Qual o maior desafio do Equador após o fim dos motins?

Operações policiais não serão suficientes para acabar com violência e crime organizado de forma sustentável, dizem analistas. Só mudanças estruturais podem resolver superlotação carcerária e colapso do sistema judicial.

Por Deutsche Welle

Fim dos motins nas prisões, libertação de funcionários das penitenciárias mantidos como reféns pelos presos, mais de 1.500 detidos: esse é o balanço provisório apresentado na segunda-feira (15/01) da extensa operação implantada no Equador contra a violência do crime organizado, que na semana passada atingiu o clímax e levou o governo de Daniel Noboa a declarar um "conflito armado interno".

Ramiro García Falconi, diretor do Instituto de Criminologia da Universidade Central do Equador, prefere falar de um "estado de convulsão interna, devido aos níveis de violência e criminalidade".

"O que temos são grupos do crime organizado, e também vemos várias megaoperações, com encarceramentos em massa. Mas de forma alguma os eventos correspondem ao que é definido como conflito armado interno [de acordo com o direito internacional humanitário]", analisa.

De qualquer forma, as operações em que a polícia e as Forças Armadas intervieram conjuntamente possibilitaram a retomada do controle de algumas áreas que estavam nas mãos do crime organizado nas prisões. Para Falconi, porém, "o importante é que haja planos de médio e longo prazo que permitam manter esse controle e que haja uma redução progressiva e permanente dos níveis de violência no país".

Crime organizado e corrupção

De acordo com García Falconi, é necessário um plano sistemático para conter a criminalidade. "O controle das prisões durará enquanto a polícia e as Forças Armadas estiverem dentro delas. No momento em que saírem, se não houver um plano, a médio e longo prazos, teremos simplesmente um novo capítulo de entrega das prisões aos grupos do crime organizado", prevê.

As deficiências do sistema carcerário do país são bem conhecidas. Renato Rivera, coordenador do Observatório Equatoriano do Crime Organizado (OECO), destaca os problemas de superlotação e a falta de políticas de controle e de agentes penitenciários.

Em entrevista à DW, ele aponta para um problema subjacente: "as organizações criminosas no Equador que operam a partir das prisões têm um alto componente de corrupção que ainda não foi totalmente revelado. Vários diretores de prisões foram acusados de corrupção ou de receber dinheiro como parte do tráfico de drogas ou de atividades de extorsão dentro das prisões".

Como exemplo, o chefe de uma das 22 organizações que o governo classifica como terroristas era um ex-agente penitenciário. "Isso mostra a extensão da relação entre a corrupção e o crime organizado dentro das prisões, que ainda não disseram como vão enfrentar", ressalta Rivera.

Uma solução "paliativa"

Por esse motivo, ele considera "uma medida paliativa" a construção de dois novos presídios, com seções de alta segurança, anunciada pelo presidente Noboa.

Embora os especialistas concordem que a infraestrutura é um fator importante nessa equação, García Falconi também tem outra objeção: "Vejo que o investimento projetado é direcionado para armas, prisões e repressão, quando está claro que somente as políticas sociais nos permitirão reduzir os níveis de violência, especialmente nos setores menos favorecidos", diz.

"Acredito que os instrumentos de guerra são inadequados para atingir os fins que estão sendo buscados. Estamos falando de grupos do crime organizado, formados principalmente por adolescentes. Além disso, 100% deles são provenientes dos setores mais marginalizados, que foram vítimas da falta de investimento social e de políticas sociais nas últimas décadas", ressalta.

Justiça em colapso

As prisões em massa dos últimos dias também têm um aspecto que preocupa os especialistas. "Os problemas de superlotação se tornarão cada vez mais graves, e o que teremos é uma exacerbação da violência interna nas prisões", alerta o professor da Universidade Central.

Renato Rivera, coordenador do OECO, ressalta que os estudos realizados por essa entidade revelam que "casos de criminalidade complexa, como a que estamos vivendo atualmente, seja terrorismo ou crime organizado, terminam com um abuso da prisão preventiva, porque o sistema não consegue responder às investigações que precisa realizar".

Por esse motivo, ele prevê que, na prática, as pessoas detidas nessas operações serão mantidas em prisão preventiva, o que fará com que "o sistema judiciário, que já está colapsado, entre em colapso ainda maior". Na opinião de Renato Rivera, no Equador, "o sistema de Justiça não pode responder ao número de detenções que estão sendo feitas no país diariamente".

Autor: Emilia Rojas Sasse

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