Projeto Pé-de-Meia pode reduzir evasão, mas não muda escola

Brasil criou poupança para alunos de baixa renda do ensino médio, com o objetivo de incentivar permanência escolar. Mas, se isso não for articulado a outros programas, tenho dúvidas sobre sua eficácia.

Por Deutsche Welle

No final do ano, o Congresso aprovou e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a lei que cria o programa Pé-de-Meia do ensino médio, que conta com R$ 6,1 bilhões em seu orçamento de 2024. O público-alvo são jovens do ensino médio, de baixa renda e inscritos no Cadastro Único. A expectativa é que a política impacte mais de 2,5 milhões jovens.

Qual é o objetivo da criação deste ambicioso programa? É nobre: combater o abandono e a evasão escolar no ensino médio.

Segundo o ministro da Educação, Camilo Santana, menos da metade dos jovens pobres completam o ensino médio. Além disso, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) – Educação de 2019, mais da metade das pessoas de 25 anos ou mais não completaram o ensino médio no Brasil. Entre os jovens de 18 a 24 anos, quase 75% estavam atrasados ou abandonaram os estudos, sendo que 11% estavam atrasados e 63,5% não frequentavam escola e não tinham concluído o ensino obrigatório.

Portanto, estamos diante, sim, de um grande problema que assola a nossa educação e qualquer política que vise o combater deve ser muito bem-vinda. No entanto, tenho algumas preocupações. Antes de compartilhá-las, cabem algumas informações.

Primeiramente, não se trata de uma distribuição descontrolada de dinheiro. Pelas informações disponíveis, o jovem terá mês a mês um valor depositado em uma poupança (ainda não há certeza sobre o valor, mas fala-se em R$ 200 por mês), e o total poderá ser sacado apenas após o fim do ensino médio, condicionado a uma série de requisitos: cumprimento, por parte do aluno, da frequência de no mínimo 80% das horas letivas; aprovação ao fim de cada ano; matrícula na série seguinte, quando for estudante do primeiro ou do segundo ano do ensino médio; e participação das provas do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), para aqueles matriculados na última série do ensino médio.

Achei importante trazer essas informações, pois li alguns comentários nas redes sociais de pessoas "preocupadas" com como o dinheiro será distribuído. Essa questão específica não me preocupa, mas sim outras duas.

Eficácia da medida

A primeira é: a política terá, de fato, efeito? Comecei a pensar nisso. Embora não tenha acesso a todos os dados que seus formuladores tiveram, sou de um bairro da periferia e trabalho com jovens da rede pública de todo o país. Tenho alguma vivência com eles.

Uma vizinha recentemente contou sobre um menino de 10 anos que abandonou o colégio. Quando ela perguntou se ele iria voltar, foi xingada e ainda precisou ouvir que ele ganha muito dinheiro na biqueira do bairro, ou seja: estava envolvido com drogas.

De forma simplista, quais os perfis de jovens que abandonam o ensino médio? Penso em quatro: aqueles que simplesmente não veem sentido algum no colégio, aqueles que se envolvem em atividades ilícitas e preferem abandonar o colégio, as jovens que se tornam mães e precisam abandonar a escola e aqueles que simplesmente precisam trabalhar e não conseguem conciliar com o colégio de forma alguma.

Quais desses perfis serão, de fato, motivados/influenciados pela bolsa?

Sinto que o perfil que mais faz sentido para o programa seja o último. No entanto, pelo que entendi, ele só terá acesso ao dinheiro após ter concluído o ensino médio. Se for isso mesmo, como poderá abrir mão de dinheiro hoje em troca de um dinheiro futuro? Ainda que estejamos no cenário que o dinheiro possa ser acessado mês a mês, é maior do que o que irá ganhar trabalhando? Caso não, temo que o apreço pelo colégio, dado o contato com o trabalho e o dinheiro rápido, não seja grande o bastante para o fazer retornar.

Escola seguirá a mesma

Isso leva a discussão, naturalmente, para minha segunda preocupação: a escola continuará a mesma. A mesma que faz meu sobrinho e milhares de outros irem sem prazer algum e a mesma que faz com que jovens de 10 anos prefiram estar na rua se colocando em risco do que lá.

Importante frisar: não sou contra este programa, acredito sinceramente nas boas intenções de quem o criou e de maneira alguma faço parte do time que quer o seu fracasso. Juro.

Mas acredito que seu pleno sucesso, necessariamente, está condicionado a outras políticas. Como assim? Faço uma analogia com a política da progressão continuada. Para quem não sabe, é uma política que prevê que o estudante não reprovará de ano ao longo dos ciclos/fases. Por exemplo: poderá reprovar o 9° ano e não chegar no ensino médio, mas dificilmente do 7° para o 8° – ainda que não tenha tido o aprendizado necessário para isso.

Qual é o problema? Isso não foi alinhado com políticas pedagógicas e estruturais que permitam e incentivem um real aprendizado. Assim, ainda que não intencionalmente, criou problemas e deixou jovens chegarem a um determinado ano do colégio sem ter tido base alguma nos anteriores, prejudicando muitas vezes o trabalho dos professores e o andamento das disciplinas.

Temo, infelizmente, o mesmo efeito com o programa da poupança para jovens do ensino médio, o Pé-de-Meia. Em um cenário que ele seja bem sucedido e diminua a evasão em incríveis taxas: poderiam estar nas salas de aula alguns jovens que simplesmente não queriam muito estar lá e isso pode, naturalmente, dificultar o trabalho dos professores também.

Já visitei salas de aula o bastante para saber o quanto é difícil lidar com alunos que notamos claramente no olhar que não queriam estar lá. Já foi desafiador para mim em visitas únicas e pontuais, agora imaginem para um professor que trabalhará com eles o ano todo.

Qual é o meu ponto? O programa é inovador, revolucionário e tem potencial, mas não pode ser pensado sozinho. Não podemos focar apenas em taxas e índices. É necessário não apenas pensar sobre, mas também criar políticas que tornem o colégio um lugar acolhedor, interessante e coeso com a realidade de grupos que, por tantos anos, simplesmente não estavam dentro das escolas.

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Vozes da Educação é uma coluna semanal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do programa no Instagram em @salvaguarda1.

Este texto foi escrito por Vinícius De Andrade e reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.

Autor: Vinícius De Andrade

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