Venezuelanos em São Paulo oscilam entre medo e esperança em meio a crise política

Eleição gerou expectativa para o fim da crise política que se alastra há anos.; posição de Lula diante impasse gerado após anúncio de vitória de Maduro decepciona venezuelanos que moram no Brasil

Por Deutsche Welle

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Sob o sol quente, Gerardo Duque aguarda em um banco improvisado na calçada a esposa e a filha deixarem a Superintendência da Polícia Federal, em São Paulo. Minutos depois elas voltam, trazendo nas mãos os documentos que permitirão que os três voltem para Maracay, de onde saíram em 2020, em plena pandemia de covid-19.

O que os leva de volta à Venezuela depois de quatro anos mais tranquilos no Brasil não é esperança de melhora econômica no país natal. A viagem só de ida planejada para outubro é motivada pelo estado de saúde da sogra, que sofre com diabetes e a falta de insulina. Atribuída pelo governo de Nicolás Maduro às sanções econômicas aplicadas sobre o país, a escassez de medicamentos para diabetes chega a quase 35%, segundo a ONG Convite. Faltam ainda outros fármacos básicos, como para hipertensão, convulsões e infecções respiratórias.

"Nos dá muito medo mesmo, porque é tenso, não sabemos o que nos espera. Quando viemos já estava difícil, imagine agora", questiona o venezuelano de 31 anos. "Começamos do zero aqui, e agora vamos embora para começar do zero de novo na Venezuela", lamenta.

Nos últimos quatro anos vivendo na maior cidade do país trabalhando como vidraceiro, Gerardo e a esposa Elianis enviaram dinheiro para os parentes que ficaram na Venezuela. No ano passado, os mais de 7,7 milhões de venezuelanos expatriados enviaram ao país mais de R$ 29 bilhões. De acordo com o Diálogo Interamericano, isso corresponder a cerca de 6% do Produto Interno Bruto (PIB) venezuelano.

Atualmente, de cada cinco venezuelanos, um vive fora do país, e cerca de 568.000 vivem no Brasil, que é o terceiro maior destino desses imigrantes, depois de Colômbia e Peru. No país, muitos tinham esperanças de que as eleições presidenciais deste ano encerrassem a crise política que se alastra pela Venezuela há anos.

"Dia para se livrar de Maduro"

No final de julho, os venezuelanos foram às urnas após 11 anos sob o comando de Maduro. Com a cassação da candidatura de boa parte dos opositores, incluindo Maria Corina Machado, nome mais proeminente atualmente, coube a Edmundo González Urrutia tentar vencer o atual governante nas urnas.

No dia seguinte ao pleito, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) declarou Maduro vencedor com 51% dos votos, enquanto a oposição alega que Gonzalez havia recebido o dobro de apoio. Para isso, a oposição se apoia na contagem independente de aproximadamente 90% dos votos por meio das atas eleitorais. O governo de Maduro, no entanto, ainda não divulgou essas atas.

"Sabíamos que não ia ser fácil, nunca havíamos visto eleições como as que vimos este ano", se emociona uma manicure que há três anos mora em São Paulo com o marido e as duas filhas. "As pessoas começaram a sair para as ruas e fazer fila desde a noite anterior para poder votar, porque sabemos que o governo coloca muitos obstáculos à medida que o dia vai passando, mas havia a sensação de que o povo sabia que aquele seria o dia para se livrar de Maduro, e por isso a oposição se preparou para o que está acontecendo agora", conta.

A ex-moradora de Caracas prefere não se identificar por medo de represálias à sua família que ainda vive na Venezuela. "É muito duro ter que viver com medo de expressar aquilo que te afastou dos seus entes queridos, da sua terra, das suas raízes, da sua casa, da sua comida. É um medo que todos os migrantes que estão fora da Venezuela e têm a maior parte de suas famílias no país compartilham."

Ela conta que nas últimas semanas o sono tem sido escasso, enquanto o nervosismo, a incerteza e o medo têm sido constantes. "Surgem questionamentos sobre o nosso futuro, se seremos capazes de voltar ou se, definitivamente, teremos que ficar no exterior e se conseguiremos tirar nossos familiares do país, pois a cada dia a situação parece mais sufocante e as opções parecem cada vez mais limitadas."

Para os que estão do outro lado da fronteira, o maior temor é a "Operação Tun Tun", como são chamadas as ações de repressão a quem se manifesta contra o governo nas ruas ou redes sociais. A ONU estima que mais de 2.400 pessoas tenham sido detidas durante os protestos que eclodiram no país após o anúncio da vitória de Maduro.

Com a filha de 20 anos ainda terminando a universidade em Caracas, o músico Carlos Zocollo se preocupa que ela caia em uma das operações, bem como a mãe da jovem ou membros da sua família. "Me inquieta muito que as pessoas estejam perdendo a capacidade de se expressar e sendo acusadas de terrorismo", lamenta. "Diante de todos estes ocorridos, o que vejo no cenário mundial é uma batalha de declarações, mas não de ações", reclama, destacando a falta de ação do Brasil.

Lula na mira

No último sábado (17/08), dezenas de venezuelanos se reuniram na Avenida Paulista para protestar por democracia e contra o governo Maduro e reivindicar uma postura do governo brasileiro frente à atual crise no país vizinho. Entre os alvos de críticas estão o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O governo brasileiro não reconhece a vitória de nenhum dos candidatos e tenta encontrar soluções para o impasse. Uma das propostas é a realização de novas eleições, algo que é recusado tanto por governistas quanto opositores venezuelanos. Poucos dias após as eleições Lula disse que via "nada de anormal" na situação venezuelana. Desde então, o presidente tem evitado opinar sobre a situação.

Para o estilista Jordan Gutierrez, a falta de uma posição mais crítica e contundente será cobrada de Lula no futuro. "Ele foi um dos aliados do ex-presidente Chávez e deve uma resposta mais concreta: está a favor ou contra a ditadura?", demanda ele, que há oito anos mora no Brasil. "Esse silêncio é um peso político que no fim vai afetá-lo como presidente. Daqui a dois anos, quando ele tentar a reeleição, os brasileiros votarão em um presidente que apoia a ditadura de um país vizinho como a Venezuela? Não estamos a favor da democracia aqui no Brasil?", questiona.

Autor: Gustavo Basso

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