Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) adaptam com rapidez suas decisões ao sabor dos ventos políticos. Uma prova convincente disso foi dada dias atrás pelo ministro Dias Toffoli.
Numa argumentação de 145 páginas, ele declarou nulas as provas produzidas no acordo de leniência da Odebrecht e que embasavam inúmeros processos e inquéritos. O motivo: a nulidade dos dados com os quais a empresa confessou e provou sua participação. Regras para a preservação da integridade desses dados não teriam sido respeitadas.
Com isso Toffoli lançou uma bomba de amplas consequências na Justiça brasileira: em breve não apenas os vereditos do caso Odebrecht, mas todos os vereditos do processo de corrupção da Lava Jato, que estremeceu a política e a sociedade brasileiras a partir 2014, deverão ser invalidados.
Centenas de políticos poderão ser absolvidos a posteriori. Já procuradores e juízes que participaram das investigações poderão agora serem levados aos tribunais.
A Transparência Internacional teme que a decisão de Toffoli leve a uma impunidade generalizada em crimes de corrupção. A ONG espera que o STF ainda reverta a decisão do ministro, antes que ela cause estragos à imagem do Brasil no exterior. Mas isso é improvável.
A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) recorreu da decisão. Agora a Segunda Turma do Supremo terá que decidir se mantém a decisão de Toffoli.
Juristas econômicos em São Paulo avaliam que os quatro juízes dessa turma presidida por Toffoli pouco interesse terão em alterar a decisão. Para alguns deles, todos os vereditos e provas coletadas pela Lava Jato são inválidos porque o então juiz Sergio Moro agiu em conluio com alguns procuradores. Foi com esse argumento que o STF liberou o hoje presidente Luiz Inácio Lula da Silva da cadeia, em 2019. Também a condenação dele por corrupção foi anulada com esse argumento.
"Os procedimentos certamente tiveram falhas e erros", declarou o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Ubiratan Cazetta. Mas a corrupção de proporções históricas não foi inventada, acrescentou. "O que vai acontecer agora com as confissões e as indenizações pagas?"
Triunfo político de Lula
Para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, trata-se de um triunfo político a posteriori. Ele e o PT, assim como as empresas envolvidas, há muito tentam se apresentar como vítimas da Justiça. A aliança de esquerda de Lula no Congresso tenta impor um perdão das multas às empresas. O argumento é de que a culpa não é delas nem dos funcionários delas, mas de alguns diretores. Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), até agora as empresas pagaram 28% das multas.
Emílio Odebrecht, o patrão que mantém o controle também na sucessora da Odebrecht, a Novonor, acabou de lançar o livro Uma guerra contra o Brasil, no qual ele interpreta as investigações de corrupção como um ataque à soberania do Brasil. Seguro de si, Odebrecht, assim como as empreiteiras excluídas de concorrências públicas desde os vereditos, exige novamente financiamento estatal de projetos. E também para projetos na África, onde elas anteriormente confessaram corrupção em grande estilo.
O governo Lula também tornou menos severas leis que deveriam dificultar a corrupção. Posições de liderança em empresas estatais podem, novamente, serem preenchidas com políticos, e não apenas com especialistas.
Há muitos sinais de que, no combate à corrupção no Brasil, a roda da história parece estar girando de novo para trás. Isso é um retrocesso para o Brasil.
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Há mais de 30 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul. Ele trabalha para o Handelsblatt e o jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.
Autor: Alexander Busch