O presidente do Parlamento do Canadá, Anthony Rota, renunciou ao cargo nesta terça-feira (26), poucos dias depois de ter exortado os deputados a homenagearem um veterano da Segunda Guerra Mundial e ex-membro da divisão nazista Waffen-SS, que esteve envolvida na perpetração do Holocausto.
"É com o coração pesado que me levanto para informar aos membros [do Parlamento] minha renúncia como presidente da Câmara dos Comuns", disse Rota, expressando "profundo arrependimento" pelo erro que cometeu.
"Assumo total responsabilidade pelas minhas ações", prosseguiu, ao confirmar que sua renúncia entrará em vigor a partir desta quarta-feira.
O presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, visitou Ottawa na sexta-feira e, para marcar a ocasião, participou de uma sessão especial no Parlamento canadense ao lado do premiê canadense, Justin Trudeau.
Durante a sessão, Rota anunciou aos presentes que um "herói ucraniano" estava na plateia e apontou para Yaroslav Hunka, 98 anos, que foi aplaudido de pé. Mais tarde veio à tona que ele tinha sido membro da divisão nazista Waffen-SS.
Na ocasião, Rota o descreveu como um "veterano de guerra ucraniano-canadense da Segunda Guerra Mundial que lutou pela independência da Ucrânia contra os russos".
Dias depois, o político canadense pediu desculpas por ter planejado a homenagem ao veterano que, na verdade, combateu pela divisão nazista que esteve envolvida na perpetração do Holocausto.
Ao renunciar nesta terça-feira, Rota admitiu que a homenagem no Parlamento "infligiu dor em indivíduos e comunidades, incluindo a comunidade judaica no Canadá e em todo o mundo, além dos sobreviventes do nazismo na Polônia, entre outras nações".
Críticas generalizadas
Desde o incidente na sexta-feira, Rota vinha sendo pressionado a renunciar. Nesta terça, a ministra canadense do Exterior, Melanie Joly, se pronunciou contra a permanência dele no cargo.
"O que ocorreu na sexta-feira é completamente inaceitável", afirmou a repórteres. "É um constrangimento para a Câmara e para os canadenses; penso que o presidente deveria ouvir os membros da Câmara e renunciar", disse Joly. Vários partidos políticos do país também pediram a sua renúncia.
Após a homenagem na sexta-feira, o Centro de Estudos do Holocausto Amigos de Simon Wiesenthal (FSWC), com sede do Canadá, também criticou Rota: "O FSWC está chocado com o fato de o Parlamento canadense ter aplaudido de pé um veterano ucraniano que serviu numa unidade militar nazista durante a Segunda Guerra Mundial, envolvida no assassinato em massa de judeus e outros."
Durante a Segunda Guerra, quando a Ucrânia era parte da União Soviética, alguns nacionalistas ucranianos se juntaram a unidades nazistas. A Waffen-SS esteve envolvida em mortes em massa e fornecimento de guardas para campos de concentração nazistas.
Suas divisões participaram de campanhas na Áustria, Tchecoslováquia, Polônia, Ucrânia e em países nórdicos, balcânicos e bálticos. Em 1945, a Waffen-SS contava 900 mil homens, muitos deles recrutados entre cidadãos fiéis ao regime nazista em outros países europeus.
A emissora canadense CBC disse ter tentado entrar em contato com Yaroslav Hunka para que ele comentasse o episódio, mas não teve sucesso. O gabinete de Trudeau também divulgou em nota que o pedido de desculpas de Rota havia sido "a coisa certa a fazer", e que o primeiro-ministro e a delegação ucraniana não haviam recebido nenhum aviso prévio sobre o convite ou a homenagem a Hunka.
Trudeau também disse a repórteres que o incidente "é algo profundamente vergonhoso para o Parlamento do Canadá e, por extensão, para todos os canadenses".
Kremlin tenta tirar proveito do caso
A Rússia invadiu a Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022, e Moscou se refere à liderança de Kiev como neonazista, uma acusação que a comunidade internacional tem ridicularizado.
Moscou aproveitou o episódio no Parlamento no Canadá para a narrativa promovida pelo presidente russo, Vladimir Putin, de que ele invadiu a Ucrânia para "desmilitarizar e desnazificar" o país, uma democracia cujo presidente é judeu e perdeu familiares no Holocausto.
O governo russo divulgou nesta segunda-feira uma nota tachando a homenagem do Parlamento canadense a Hunka de "ultrajante".
Segundo Dmitry Peskov, porta-voz do Kremlin, o episódio mostrava "desleixo" em relação à memória da Segunda Guerra. Além disso, no momento Moscou estaria lutando contra o fascismo que "tenta encontrar seu lugar no centro da Europa, na Ucrânia".
rc (Reuters, DPA, ots)