Que impacto o conflito Israel-Hamas pode ter na inflação

Crise do petróleo de 1973 abalou economia global. Analistas avaliam que hoje situação não seria tão extrema, mas sobretudo o envolvimento do Irã certamente afetaria os preços

Por Deutsche Welle

Que impacto o conflito Israel-Hamas pode ter na inflação
Gaza
Divulgação/UNRWA/WHO

Há 50 anos, durante a Guerra do Yom Kippur, os confrontos entre árabes e israelenses estiveram por trás de um choque no mercado da commodity que abalou a economia global por anos. Desta vez, depois do ataque terrorista do Hamas a Israel, a expectativa entre analistas é de que não haja um cenário tão extremo, e uma das diferenças é justamente o avanço de novos exportadores no mercado, incluindo o Brasil.

Ainda assim, analistas avaliam que a continuidade ou mesmo a escalada do conflito podem ter efeitos no bolso dos consumidores.

Os maiores temores são de que a guerra evolua e envolva novos atores da região, especialmente o Irã. Até o momento, os conflitos envolvem sobretudo os militares de Israel e o grupo terrorista palestino Hamas, que controla a Faixa de Gaza.

Tanto Israel como a Faixa de Gaza têm menor relevância para o mercado global de petróleo, o que não é o caso do Irã.

Autoridades iranianas deram uma série de declarações contra as ações israelenses na guerra, e grupos apoiados e financiados pelo regime em Teerã, como o libanês Hisbolá e os houthis, no Iêmen, se movimentaram nos últimos dias.

Líderes de Estados Unidos, União Europeia e Reino Unido alertaram nos últimos dias sobre uma eventual escalada do conflito. Os EUA aumentaram sua presença militar no Oriente Médio.

Em caso da entrada do Irã no confronto, além de uma eventual redução das exportações de petróleo do país, teme-se pelos efeitos no transporte da commodity pelo Estreito de Ormuz, por onde passa cerca de 30% do produto consumido no mundo.

"Guerra longa" em Gaza

"O conflito atual não envolve diretamente países-chave na produção ou consumo de petróleo cru", resume o analista Raphael Faucz, da Rystad Energy. "Até agora, o principal impacto nos preços decorre do prêmio de risco associado a um possível agravamento do conflito e potenciais impactos em países mais relevantes, como o Irã", afirma.

Mas mesmo um cenário de continuidade no conflito, sem uma escalada, pode ter impacto no preço do petróleo, e, por consequência, nos preços dos combustíveis e na inflação em todo o mundo. Nos últimos dias, uma série de autoridades israelenses alertou para uma "guerra longa" em Gaza, que pode se estender pelos próximos meses.

"Diante disso, prevemos um mercado de petróleo mais restrito do que inicialmente antecipado, sustentando preços em torno de 90 dólares o barril nos próximos trimestres", afirma Faucz.

O presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP), Roberto Ardenghy, também avalia que, caso o conflito se estabilize, o barril de petróleo fique entre 80 e 90 dólares até o final do ano. Nesse cenário, de alta na cotação ante alguns meses atrás, Ardenghy avalia que gasolina e diesel podem ser afetados no Brasil, especialmente por o país depender de importações dos dois derivados.

Impacto em inflação e juros

O professor de macroeconomia Ricardo Hammoud, do Ibmec-SP, diz que a possível elevação do preço do petróleo no mercado internacional pode elevar a inflação no Brasil. A commodity é um dos produtos de maior impacto inflacionário, já que a cadeia produtiva tem o combustível como matéria-prima para o transporte, e, em alguns casos, também para a produção.

Com um eventual "salto" nas cotações, "a desaceleração da inflação nos últimos meses pode parar. É algo que já vimos acontecer outras vezes", afirma Hammoud.

O professor lembra que o Banco Central está num processo de redução de juros e acredita que, caso a alta nos preços do petróleo seja mais forte, a autoridade monetária poderá até ter que interromper esse processo.

