A Alemanha viu suas ruas, praças e cruzamentos serem tomados nesta segunda-feira (08/01) por comboios de tratores enormes, no que marcou o início de uma semana inteira de protestos dos produtores rurais no país. A ação – que parou o trânsito em diversas cidades, provocou o cancelamento de aulas em algumas escolas e impactou até mesmo a produção de uma fábrica da Volkswagen em Emden – é uma resposta a cortes em subsídios ao diesel agrícola, medida anunciada pelo governo do chanceler federal, o social-democrata Olaf Scholz.
As imagens das manifestações tomaram as redes sociais. "Esses protestos são uma disputa pelas imagens", avalia o consultor de comunicação Johannes Hillje. "Para comunicadores na extrema direita, as imagens são uma porta de entrada estratégica."
"Ensaio para o Maidan alemão"
No Facebook, TikTok e no X (ex-Twitter), ativistas de extrema direita cerraram fileiras em torno dos protestos, agindo para acirrar os ânimos. Em Dresden, segundo noticiado pelo jornal Dresdner Neuen Nachrichten, grupos radicais marcaram presença em uma manifestação, bradando contra imigrantes.
Em Berlim, houve casos esporádicos de exibição de bandeiras associadas à extrema direita. Em Cottbus, informou o jornal Berliner Zeitung, apoiadores do partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD) se juntaram a uma carreata de tratores pelo centro da cidade. Em Munique, a emissora pública de rádio e TV Bayerischer Rundfunk noticiou a presença de representantes do partido neonazista Der Dritte Weg, bem como do Movimento Identitário – grupo que propaga ideologias racistas em nome da "luta contra o Islã e a imigração".
Líder do Movimento Identitário até 2023, Martin Sellner se refere aos protestos dos produtores rurais como "ensaio para um Maidan alemão" – uma alusão aos protestos na Praça da Independência (Euromaidan) de Kiev, Ucrânia, no fim de 2013 que resultaram no fim do governo pró-Rússia de Viktor Yanukovytch.
Em vídeo publicado no X, Sellner deixa claro que a aproximação da extrema-direita com os protestos dos fazendeiros tem estratégia, e aconselha seus apoiadores sobre como fazê-lo sem desencadear uma rejeição ou "reação imunitária". "Quando a gente for se envolver, que seja como ativistas patriotas – não correndo para a frente do protesto, nem liderando as reivindicações com ideias e palavras de ordem próprias, mas sendo solícitos e, principalmente, levando às ruas nosso potencial de mobilização."
Especialmente a AfD tem disparado críticas em todos os canais contra o governo de coalizão formado por social-democratas (SPD), verdes e liberais(FDP). O partido de ultradireita, hoje amplamente representado na política alemã, se solidariza com os fazendeiros contrários aos cortes nos subsídios do diesel.
Líder da bancada da AfD na Turíngia, Björn Höcke conclamou seus seguidores nas redes sociais a se juntarem aos protestos. No passado ele participou de uma manifestação neonazista e teve a alcunha de fascista chancelada por uma decisão de tribunal, e cujo partido defende, em seu programa, o fim das subvenções a produtores rurais.
AfD mira em protesto permanente
Há anos a AfD tenta capitalizar em cima de qualquer tipo de protesto contra o governo federal – as demonstrações contrárias à política de controle da pandemia são um exemplo recente. A estratégia parece estar dando certo: a AfD nunca esteve tão bem nas pesquisas e espera se tornar o maior partido em vários parlamentos estaduais já em 2024. Esse cenário tem motivado críticos a alertar para o risco de que a Alemanha possa, pela primeira vez desde 1945 e o fim da ditadura nazista sob Adolf Hitler, voltar a ser comandada por um radical de direita.
Observadores afirmam que os protestos dos fazendeiros, embora democráticos e legítimos, podem servir a uma agenda antidemocrática da AfD. Mesmo que a parcela de manifestantes de extrema direita seja minoritária, o temor é de que a ideologia deles prevaleça sobre o movimento.
Um dos que advertem contra esse risco é Matthias Quent, pesquisador do extremismo. "Minha impressão é que a Associação de Produtores Rurais já perdeu a luta pelo domínio da narrativa nas redes sociais há muito tempo. Nelas, você lê: não é sobre o diesel, é sobre o 'grande todo'. Querem paralisar a Alemanha. É meio que o 'Dia X', o começo de uma revolta nacional", analisou Quent em entrevista à rádio Deutschlandfunk.
Tradição rural com um pé no antissemitismo
Quent defende que os produtores rurais precisam se distanciar dos radicais de direita dentro da própria categoria. "Os fazendeiros que estão protestando não têm só que se distanciar verbalmente; eles precisam agir para que suas manifestações não sejam instrumentalizadas e exploradas visualmente."
Distanciamento, porém, não é o que se viu no passado. Há alguns anos, fazendeiros vêm exibindo em seus atos o símbolo do movimento Landvolk (povo do campo): um arado branco com uma espada vermelha contra um fundo preto.
Fundado nos anos 1920, o movimento tem uma história profundamente antissemita, racista e antidemocrática. Embora as aparições do símbolo em protestos sejam raras, outros produtores rurais não buscaram se distanciar dele.
Autor: Hans Pfeifer