Rússia condena diretora e dramaturga a 6 anos de prisão por peça

Em nova ofensiva contra liberdade artística, regime russo considerou que peça teatral "Finist", que abordava destino de "noivas do Estado Islâmico", era "apologia do terrorismo" e sentenciou dramaturga e diretora.

Por Deutsche Welle

Um tribunal de Moscou condenou nesta segunda-feira (08/07) a dramaturga Svetlana Petriychuk e a diretora teatral independente Zhenya Berkovich a seis anos de prisão. A corte do regime russo alegou que as autoras eram culpadas de "justificar o terrorismo" na peça Finist, o falcão corajoso escrita cinco anos atrás e encenada em 2020.

Com título inspirado num popular conto folclórico russo, a peça conta a história de uma mulher que é recrutada online para se tornar uma "noiva do Estado Islâmico", vai para a Síria e depois retorna à Rússia, onde enfrenta julgamento.

Escrita na época da intervenção russa na prolongada guerra civil síria, em apoio ao ditador Bashar al Assad, ela se baseia em registros de casos criminais reais – inclusive transcrições de interrogatórios e de sentenças – de cidadãs da Rússia, Cazaquistão e Uzbequistão que decidiram ir para a Síria casar-se com militantes fundamentalistas islâmicos

"Claro sentimento antiterrorista"

As artistas já haviam sido submetidas a cerca de um ano de prisão pré-julgamento, após serem detidas, em maio de 2023, para indignação dos meios literários e oposicionistas. Na Rússia, "justificar" ou "defender" o terrorismo é crime punível com até sete anos de cárcere.

Durante o processo, ambas rechaçaram repetidamente as acusações. Numa das audiências, Petriychuk disse ter escrito essa obra de ficção para que eventos como os que apresenta não se repetissem. Por sua vez Berkovich afirmou que a encenara na esperança de deter o terrorismo.

O advogado da diretora lembrou ao tribunal que a obra havia recebido dois prestigiosos prêmios internacionais de teatro e contado com patrocínio do Ministério da Cultura da Rússia. O representante legal da autora relatou que a peça fora teatral lida para detentos de um presídio da Sibéria em 2019, colhendo elogios do órgão penitenciário estatal, na ocasião.

Em seguida à prisão das duas, o jornal independente Novaya Gazeta redigiu uma carta aberta argumentando que Finist "porta um sentimento antiterrorista absolutamente nítido". Mais de 16 mil cidadãos já assinaram o documento.

Repressão sistemática da dissidência

Em especial desde o início da guerra na Ucrânia, o regime de Vladimir Putin vem reprimindo sistematicamente dissidências internas. Muitos críticos deixaram a Rússia, mas a diretora Berkovich, que tem duas filhas adotivas, se recusou a ir e continuou trabalhando com sua companhia teatral independente em Moscou.

No dia mesmo da invasão russa, 24 de fevereiro de 2022, ela participou de um protesto público, passando 11 dias na prisão, em consequência. Além disso, escreveu dois poemas críticos sobre a guerra: num deles, um veterano da Segunda Guerra Mundial pede ao neto que não carregue seu retrato durante uma parada militar. O segundo é sobre o bombardeio do Teatro Regional de Donetsk, na cidade ucraniana de Mariupol.

As acusações de terrorismo vieram em maio de 2023, mais de quatro anos depois de as autoridades russas terem chance de ler Finist. Zhenya Berkovich e Svetlana Petriychuk foram incluídas numa lista oficial de terroristas e extremistas em abril de 2024, e seu inquérito começou em 20 de maio.

av (AFP,AP)

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