STF rejeita tese do "poder moderador" das Forças Armadas

Por unanimidade, Supremo Tribunal Federal decide contra interpretação propagada pela extrema direita bolsonarista que permitiria uma "intervenção militar constitucional".

Por Deutsche Welle

Por 11 votos a zero, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) esclareceram nesta segunda-feira (08/04) que a Constituição não permite às Forças Armadas o papel de "poder moderador" no país, rejeitando uma tese que vinha sendo propagada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores para tentar dar uma verniz legal para uma "intervenção militar" sobre os Três Poderes.

Uma maioria de nove votos a zero pela rejeição da tese já havia sido formada na semana passada, mas ainda faltavam os votos de Dias Toffoli e Kassio Nunes Marques, que também entenderam nesta segunda-feira que o artigo 142 da Constituição não permite qualquer interpretação que admita uma intervenção militar;

Com a decisão, o STF determinou que o poder das Forças Armadas é limitado e não permite a intromissão no funcionamento dos Três Poderes. Nem mesmo em eventuais conflitos entre eles a atribuição de moderação é concedida aos militares. Dessa forma, entende-se que as Forças Armadas não podem ser utilizadas pelo presidente da República contra o Congresso Nacional (Legislativo) ou o STF (Judiciário).

O artigo 142

O artigo 142 da Constituição trata do papel das Forças Armadas e suas atribuições. O texto determina que elas "são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem".

Ao menos desde 2020, apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro vêm alegando que o artigo supostamente prevê que as Forças Armadas teriam o poder de moderar conflitos entre os Poderes, inclusive podendo fechar o Congresso Nacional e o STF neste caso. Um dos principais defensores da tese é o advogado ultraconservador Ives Gandra Martins, mas essa interpretação tem pouco respaldo no meio jurídico.

O próprio Bolsonaro defendeu essa leitura do texto numa reunião ministerial, alegando que qualquer um dos Poderes poderia pedir aos militares uma intervenção para restabelecer a ordem no país.

O artigo 142 também foi citado por bolsonaristas após a derrota de Bolsonaro nas eleições de 2022, numa tentativa de manter o ex-presidente no poder. Essa interpretação distorcida também seria uma das bases do suposto plano de um golpe de Estado arquitetado por Bolsonaro e seus aliados, que foi revelado pela Polícia Federal.

O que diz o STF

O relator da ação no STF, ministro Luiz Fux, destacou que as Forças Armadas são órgãos de Estado, não de governo. "A missão institucional das Forças Armadas na defesa da pátria, na garantia dos poderes constitucionais e na garantia da lei e da ordem não acomoda o exercício de poder moderador entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário", disse.

Fux ressaltou que o emprego da Forças Armadas para garantia da lei e da ordem deve ocorrer em situações excepcionais e de violações concretas à segurança pública após esgotamento de outras alternativas.

Prevista no artigo 142, a adoção da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) garante a presença militares em situações de perturbação da ordem e após o esgotamento das forças tradicionais de segurança pública. Ela precisa ser autorizada pelo presidente da República e foi adotada ao longo dos últimos anos em grandes eventos, como Eco-92, Copa do Mundo de 2014 e Jogos Olímpicos de 2016, e para prover a segurança pública, sobretudo nas favelas, em operações no Complexo da Maré e da Penha.

"A chefia das Forças Armadas é poder limitado, excluindo-se qualquer interpretação que permita sua utilização para indevidas intromissões no independente funcionamento dos outros Poderes, relacionando-se a autoridade sobre as Forças Armadas às competências materiais atribuídas pela Constituição ao presidente da República", afirmou Fux em seu voto.

O voto do relator foi seguido pelo presidente do STF, Luís Roberto Barroso, e pelos ministros Flávio Dino, Luiz Edson Fachin, André Mendonça, Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin.

A maioria contra a interpretação do poder moderador militar foi formada depois do voto de Gilmar Mendes, que disse que a Corte está "reafirmando o que deveria ser óbvio". "A sociedade brasileira nada tem a ganhar com a politização dos quartéis e tampouco a Constituição de 1988 o admite", afirmou Mendes.

"Não existe, no nosso regime constitucional, um poder militar. O poder é apenas civil, constituído por três ramos ungidos pela soberania popular, direta ou indiretamente. A tais poderes constitucionais, a função militar é subalterna, como aliás consta do artigo 142 da Carta Magna", acrescentou Mendes.

O que diz o comandante do Exército

O comandante do Exército, general Tomás Paiva, afirmou na semana passada que concorda com o posicionamento do STF que formou maioria para estabelecer que a Constituição não possibilita uma "intervenção militar constitucional".

"Esse pensamento não causava dúvida no Exército brasileiro. É um entendimento sem questionamento. Mostra que o texto constitucional está consolidado e não existe poder moderador no Brasil. Esse entendimento, na minha opinião, fortalece o texto constitucional, com aquilo que pode e não pode ser feito pelas Forças. As Forças não são poder de nada", disse Tomás Paiva ao jornal O Globo.

enk/cn/ra (Agência Brasil, ots)

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