No fim de maio, o jornal britânico The Guardian revelou que em 2021 Yossi Cohen, ex-chefe do serviço secreto israelense Mossad, teria pressionado a então procuradora-chefe do Tribunal Penal Internacional (TPI), Fatou Bensouda, para que suspendesse o inquérito relativo aos territórios palestinos, ameaçando-a pessoalmente e a sua família.
A jurista abrira em 2015 inquérito preliminar sobre a situação nos territórios palestinos, o qual deu lugar a um inquérito formal em março de 2021. Em junho do mesmo ano, ela foi substituída no cargo por Karim Khan. Em maio de 2024, este expediu mandados de prisão contra o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, e seu ministro da Defesa, Yoav Gallant, assim como contra três líderes do grupo militante islâmico Hamas.
Khan acusa os cindo de crimes contra a humanidade e de guerra, no contexto do atual conflito na Faixa de Gaza. A decisão foi severamente criticada por Israel, Estados Unidos e diversos países da União Europeia.
Segundo The Guardian, as revelações de Bensouda remontam ao período anterior à abertura formal do inquérito, em 2021. Um porta-voz do gabinete de Netanyahu as rechaçou como "falsas e infundadas".
Para Tomas Hamilton, perito em direito penal internacional do grupo de advogados londrino Guernica 37 Chambers, contudo, "são acusações sérias": caso se provem verdadeiras, será impossível o TPI ignorá-las.
Atentados repetidos à segurança do TPI
Atendendo a uma consulta da DW, a procuradoria do TPI declarou que "está ciente e continuamente implementando contramedidas a atividades de coleta proativa de informações realizadas, por um número de agências nacionais hostis ao Tribunal". Tanto a procuradoria quanto a corte sediada em Haia "estão se confrontando com uma extensão sem precedente de tais tentativas", e o gabinete de Khan atualmente coopera com as autoridades holandesas para intensificar as medidas de segurança.
Em junho de 2022 – três meses depois de o procurador-chefe do TPI ter aberto um inquérito sobre crimes de guerra supostamente ocorrendo na Ucrânia desde 2013 – o serviço secreto da Holanda identificou um agente militar russo que tentara obter acesso ao órgão judiciário internacional como estagiário.
Em setembro de 2023, o TPI foi alvo de um incidente sério de cibersegurança, que classificou com tendo "objetivo de espionagem", numa "tentativa séria" de minar o seu mandato. A corte não quis identificar os autores do ataque, afirmando que as autoridades holandesas haviam iniciado uma investigação.
Em nota, o Ministro do Exterior da Holanda lembrou ser vital que o Tribunal pudesse desempenhar seu mandato em segurança e independência: enquanto local do TPI, o país está ciente de suas "responsabilidades especiais" estipuladas no acordo de sede.
Ameaça com Artigo 70 do Estatuto de Roma
No início de maio último, quando começaram a circular na imprensa boatos sobre eventuais mandados de prisão contra líderes israelenses, a Procuradoria do TPI emitiu um comunicado exigindo que "toda tentativa de impedir, intimidar ou influenciar de maneira imprópria seus mandatários cesse imediatamente".
Duas semanas mais tarde, ao submeter seu requerimento de mandado de prisão à câmara pré-julgamento, Khan repetiu esse aviso: seu gabinete não hesitaria em agir de acordo com o Artigo 70 do Estatuto de Roma, caso "tal conduta continue".
Esse artigo proíbe "obstaculizar, intimidar ou influenciar de forma corrupta" membros do Tribunal com o fim de persuadi-los a cumprir inadequadamente seus deveres ou a descumpri-los. A determinação interdita, ainda, retaliação pelo cumprimento das obrigações e suborno de oficiais da corte, entre outros atos.
Apesar de já ter havido outros casos de aplicação do Artigo 70, sobretudo relacionados a intimidação de testemunhas, para Tomas Hamilton as alegações apresentadas na reportagem do Guardian sugerem "uma operação de espionagem de longo prazo, orquestrada por um Estado".
Caso isso se comprove, o incidente excederia todos os atentados anteriores à administração da Justiça sob o Artigo 70. Assim, perante a gravidade das alegações, seria "muito provável" que o TPI vá abrir um processo.
Senadores americanos ameaçaram funcionários do TPI com sanções após a emissão dos mandados de prisão contra Netanyahu e Gallant. O governo de Donald Trump (2017-2021) já havia sancionado a então procuradora-chefe Bensouda por ela ter aberto um inquérito relativo a possíveis crimes de guerra no Afeganistão, em setembro de 2020.
Contudo, as medidas foram anuladas três meses depois de o atual presidente, Joe Biden, assumir a presidência. O Tribunal Penal Internacional foi criado em 1998, com base no Estatuto de Roma, e atua desde 2002.
Autor: Lucia Schulten