O Senado da Rússia concluiu nesta quarta-feira (25/10) a aprovação de uma lei que abandona a ratificação do tratado global que proíbe testes de armas nucleares, num momento de tensão do país com os Estados Unidos.
O vice-ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serguei Ryabkov, disse que seu país não pretende retomar a discussão de questões nucleares com os EUA, a menos que Washington abandone o que classificou como política "hostil". Os dois países estão em lados opostos na guerra de agressão lançada pela Rússia contra a Ucrânia, com os EUA apoiado Kiev com armas e ajuda financeira.
O projeto de lei para retirar a ratificação do Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares (CTBT) foi aprovado por 156 votos a zero no Senado da Rússia, depois que a Duma (câmara baixa) também o aprovou por unanimidade. Agora, o projeto de lei segue para sanção do presidente Vladimir Putin.
Putin havia solicitado a mudança para "espelhar" a posição dos Estados Unidos, que assinaram o CTBT em 1996, mas nunca o ratificaram.
A Rússia afirma que não retomará os testes a menos que Washington o faça, enquanto especialistas em controle de armas dizem que um teste da Rússia ou dos Estados Unidos poderia desencadear uma nova corrida armamentista – e mais testes de outros países – num momento de grande tensão mundial, com guerras na Ucrânia e no Oriente Médio.
A rede CNN publicou imagens de satélite no mês passado mostrando que a Rússia, os Estados Unidos e a China expandiram seus locais de testes nucleares nos últimos anos.
CTBT ajudou a tornar os testes nucleares um tabu
Assinado em 24 de setembro de 1996, o CTBT é um dos últimos acordos armamentistas internacionais que a Rússia ainda considerava vinculativo. Colocá-lo em questão foi uma ideia apresentada pessoalmente pelo presidente Putin e acatada pelo presidente da Duma, Vyacheslav Volodin.
Juntos, Rússia e EUA possuem 90% de todas as ogivas nucleares do mundo. Ao contrário de Washington que só assinou o tratado, em 2000 Moscou também ratificou o documento em seu parlamento nacional, frisa o especialista em assuntos nucleares Pavel Podvig, do Instituto das Nações Unidas para Pesquisa de Desarmamento.
Apesar de o tratado nunca ter entrado oficialmente em vigor, desde a década de 1990 as grandes potências nucleares China, EUA, França, Reino Unido e Rússia respeitam a moratória. Também a Índia e o Paquistão suspenderam seus testes desde 1998. "O único dissidente nesse aspecto, por assim dizer, é a Coreia do Norte [não signatária], que já realizou seis testes atômicos", complementa Podvig.
Ele enfatiza que o acordo em questão detém uma alta reputação na comunidade mundial: "Ninguém vai fazer amigos realizando novos testes atômicos. Todas as ideias que estão sendo discutidas na Rússia agora – no espírito de 'Vamos botar medo em todo mundo!' – na prática não devem assustar ninguém. No entanto a condenação vai ser indiscutível."
Por outro lado, o abandono do pacto emite um sinal político e, pelo menos do ponto de vista jurídico, constitui menos uma razão para os russos se aterem à moratória autoimposta, acrescenta.
Tentativa de intimidar os EUA
O especialista nuclear russo Maxim Starchak, do Centro de Política Internacional e de Defesa da Universidade de Queens, no Canadá, disse que não se espantaria se em breve Moscou de fato empreender testes atômicos, mas "até agora não há indícios claros de que a Rússia pretenda fazer tais testes no futuro próximo". Os físicos nucleares não são unânimes quanto à utilidade do procedimento: "Alguns são a favor, outros são contra. Sua reativação vai certamente exigir uma decisão política."
Seja como for, o país dispõe de um território já preparado para esse fim na dupla ilha Novaya Zemlya, no Oceano Ártico, afirma Starchak: "Lá, até onde se sabe, existem três locais onde se pode realizar testes atômicos subterrâneos. Acho que, se a intenção se concretizar, então seria lá. Pois não me passa pela cabeça que essa loucura seja colocada em prática com uma explosão de superfície."
Consenso entre ambos os especialistas é que se deve levar a sério a planejada saída russa do CTBT. Segundo Pavel Podvig, a explosão de uma bomba atômica não faria o menor sentido militar, já que seu único fim seria matar o maior número possível num tempo mínimo. E é preciso ter justamente isso em mente: desse modo a Rússia estaria emitindo o sinal de que está disposta "a matar muita gente, dezenas e centenas de milhares, milhões".
Maxim Starchak está convicto de que a intenção russa de se desligar da moratória global sobre testes nucleares representa um novo passo na escalada da guerra contra a Ucrânia: o Kremlin espera que os EUA reconheçam nessa espiral de violência um perigo real para si e se disponham a reduzir esse perigo cedendo à Rússia e fazendo concessões no contexto da invasão da Ucrânia.
jps (Reuters, DW, ots)