Sinais de mudança na política venezuelana?

Maduro e oposição assinam acordo para garantir eleições livres em 2024 e tensões envolvendo o regime venezuelano parecem diminuir. Passo leva EUA a suspenderem temporariamente parte das sanções contra o país.

Por Deutsche Welle

A Venezuela começou no fim da noite desta quarta-feira (18/10) a libertar presos políticos depois de o governo de Nicólas Maduro e a oposição terem assinado um acordo sobre garantias para as eleições presidenciais de 2024.

As autoridades venezuelanas libertaram cinco presos políticos, incluindo o ex-deputado Juan Requesens, condenado por uma tentativa de assassinato contra Maduro, em 2018, e o jornalista Roland Carreño, ex-colaborador de Juan Guaidó, exilado nos Estados Unidos – que o reconheciam como presidente da Venezuela até janeiro.

Até 10 de outubro, havia 273 presos políticos na Venezuela, segundo a ONG Foro Penal.

Mais cedo, nesta quarta-feira, os Estados Unidos anunciaram a suspensão temporária das sanções ao petróleo, gás e ouro venezuelanos, mas apelaram pelo fim das desqualificações de políticos e a libertação de todos os presos políticos no país sul-americano.

O Gabinete de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC) do Departamento do Tesouro dos EUA emitiu uma licença de seis meses que "autoriza temporariamente transações relacionadas com o setor do petróleo e gás na Venezuela" e que só será renovada se Caracas cumprir os seus compromissos.

Acordo com oposição

As medidas ocorrem após a assinatura de um acordo nesta terça-feira em Barbados entre o governo e a oposição da Venezuela. O pacto prevê, entre outras coisas, a realização de eleições presidenciais livres em 2024 com presença de observadores internacionais.

No acordo sobre garantias eleitorais, as partes se comprometeram a continuar o processo de diálogo e negociação com relação a outras medidas, "entendendo a necessidade de suspender as sanções contra o Estado venezuelano", disse o governo de Maduro após a assinatura.

Ambas as partes afirmam ainda o seu compromisso com o fortalecimento de uma democracia inclusiva e uma cultura de tolerância e convivência política e ratificam a vontade de alcançar as condições necessárias para que os processos eleitorais se realizem com todas as garantias. Também "condenam qualquer forma de violência política contra a Venezuela, o seu Estado e as suas instituições".

O governo e oposição reconhecem ainda o direito de cada ator político de escolher livremente e de acordo com os seus mecanismos internos o seu candidato às eleições presidenciais, cujas garantias para todos os intervenientes vão ser promovidas conjuntamente. Propõem também que o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) realize uma atualização do registo eleitoral, além de campanhas de informação, inscrição e atualização de dados.

O acordo prevê ainda uma "limpeza" do registo eleitoral e a realização de auditorias com a participação de atores políticos, observação internacional e parceiros nacionais. O governo venezuelano e a oposição se comprometeram ainda a promover "um discurso público e um clima político e social favorável ao desenvolvimento de um processo eleitoral pacífico e participativo, sem ingerências externas, com respeito pelos cidadãos, pela autoridade eleitoral, pelos atores políticos, pela Constituição e pelas leis do país".

A oposição venezuelana disse que a assinatura reafirmar o seu compromisso e o do governo de recuperar a confiança dos venezuelanos no processo eleitoral. "Demos um passo sólido que abre caminho para recuperarmos a nossa confiança no voto", disse Gerardo Blyde, chefe da delegação da opositora Plataforma Unitária Democrática.

Suspensão das sanções

A ONU, a União Europeia (UE), os EUA, o Canadá e o Reino Unido comemoraram a assinatura do acordo, destacando que esse compromisso é necessário para restaurar a democracia na Venezuela. Washington prometeu que suspenderia as sanções se Caracas tomasse medidas concretas a favor de eleições transparentes em 2024 e cumpriu o prometido, mas com condições.

O governo de Joe Biden mudou a política de pressão máxima para retirar Maduro do poder por uma abordagem pragmática, com altos funcionários do governo indo e vindo a Caracas a partir de 2022, e passou a usar as sanções como moeda de troca para pressionar Maduro.

A tensão parece ter diminuído. Uma prova disso é que nesta quarta-feira o líder chavista convidou para visitar o país Francisco Palmieri, chefe da missão diplomática para Venezuela, radicado na Colômbia desde 2019 devido ao rompimento das relações entre Washington e Caracas. "Espero vê-lo em breve aqui no palácio de Miraflores", disse Maduro, se referindo a Palmieri em tom conciliatório.

O embargo petrolífero dos EUA estava em vigor desde abril de 2019 e limitava a comercialização, vital para a economia do país.

Uma segunda licença autoriza transações com a Minerven, a empresa estatal venezuelana de mineração de ouro, para, segundo o Tesouro, "reduzir o comércio de ouro no mercado negro".

Além disso, duas licenças foram modificadas "para eliminar a proibição de negociação secundária" de certos títulos da petrolífera estatal venezuelana PDVSA, mas a negociação no mercado primário continua proibida.

"Medida não é definitiva"

No Palácio Miraflores, Maduro manifestou a sua satisfação com as medidas, que surgiram após meses de negociações nos bastidores, especialmente devido à tensão nos preços do petróleo como resultado das sanções impostas à Rússia após a invasão da Ucrânia. Ele afirmou que, com estes acordos, a Venezuela "volta a entrar com força e progressivamente no mercado de petróleo e gás".

O presidente venezuelano avalia que "está sendo dado o primeiro passo na direção certa para a suspensão progressiva e sustentada de todas as sanções" impostas à Venezuela pelos Estados Unidos, que não reconheceram a reeleição de Maduro em 2018, por ser considerada fraudulenta.

O chefe da diplomacia americana, Antony Blinken, disse que a suspensão das sanções é "um passo concreto para a resolução da crise política, econômica e humanitária da Venezuela". Em comunicado, Blinken alertou, entretanto, que a suspensão não é definitiva e que seu país "tomará medidas se os compromissos não forem cumpridos".

Por enquanto, continuam em vigor as outras sanções impostas pelos EUA ao país no âmbito de uma cruzada internacional para encorajar a saída de Maduro do poder.

Desqualificações políticas

O acordo alcançado estipula que as próximas eleições presidenciais sejam realizadas no segundo semestre de 2024, mas o texto deixa ainda por resolver a questão das desqualificações políticas de oposicionistas. Atualmente, María Corina Machado, a favorita da oposição, não conseguiria formalizar a sua candidatura contra Maduro, porque está proibida por 15 anos de ocupar cargos públicos.

Os Estados Unidos entendem que a Venezuela tomará uma série de medidas "antes do final de novembro", como "definir um calendário e um processo específicos para a qualificação acelerada de todos os candidatos", afirma Blinken.

"Todos os que querem concorrer à presidência devem ter oportunidade e ter direito à igualdade de condições eleitorais, à liberdade de circulação e a garantias da sua segurança física", acrescenta o secretário de Estado americano. "O não cumprimento dos termos deste acordo levará os Estados Unidos a reverter as medidas que tomamos."

Além disso, Washington confia que o governo venezuelano começará a libertar "todos os cidadãos americanos e presos políticos venezuelanos detidos injustamente" no país.

md/cn (AFP, EFE)

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