A saída da Venezuela do opositor Edmundo González Urrutia, que concorreu na recente eleição presidencial contra Nicolás Maduro, deixa em situação ainda mais incerta tanto os milhões de venezuelanos que se mobilizaram para votar nele em 28 de julho. O risco que o septuagenário ex-diplomata e sua família corriam em Caracas foi o motivo alegado para ele deixar o país e se estabelecer em Madri.
A oposição insiste que González foi o vencedor, uma afirmação apoiada por relatórios eleitorais que ela afirma ter coletado de testemunhas e membros das seções eleitorais no dia da votação e que – segundo a oposição – dão a vitória ao candidato oposicionista por uma ampla margem.
Devido à publicação desses relatórios e à alegação de fraude, González foi acusado de "suposto cometimento" de "usurpação de funções" e "falsificação de documentos públicos", entre outros crimes, pelos quais foi intimado três vezes pela promotoria do regime chavista. Não tendo se apresentado, um tribunal chavista emitiu um mandado de prisão para o líder da oposição, que deixou o no final de semana.
"Maduro está, portanto, ganhando pontos em sua busca para permanecer no poder, porque a saída dele enfraquece as forças de oposição", avalia à DW Günther Maihold, especialista em América Latina do Instituto Alemão de Assuntos Internacionais e de Segurança (SWP, na sigla em alemão), em Berlim. "María Corina Machado ainda está no país, mas em condições difíceis, pois não pode se movimentar livremente. Machado é a mais estratégica, mas González Urrutia é quem tinha toda a legitimidade, pelo menos moralmente, porque ter ganhado as eleições", continua Maihold.
Luta na Venezuela e no exterior
A mensagem de María Corina Machado anunciando a saída de González Urrutia ameniza a futura ausência do ex-diplomata no país, quando ela diz que haverá uma distribuição de funções. "Edmundo lutará no exterior ao lado de nossa diáspora, e eu continuarei a fazê-lo aqui, ao lado de vocês", escreveu Machado no X (ex-Twitter).
Os contatos de González Urrutia e seu passado diplomático favorecem essa distribuição de tarefas, já que ele pode promover a causa venezuelana no exterior e ser recebido por governos que o apoiam, mas isso não diminui a orfandade do movimento de oposição dentro da Venezuela.
"O grande erro da experiência de Juan Guaidó foi acreditar que poderia ser vencida de fora e não reconhecer que o que realmente importa é o equilíbrio de poder no país", diz Maihold, se referindo ao político oposicionista venezuelano que chegou a se autoproclamar presidente em 2019, tendo sido reconhecido posteriormente por diversas nações e cujo "governo" foi dissolvido pela própria oposição em 2022. Maduro, porém, continuou comandado a Venezuela, apesar de seu governo não ter sido reconhecido pela maioria da comunidade internacional.
Sem motivos para otimismo
A partida de González Urrutia para Madri foi cercada de declarações e negações dos governos da Venezuela e da Espanha. Caracas quer mostrar que continua a negociar em pé de igualdade na política internacional, enquanto o governo de Sánchez não quer admitir, em termos de política interna, que possa ter havido alguma negociação com Maduro.
"Maduro está interessado em se apresentar como um governo que negocia internacionalmente com outros governos", diz Sabine Kurtenbach, do Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais (Giga, na sigla em inglês).
Em meio ao vaivém, com o nome do ex-primeiro-ministro espanhol Rodríguez Zapatero mencionado como o mediador que teria facilitado a saída de González, o jornal espanhol El País noticiou que, de acordo com fontes negociadoras, Maduro estaria cada vez mais sozinho em seu núcleo de poder, agarrando-se à presidência.
Günther Maihold admite sua surpresa com essa declaração e a vê com ceticismo. "A saída de González reafirma a estratégia de repressão", enfatiza. Para o especialista alemão, o autoexílio do líder da oposição é mais uma indicação de que Maduro e seu círculo íntimo continuarão a se entrincheirar.
Fatores internos favoráveis a Maduro
Um dos fatores internos que permitem esse entrincheiramento é justamente a coerência interna dentro do círculo de poder de Maduro. "Há pouca divisão entre Maduro e a elite militar, econômica, social e política", afirma Kurtenbach. Para a especialista, a repressão empregada não apenas contra o povo, mas também contra as elites, também é fundamental para o entrincheiramento.
"Metade dos presos políticos são militares, houve uma repressão cruel contra aqueles que pensavam de forma diferente", sublinha. A isso se soma à questão econômica. "A elite está unida pela corrupção, pelo controle dos recursos, não apenas do petróleo, mas também do ouro do Arco Mineiro", diz Kurtenbach, se referindo a uma área de exploração de recursos minerais conhecida como foco de mineração ilegal e clandestina e de altos índices de corrupção.
"Os elementos internos são os mais decisivos", avalia Víctor Mijares, professor de ciência política da Universidad de Los Andes. "Não se trata apenas de repressão militar, mas também da cooptação das forças de segurança, incluindo os serviços de inteligência e os grupos paramilitares, como os 'coletivos', que atuam como forças de choque."
Fatores externos
Fora da Venezuela, há outros fatores que contribuem para a perpetuação de Maduro no poder. "A falta de pressão efetiva dos países latino-americanos e o papel hesitante dos Estados Unidos, que preferem não se envolver diretamente na região, deixaram Maduro sem grandes ameaças", acrescenta Mijares.
Por outro lado, o calendário eleitoral dos EUA não é propício para qualquer movimento no curto prazo em favor da democracia na Venezuela. Além disso, empresas como a Chevron, com interesses no petróleo venezuelano, "parecem preferir a estabilidade do regime atual, para garantir sua posição no longo prazo", continua Mijares.
"Potências como a Rússia, o Irã e a China desempenharam um papel significativo no apoio ao regime de Maduro. A Rússia forneceu armas e tecnologia militar, enquanto grupos como o Wagner estiveram envolvidos em setores-chave, como a mineração ilegal. O Irã também ofereceu assistência, principalmente no setor de petróleo e em questões militares. A China, embora menos envolvida militarmente, forneceu apoio financeiro crucial no passado, permitindo que o regime se mantivesse à tona apesar da crise econômica. Essas alianças têm sido fundamentais para que Maduro permaneça no poder", resume Mijares.
Enquanto isso, a tentativa de negociação liderada pelo Brasil e pela Colômbia parece estar em um impasse. Na própria região, o governo de Maduro está cada vez mais isolado. Não faz muito tempo, Maduro estava comemorando vários acordos da Venezuela com o Brics, bloco do qual o país continua sendo um aspirante a membro.
"Essa é mais uma indicação de que Maduro está tentando evitar dar a impressão de que a Venezuela esteja abandonada pelo mundo e que seu novo governo terá alguns elementos de reconhecimento internacional", conclui Maihold.
Autor: María Santacecilia