Em mais uma ofensiva autoritária da Rússia contra opositores da guerra na Ucrânia, um tribunal de Moscou condenou nesta quinta-feira (28) dois homens à prisão por recitarem versos críticos ao conflito durante um protesto no ano passado.
Artyom Kamardin, de 33 anos, recebeu uma sentença de sete anos por recitar um poema; já Yegor Shtovba, de 23 anos, teve pena de cinco anos e meio por participar da declamação. A ação foi realizada dias após o presidente Vladimir Putin convocar 300 mil reservistas para a guerra.
Para a Justiça, os dois "incitaram o ódio" e "instigaram atividades que ameaçam a segurança do Estado".
O julgamento transcorreu em uma sala de audiências fortemente vigiada, diante da presença de apoiadores da dupla.
Antes de ser sentenciado, um sorridente Kamardin recitou outro poema em que classificava a poesia como algo "dilacerante" e frequentemente malquisto por "pessoas acostumadas à ordem".
Antes, em um canal no Telegram, o ativista escreveu que não era um herói. "Ir para a prisão por causa das minhas convicções nunca esteve nos meus planos."
Ativista denunciou abuso policial
Preso em setembro de 2022 após recitar um poema autoral e criticar o imperialismo russo em uma praça de Moscou onde dissidentes se reúnem desde a era soviética, Kamardin diz ter sido estuprado por policiais e obrigado a filmar um pedido de desculpas enquanto sua mulher, Alexandra Popova, era ameaçada pelos agentes.
Aos juízes, ele afirmou que não sabia da ilegalidade de suas ações e pediu misericórdia.
Shtovba também insistiu na sua inocência: "O que eu fiz de ilegal? Ler poesia?" O rapaz também se dirigiu à mãe: "Mãe, sei que você, mais que ninguém, acredita na minha inocência. [...] Sinto muito por como as coisas aconteceram, [por] deixar você e papai sozinhos."
Após a leitura da sentença, parte da plateia reagiu aos gritos de "vergonha!"; alguns foram posteriormente detidos pela polícia fora do prédio do tribunal, segundo a agência de notícias AFP.
Em uma entrevista no ano passado ao mesmo veículo, Popova afirmou ter sido ameaçada de estupro pelos policiais ao ser presa com o companheiro, além de ter apanhado e tido cola aplicada nas bochechas e nos lábios.
Manifestações contrárias à guerra levaram à prisão de quase 20 mil
Ministra das Relações Exteriores da Alemanha, Annalena Baerbock condenou a decisão do Judiciário russo, acusando o Kremlein de "permitir a asfixia da liberdade de expressão".
A prisão de opositores da guerra é algo comum na Rússia, onde o dissenso tem sido duramente combatido. Entre fevereiro de 2022, quando teve início a invasão em larga escala do território ucraniano, e o início de dezembro deste ano, quase 20 mil pessoas foram detidas no país por se manifestarem contra o conflito – destas, 784 estão sendo processadas criminalmente. Os números são da OVD-Info, um grupo de direitos humanos que combate a perseguição política no país.
Um desses casos é o da artista Alexandra Skochilenko, condenada em novembro a sete anos de prisão por trocar etiquetas de preço em um supermercado em São Petersburgo por slogans críticos à campanha militar russa na Ucrânia.
A repressão é amparada por uma lei introduzida dias após a Rússia enviar tropas para a Ucrânia, e que efetivamente criminalizou qualquer expressão pública sobre a guerra que se desvie da narrativa oficial.
A maioria dos opositores de destaque na Rússia ou fugiu do país ou foi presa, como aconteceu com Alexei Navalny.
ra (AFP, AP)