Quem arca com o prejuízo das enchentes na Alemanha?

Áreas inteiras do sul da Alemanha estão debaixo d’água, e os danos materiais são imensos. Custos bilionários de reconstrução viram cabo de guerra entre seguradoras e Estado, que alega não poder bancar essa conta sozinho.

Por Deutsche Welle

Ruas inundadas, deslizamentos de terra, casas alagadas e evacuadas: as chuvas fortes e intensas que caíram em poucos dias no sul da Alemanha fizeram transbordar rios e romper represas. Por onde a água passa, os danos são visíveis. Imóveis, carros, mobiliário – a água destruiu e enterrou quase tudo sob a lama.

Não é a primeira vez que a Alemanha sofre danos decorrentes de eventos climáticos extremos neste ano. O ano de 2024 registrou chuvas fortes, granizo e tempestades. As regiões mais afetadas agora estão no entorno do rio Reno, no norte do Elba e no sul, aos pés dos Alpes.

Enchentes de 2021 no Vale do Ahr: prejuízo de mais de 30 bilhões de euros

Eventos climáticos extremos se tornaram mais frequentes devido às mudanças climáticas. Remediar os danos que eles provocam é algo que custa muito dinheiro. Um exemplo disso é o Vale do Ahr, atingido em 2021 por cheias devastadoras que provocaram 135 mortes.

Ali, segundo estimativas do governo federal alemão, os danos materiais somam mais de 30 bilhões de euros – ou R$ 172,6 bilhões, quase 9 vezes o valor estimado pelo governo do Rio Grande do Sul para a reconstrução do estado depois da catástrofe climática deste ano.

Apenas uma pequena parte desses danos estava coberta por algum tipo de seguro: 8,5 bilhões de euros, de acordo com a associação de seguradoras GdV, que cita 2021 como o pior ano na história do ramo para a Alemanha, em termos de prejuízos materiais causados por fenômenos naturais.

Alguns seguros são obrigatórios na Alemanha

A Alemanha é um país marcado por uma cultura do seguro contra diversos tipos de risco. Alguns são obrigatórios, como o plano de saúde – cujos custos são financiados principalmente por contribuições sociais de empregados e empregadores – e o seguro que cobre os custos em caso de necessidade de cuidados intensivos por motivos de deficiência, doença grave ou idade avançada, por exemplo.

Outro seguro obrigatório é o de danos a terceiros provocados por automóveis – uma espécie de DPVAT, o Seguro Obrigatório para Proteção de Vítimas de Acidentes de Trânsito, mas que abrange também danos materiais e patrimoniais.

Algumas categorias profissionais também são obrigadas a pagar um seguro por danos que elas possam vir a causar em decorrência do seu trabalho. Donos de cães também precisam de um seguro contra eventuais danos causados pelos seus bichinhos.

Mudanças climáticas estão inviabilizando alguns tipos de seguro

Para outros riscos, fazer um seguro é questão de escolha. É o caso, por exemplo, de danos a um bem imóvel. E mesmo quando o proprietário de uma casa ou apartamento opta por um seguro desse tipo, nem todos os danos estão cobertos.

Via de regra, os seguros cobrem prejuízos decorrentes de tempestades ou granizo, mas não de enchentes, inundações ou deslizamentos. Nestes casos, é necessário um seguro adicional, mas os valores podem ser proibitivamente altos. Em algumas regiões as seguradoras avaliam o risco de eventos do tipo como tão altos que, a depender da localização do imóvel, sequer oferecem esse tipo de seguro.

No caso de enchentes, a GdV afirma que metade dos proprietários de imóveis não têm seguro. Essas pessoas correm o risco de ficarem entregues à própria sorte se perderem tudo em uma cheia. O Estado até oferece alguma ajuda emergencial, mas ela só cobre uma parte do prejuízo, e esses casos não têm prioridade perante a reconstrução da infraestrutura pública: ruas, pontes, canalizações.

Seguro obrigatório contra desastres naturais?

A catástrofe climática de 2021 no Vale do Ahr levou o governo federal alemão a criar um fundo extraordinário para a reconstrução da região, com financiamento de 30 bilhões de euros. O dinheiro é emprestado aos estados afetados, que por sua vez têm que repassar esses valores aos beneficiários finais. Mas os cofres dos estados estão vazios, e cada vez mais os governantes rejeitam a ideia de assumir esses prejuízos.

Governador da Baixa Saxônia, o social-democrata Stefan Weil argumentou em 2022 que catástrofes naturais podem atingir qualquer um, mas não seria justo reagir a elas criando sempre "enormes fundos extraordinários financiados pelo Orçamento público". Em vez disso, Weil defende a criação de um seguro obrigatório para imóveis contra desastres naturais. Assim, argumenta, cria-se um equilíbrio ao evitar uma situação em que alguns se recusam a pagar por um seguro e outros, diante do alto risco de suas situações individuais, são rejeitados pelas seguradoras.

Tema não é unânime entre os políticos

O Partido Liberal Democrático (FDP), que integra a coalizão de governo liderada pelo chanceler federal Olaf Scholz ao lado dos sociais-democratas e dos Verdes, rejeita a ideia de um seguro obrigatório contra desastres naturais.

"Em uma época de grande sobrecarga financeira para os lares, deveríamos passar longe de medidas que encarecem ainda mais a vida na Alemanha", justificou no final de 2022 o ministro da Justiça, o liberal Marco Buschmann.

Segundo Buschmann, quando a União não fixa uma regra, cabe aos estados definir as leis nesses casos. E é exatamente isso que os estados querem fazer. Governador da Baviera, Markus Söder, do oposicionista e conservador CSU, anunciou que a criação de um seguro obrigatório será decidida em uma próxima reunião dos chefes dos governos estaduais. Para Söder, não é possível enfrentar esses danos dependendo sempre de apoio estatal.

Custo de um seguro contra desastres naturais gera preocupação

O setor de seguros não reagiu bem ao anúncio de Söder. O argumento deles é que um seguro obrigatório só pode funcionar se o Estado entrar como uma espécie de fiador – ou seja, que o Estado, em caso de um grande dano que supere a capacidade financeira das seguradoras, assuma esses custos.

O partido oposicionista A Esquerda se preocupa se esses seguros serão, de fato, pagáveis para a maioria das pessoas. Ele demanda um seguro solidário, com valores razoáveis e subvenção estatal, algo que requer a suspensão do teto da dívida orçamentária – uma regra que limita a capacidade de contração de novas dívidas do Estado a 0,35% do PIB.

Scholz anuncia ajuda emergencial para o sul da Alemanha

Scholz prometeu dinheiro do governo federal às regiões da Alemanha atualmente afetadas pelas enchentes.

Esta é a quarta vez neste ano que o chanceler federal visita uma área inundada na Alemanha. Segundo ele, é preciso que as pessoas tenham clareza de que as enchentes não são apenas eventos isolados, e é por isso que a política deve agir. "Não podemos negligenciar a tarefa de deter a mudança climática causada pelo homem."

Autor: Sabine Kinkartz

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