Além disso, Hammoud avalia que, em casos de maiores cotações da commodity, a chamada política de preços de paridade internacional, adotada no Brasil, poderá sofrer uma mudança.

É algo que pode ocorrer se o governo perceber que o preço do petróleo no mercado internacional aumentou muito, avalia.

Em sua visão, a Petrobras poderá segurar os preços da gasolina no Brasil, sem repasse do aumento aos consumidores, não mantendo, assim, a paridade. "Os diretores da empresa poderiam alegar que a elevação é temporária, criando um problema para a Petrobras", conclui.

Cenário diferente do de 1973

No âmbito da Guerra do Yom Kippur, os países árabes, que dominavam a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), optaram por um boicote das exportações da commodity como forma de pressionar os aliados de Israel.

Naquela época, em três meses, o barril de petróleo saltou de 2,90 para 11,95 dólares. Os impactos para a economia global foram fortíssimos e estiveram por trás da chamada "estagflação", um período de alta inflação com estagnação, que dominou boa parte do mundo nos anos seguintes.

Desde então houve uma queda da participação da Opep na produção global de petróleo e um avanço da participação de países não pertencentes ao grupo, como Estados Unidos e Brasil.

"Embora a Opep tenha fortalecido sua relevância recentemente, sobretudo com a Opep+, que inclui a Rússia, a atual dependência das exportações desse grupo é inferior à dos anos 70”, aponta Faucz.

Em 2016, o grupo, composto por 13 países, se expandiu com mais nove nações, com destaque para a Rússia, no que é conhecido como Opep+. A organização realiza reuniões periódicas para determinar a produção de petróleo de seus integrantes, podendo cortá-la ou aumentá-la de acordo com seus interesses.

Ardenghy lembra que o cenário nacional também se alterou de forma intensa desde o choque de 1973. Naquela época, o Brasil importava cerca de 90% de seu consumo de petróleo e tinha uma "dependência brutal" do exterior.

Hoje a situação é inversa, tendo até mesmo um superávit, ao exportar mais petróleo do que importa. Nos últimos anos, a commodity é a segunda maior fonte de ingresso de receitas do exterior para o Brasil, ficando atrás apenas da soja.

Além disso, Faucz lembra que, quanto aos fluxos comerciais, atualmente a maior parte das exportações dos membros da Opep, em especial do Oriente Médio, destina-se à Ásia, principalmente China e Índia. Nesse contexto, países como os Estados Unidos, que se tornaram os maiores produtores de petróleo do mundo, são menos suscetíveis a uma ação do grupo.

Oportunidades para o Brasil

Ardenghy se diz otimista em relação ao Brasil, e avalia que o não envolvimento do país em conflitos que ameaçam outros importantes produtores de petróleo, como as nações do Oriente Médio e a Rússia, reforçam a atratividade nacional.

"O Brasil é um dos países que mais deve aumentar suas exportações nos próximos anos e tem todas as condições de ser um player mais relevante. É naturalmente um país que chama a atenção de investimentos, e a estabilidade é parte disso", avalia.

Na visão de Faucz, a oferta brasileira oferece uma opção confiável para contratos de médio e longo prazo, distante da instabilidade dos métodos de exploração americanos, e com o Brasil sendo alheio às contingências geopolíticas e das cotas da Opep.

As técnicas utilizadas pelos Estados Unidos para exploração são alvos de constantes críticas pelos seus potenciais impactos ambientais negativos. A chamada tecnologia de fracking utilizada para explorar gás e petróleo no país já chegou a ser banida em algumas nações, caso do Reino Unido.

A produção de petróleo do Brasil, que bateu recorde em cerca de 4,3 milhões de barris por dia em 2023, deverá ultrapassar a marca dos 5 milhões na próxima década, segundo os analistas consultados.

Autor: Matheus Gouvea de Andrade

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