Em Tel Aviv, o centro financeiro e cultural de Israel, muitos arranha-céus estão cobertos com a bandeira israelense, com duas palavras em hebraico ao lado: Beyachad Nenatze'ach, ou "Juntos, venceremos".
Uma olhada mais atenta pelas ruas da cidade, porém, coloca em questão essa suposta união: cartazes das famílias dos reféns em Gaza pedindo um acordo para trazê-los de volta para casa, mesmo se para isso for necessário encerrar a guerra contra o Hamas, dividem espaço com pôsteres de soldados mortos na guerra exigindo continuar até a "vitória absoluta" em nome desses mesmos soldados mortos.
Isso ilustra bem a atual divisão na sociedade israelense, uma divisão que tem abalado o país em seu âmago: vale encerrar a guerra para trazer os reféns para casa?
A sociedade se organiza
A sociedade israelense estava dividida já nos meses anteriores aos ataques de 7 de outubro de 2023. Durante meses ocorreram protestos contra as reformas do Judiciário propostas pelo governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, apoiado pela direita radical e ultrarreligiosos.
Em seguida ocorreram os ataques terroristas do Hamas, que resultaram na morte de cerca de 1.200 pessoas, a maioria civis, e em mais de 250 reféns levados pelo grupo islâmico para Gaza. O Hamas é considerado uma organização terrorista pela Alemanha, pelos EUA, pela União Europeia e por outros países.
Os ataques deixaram a sociedade israelense em estado de choque. Para muitos, parecia que seu governo não era capaz de lidar com a crise, e muitos civis puseram mãos à obra. Surgiram centros de emergência civis, organizando qualquer coisa, desde a arrecadação de dinheiro para equipamentos de combate para os soldados até a localização de hotéis e moradias para as milhares de pessoas que tiveram de fugir de suas casas, passando pela seleção de trabalhadores rurais para a agricultura, a fim de substituir os imigrantes que haviam partido por causa da guerra.
De certa forma, a sociedade civil e a iniciativa privada assumiram o papel do governo, dando a sensação de que eram as únicas que mantinham o país funcionando.
Divisões sociais profundas
Passado um ano, resta muito pouco desse espírito de união. As antigas divisões estão de volta, embora desta vez elas girem em torno da guerra e dos reféns mantidos em Gaza.
Apoiar um acordo para libertar os reféns tornou-se sinônimo de rejeitar a maneira como o governo de Netanyahu lida com a guerra. Tornou-se comum insultar familiares dos reféns, tanto nas redes sociais quanto nas ruas, onde o insulto muitas vezes descamba para a agressão física.
A palavra que muitos usam para insultar os familiares de reféns é smolanim, que significa esquerdista, um termo que já há muito tempo é um insulto em muitas partes da sociedade israelense.
De acordo com muitos apoiadores do governo de Netanyahu, a campanha pela libertação dos reféns foi infiltrada por elementos da sociedade que querem ver o colapso do atual governo.
Gil Dickmann, primo da refém assassinada Carmel Gat e um nome conhecido na campanha das famílias dos reféns, postou sobre os comentários que tem recebido nas redes sociais desde o assassinato de sua prima. "Dizem que sou culpado pelo assassinato de Carmel".
Muitos daqueles que criticam as famílias dos reféns argumentam que a campanha pela libertação de seus parentes está dando ao Hamas a sensação de que pode ampliar suas exigências nas negociações com Israel.
Dickmann diz que apenas uma pessoa ganha com esses comentários: Netanyahu.
Uma esfera de concordância
Em seu podcast, o jornalista Shmuel Rosner, da Israeli Public Broadcasting Corporation, discute o que chama de "esfera de concordância", que é o nível em que israelenses de diferentes lados políticos conseguem concordar uns com os outros em questões básicas.
As questões fundamentais que definem essa esfera, diz Rosner, mudaram desde 7 de outubro. "Por um lado, há questões que agora saíram da equação, como [o debate sobre] a presença das Forças de Defesa Israelenses (IDF) na Cisjordânia e em Gaza."
Ele explica que os ataques do Hamas tornaram óbvio para muitos israelenses que essa presença era necessária para a segurança do país, o que significa que a ocupação da Cisjordânia, que é ilegal pelo direito internacional, está agora sendo vista como uma necessidade por uma parte maior do público do que antes de 7 de outubro.
Além disso, diz ele, a guerra deu aos grupos radicais da sociedade israelense a possibilidade de legitimar certas ideias que antes eram tabu. Um exemplo é a chamada transferência, a migração forçada de palestinos de todo o território do Rio Jordão até o Mar Mediterrâneo. "Antes essas ideias circulavam à margem da sociedade israelense, e agora é legítimo falar sobre elas."
O resultado, de acordo com Rosner, é o retorno de conflitos que muitos israelenses davam como superados. "Isso torna mais difícil a criação de uma esfera de concordância."
Os israelenses não se sentem seguros
Depois de 12 meses que incluem o pior ataque terrorista já ocorrido em Israel, a guerra contra o Hamas em Gaza, os muitos reféns ainda mantidos pelo Hamas, dezenas de milhares de israelenses que não podem voltar para casa no norte do país e o início de um conflito com o Hezbollah no sul do Líbano, há uma questão fundamental: os israelenses se sentem seguros em relação à maneira como seu governo está lidando com a situação?
Uma pesquisa de setembro de 2024 do Instituto de Estudos de Segurança Nacional (INSS) de Israel mostra que não. De acordo com a pesquisa, 31% dos israelenses têm uma sensação de segurança "baixa" ou "muito baixa", e apenas 21% disseram que sua sensação de segurança é "alta" ou "muito alta".
O número de israelenses deixando o país já estava aumentando mesmo antes do 7 de Outubro, com números do Escritório Central de Estatísticas de Israel (ICBS) mostrando que mais pessoas deixaram o país em 2023 do que 2022. Os números preliminares de 2024 mostram que as partidas aumentaram ainda mais.
No entanto, em meio a mensagens políticas e debates acalorados, as ruas de Tel Aviv também estão cheias de adesivos menores e menos visíveis. Eles mostram rostos, nomes e histórias das pessoas mortas em 7 de outubro ou durante a guerra em Gaza.
As histórias delas podem ser a última coisa em torno da qual a sociedade israelense ainda pode vir a se unir.
Autor: Felix Tamsut