lado.

"Na paisagem urbana, o conjunto da torre reconstruída e o centro de dados adjacente da época da Alemanha Oriental mostra as ambivalências que devem ser permitidas. Assim como a reconstrução da torre foi e continua sendo legítima e acrescenta algo de bom à cidade, acredito que o centro de dados também deva ser preservado. Os dois edifícios precisam encontrar uma maneira de coexistir. Essa coexistência será tensa, mas pode unir novamente a cidade no confronto com seus diferentes passados. Espero que essa área encontre um futuro de diálogo, com uma mente aberta para toda a nossa história."

Autor: Jean-Philip Struck

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