Quem é o novo ministro da Defesa da Ucrânia

Empresário, diretor de privatizações, muçulmano, membro da minoria tártara da Crimeia e de uma família deportada pelos soviéticos, Rustem Umerov foi indicado por Zelenski para chefiar cargo crucial do país em guerra.

Por Deutsche Welle

O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, anunciou na noite de domingo (03/09) que pretende nomear o deputado Rustem Umerov como novo ministro da Defesa do país, substituindo Oleksii Reznikov, que ocupou o cargo nos últimos 22 meses. A decisão marca uma das mudanças mais significativas na cúpula do governo ucraniano desde o início da guerra de agressão da Rússia, em fevereiro do ano passado.

"Acredito que o ministério precisa de novas abordagens e outros formatos de interação tanto com os militares como com a sociedade em geral", disse Zelenski ao anunciar a sua decisão, acrescentando que o substituto é bem conhecido no meio político ucraniano e "não precisa de mais apresentações".

Membro da minoria tártara da Crimeia

Atual chefe da principal agência de privatização da Ucrânia, Umerov, de 41 anos, é um tártaro da Crimeia, um grupo étnico turcomano que vive na península ucraniana do Mar Negro anexada pela Rússia em 2014.

Seguidores do islã, os tártaros historicamente têm uma relação conflituosa com Moscou desde o século 18, quando Crimeia passou a ser colonizada pelos russos. Na era soviética, o grupo foi quase totalmente dizimado pelas políticas de coletivização agrícola, perseguição religiosa e deportações forçadas promovidas pela ditadura comunista.

Umerov, por exemplo, nasceu em Samarcanda, no Uzbequistão, onde sua família passou a viver após ser deportada na década de 1940 durante a ditadura de Josef Stalin. À época, outros povos da Crimeia, como gregos e armênios, também foram deportados, mas os principais alvos da perseguição soviética foram os 240 mil tártaros que viviam na península.

Acusados de colaboração com os invasores nazistas, os membros da minoria foram deportados à força para a Ásia Central. No entanto, a política incluiu até mesmo tártaros que haviam servido no Exército Vermelho. Essa medida de limpeza étnica é chamada de Sürgün (exílio) na língua tártara.

No final dos anos 1980 e início dos 1990, os tártaros, incluindo a família de Umerov, começaram a voltar pouco a pouco para a Crimeia, que passou a integrar uma Ucrânia independente.

Hoje, Umerov é um dos principais representantes tártaros na Ucrânia, tendo atuado como conselheiro de Mustafa Dzhemilev, que por muitos anos foi o principal líder político do grupo étnico. Mais recentemente, ele passou a fazer parte de uma força-tarefa que elabora estratégias para acabar com a ocupação russa da Crimeia. Cerca de 15% da população atual da Crimeia é composta por tártaros, e a maioria deseja que a região volte ao controle ucraniano.

Em 2014, os membros do grupo étnico boicotaram o referendo de fachada promovido pelo Kremlin para tentar legitimar a anexação. Dois anos depois, o Kremlin baniu a atuação da Mejlis, a principal organização política da minoria muçulmana.

"Os propagandistas russos inventaram uma narrativa para tentar dividir a nação ucraniana em linhas étnicas para justificar as suas ações militares no território do nosso país”, disse Umerov, que é muçulmano, ao site de notícias jordaniano AmmanNet no ano passado. "Não sentimos qualquer chauvinismo ou islamofobia [na Ucrânia] em relação à nossa etnia ou religião."

Trajetória profissional e política

Umerov iniciou sua carreira no setor privado. Ele passou a trabalhar para uma das principais operadoras móveis da Ucrânia em 2004. Em 2013 criou sua própria empresa de investimentos, a Astem. Ele é formado em economia e mestre em finanças.

Quando cursava o ensino médio, Umierov participou do programa Future Leaders Exchange, financiado pelo Departamento de Estado dos EUA. Como estudante de intercâmbio, ele morou com uma família anfitriã e frequentou uma escola americana por um ano. Em 2019, foi eleito deputado federal na Ucrânia.

Em setembro de 2022, Umerov, então deputado do partido pró-europeu Holos, tornou-se chefe do Fundo Estatal de Propriedade da Ucrânia, agência responsável por vender ativos do Estado a investidores privados. Ele é creditado por promover mudanças positivas na gestão dessa instituição, que frequentemente aparecia atolada em escândalos de corrupção. Ele também deu continuidade ao programa de privatizações durante a guerra, arrecadando receitas para o governo durante a guerra.

Descrito como um negociador hábil por pessoas próximas, Umerov integrou a equipe ucraniana que negociou em 2022 a Iniciativa dos Grãos do Mar Negro, que contou com intermediação da Turquia. Também participou de negociações para a troca de prisioneiros com a Rússia, incluindo combatentes do Batalhão Azov, que foram capturados durante a batalha de de Mariupol.

Ele também tomou parte na delegação de Zelenski durante uma visita à Arábia Saudita em maio, e acompanhou a primeira-dama Olena Zelenska durante uma viagem aos Emirados Árabes Unidos em março.

Ao contrário do agora ex-ministro Reznikov, Umerov não foi associado a nenhum escândalo significativo.

Saída de Reznikov

Após o anúncio do presidente Zelenski sobre a troca no Ministério da Defesa, o titular do cargo, Oleksii Reznikov, solicitou formalmente a sua demissão nesta segunda-feira. Em uma mensagem divulgada no Facebook, Reznikov disse que "de acordo com a decisão" de Zelenski, ele estava apresentando sua renúncia ao parlamento.

Durante seu período no cargo, Reznikov, um dos rostos mais conhecidos da cúpula governamental ucraniana e foi responsável por negociar grandes quantidades de material bélico transferidas por países ocidentais à Ucrânia.

Na sua carta, Reznikov apontou que entregas de mísseis antiaéreos Stinger costumavam ser negadas quando ele assumiu o cargo, mas agora, após a sua atuação, a Ucrânia está recebendo aviões de combate, tanques modernos, sistemas antiaéreos e mísseis de longo alcance.

No entanto, sua gestão também foi marcada por suspeitas de corrupção e má administração. Em janeiro, o então vice-ministro da Defesa, Vyacheslav Shapovalov, renunciou após denúncias de que ele teria supervisionado a compra de suprimentos alimentícios militares a preços superfaturados.

"O estresse que suportei este ano é difícil de medir com precisão. Não tenho vergonha de nada", disse Reznikov na época, acrescentando: "Minha consciência está absolutamente limpa".

Ao anunciar uma auditoria interna nas compras, ele admitiu que o departamento anticorrupção do ministério "falhou" no cumprimento do seu trabalho e precisava de ser "completamente reiniciado".

À época, a posição de Reznikov no governo ficou fragilizada, mas ele ainda conseguiu se manter no cargo. No entanto, novos escândalos surgiram.

Em agosto, foi a vez de Zelenski demitir todos os chefes regionais dos escritórios de recrutamento na Ucrânia. A onda de demissões foi impulsionada pelas inúmeras suspeitas de corrupção dentro dos quadros militares. Pouco antes, todos os escritórios de recrutamento militar em diferentes regiões do país haviam sido auditados.

De acordo com o Departamento de Investigações da Ucrânia, foram abertos 112 processos criminais contra representantes destes escritórios, 33 casos foram declarados suspeitos e ações judiciais estão sendo movidas contra 15 pessoas.

Nesta semana, um novo escândalo: a imprensa ucraniana apontou suspeitas de superfaturamento na compra de casacos militares de inverno de um fabricante na Turquia.

jps/md (ots, Reuters, DW)

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