O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello defendeu, em entrevista ao Jornal Gente, da Rádio Bandeirantes, nesta quarta-feira (19), que a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros 33 envolvidos na tentativa de golpe de Estado deve ser julgada na primeira instância, e não pela Suprema Corte.
Segundo Marco Aurélio, é preciso "respeitar o devido processo legal" e o caso deveria ser encaminhado para a primeira instância "dependendo da matéria, pela Justiça comum ou federal, mas sempre em primeiro grau com a possibilidade de interposição de recurso."
"O princípio do juiz natural está inserido no devido processo legal, que precisa ser respeitado", disse o ex-ministro. Agora, após a denúncia oferecida na noite desta terça, caberá ao ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, decidir se aceita ou não.
Antes, Moraes estabeleceu 15 dias para a defesa de Bolsonaro se pronunciar. "Espero, porque sou um homem otimista e acredito no Direito, que se venha a concluir a incompetência do Supremo e a remessa desse inquérito seja enviada a primeira instância", disse o ex-ministro.
Para Marco Aurélio, que se aposentou do cargo de ministro em 2021, ao atuar dessa forma, o Supremo "se coloca na vitrine, e é aí que o estilingue funciona", se referindo às críticas feitas à Suprema Corte.
"O Supremo deve atuar apenas nos casos em que envolvem autoridades mencionadas na Constituição Federal e ex-presidente não goza da prerrogativa de ser julgado pelo Supremo, bem como cidadãos comuns envolvidos em 8 de janeiro, mas estamos vivendo uma época sem igual."
Caso foi encaminhado para a Primeira Turma
Por decisão do ministro Alexandre de Moraes, o caso foi encaminhado para a Primeira Turma do Supremo, o que gerou críticas dos demais ministros, que querem que o caso seja julgado no Plenário. A Primeira Turma é formada pelos ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Cristiano Zanin e Flávio Dino.
Marco Aurélio concorda que o caso, já que está no Supremo, deve ser encaminhado ao Pleno, quando todos os ministros julgam o tema. “Quando cogitamos o Supremo imaginamos órgão único. Esse órgão único é o Supremo com as 11 cadeiras ocupadas em atuação plenária. Penso que agora vão julgar até ação penal de forma monocrática. Se o próprio guardião da Constituição não a respeita, quem a respeitará?"
Interpretação do STF sobre Foro Privilegiado
O Supremo entendeu, em 2024, que o Foro Privilegiado, ou Foro por Prerrogativa de Função, permite que as autoridades possam ser julgadas pela Corte se estiverem no exercício do cargo ou se os fatos tiverem ligação com o mandato e a partir desse entendimento o caso envolvendo Bolsonaro torna-se competência do Supremo.
Em abril de 2024, o presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, considerou que envio do caso a outra instância quando o mandato se encerra produz prejuízo para a investigação, então manteve-se a prerrogativa de foro, nos casos de crimes cometidos no cargo e em razão dele, mesmo após a saída da função.
Marco Aurélio, no entanto, não concorda. Segundo ele, o tema já evoluiu. "Esse entendimento foi firmado, mas já se voltou atrás, o que não é bom evidentemente."
"A tendência é que o Supremo continue atuando dessa forma. Não se pode estabelecer distinção considerada essa ou aquela autoridade, isso precisa ser observado de forma linear ou então o processo passa a ter capa, o que é péssimo. O processo precisa ter conteúdo", disse à Rádio Bandeirantes.