“Eu fiquei torta”. “Eu fiquei com quadro depressivo”. Vítimas diferentes, mas de uma mesma pessoa: o médico equatoriano Bolívar Guerrero Silva. Ao todo, 10 supostas vítimas procuraram a delegacia de atendimento à mulher, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, para denunciar o médico, depois da prisão do mesmo. Com base nesses depoimentos, os investigadores vão definir se o cirurgião vai responder por novos crimes.
Por mais de dois anos, uma cabeleireira, que prefere não se identificar, trabalhou duro para conseguir juntar o dinheiro para pagar R$ 20 mil à vista, para a implantação de silicone nos seios, abdominoplastia, lipoaspiração e injeção de gordura nas nádegas. Segundo ela, o procedimento era chamado de X-Tudão.
“Fiz a cirurgia e ficou uma porcaria. Eu falei para ele, ‘doutor, tá com cheiro ruim’, ele só respondeu que era normal. Trabalhamos, corremos atrás, para realizar um sonho que virou pesadelo. Trabalhei bastante tempo, juntei um pouquinho aqui, um pouquinho lá, para realizar um sonho que foi frustrado. Fiquei muito mal, eu fiquei com quadro depressivo, muito mal mesmo. Essa cicatriz é horrível. Essa prótese dói lá dentro, eu sinto dor. Eu espero que ele pague. A vida dos outros não é brincadeira”, disse a cabeleireira.
Uma outra cabeleireira pagou R$ 12 mil para colocar próteses de silicone com o médico equatoriano. Porém, no fim da cirurgia, os seios já estavam com tamanhos diferentes. Meses depois, ela teve uma infecção crônica generalizada. Ela chegou a ser impedida de trabalhar e teve que viver de doações.
“Eu tive gastos, eu vivi de doação, doação de remédio, eu parei de trabalhar, eu ainda estou endividada. Vou começar a pagar dinheiro que eu peguei emprestado agora. Eu fiquei torta um tempão. A prótese desceu, ela rompeu de uma forma, ela encheu. A que encheu foi que eu tirei esse monte de bicho. Eu não sei como eu estou viva. Eu não saía mais, tive depressão, tive tudo que você pode imaginar”, disse a outra cabeleireira que também não quis se identificar.
Bolívar teve a prisão temporária mantida pela Justiça nesta terça-feira (19). Ele foi preso na segunda-feira, por suspeita de manter uma paciente que teve complicações depois de um procedimento estético, em cárcere privado no Hospital Santa Branca, em Duque de Caxias, no qual ele é sócio. A mulher segue internada e ainda não foi transferida.
RELEMBRE O CASO
Bolívar foi preso nesta segunda-feira (18) suspeito de manter uma paciente em cárcere privado por dois meses, dentro do hospital, depois dela fazer duas cirurgias plásticas com ele. Os procedimentos teriam dado errado, o que levou o homem a tentar ocultar o real estado de saúde dela.
A mulher de 36 anos passou por uma cirurgia no abdômen e por colocação de próteses nos seios. Pelo menos outras três intervenções tiveram que ser feitas para tentar corrigir o quadro dela.
Em uma publicação nas redes sociais, a equipe de Bolívar nega as acusações e alega que a paciente queria ser liberada antes do fim do tratamento. O objetivo dele seria prestar toda a assistência até que ela estivesse recuperada.
Segundo a delegada do caso, Fernanda Fernandes, ele é “acusado de cárcere por impedir a transferência e locomoção da mulher”, que passou por uma cirurgia plástica na unidade. Segundo a titular, “ainda não é possível estipular quantos meses a vítima ficou sob essa condição”.
De acordo com os relatos de amigos e familiares, o quadro da paciente é grave e requer cuidados. Apesar dos agentes terem solicitado o prontuário médico, o documento não foi entregue pela direção do Hospital Santa Branca no prazo estipulado.
O estado de saúde dela chocou os agentes. Segundo a delegada Fernanda Fernandes, em breve contato com os policiais, a mulher teria pedido ajuda para deixar o hospital.
No último sábado (16), a Justiça decretou a prisão temporária de Bolívar, além da suspensão do registro dele no Conselho Regional de Medicina. Além disso, na decisão, a juíza Renata Travassos Medina de Macedo, da Vara de Violência Doméstica de São João de Meriti, também determinou a expedição de mandados de condução coercitiva contra membros da direção e funcionários da unidade.
Nesta segunda (18), também foram cumpridos mandados de busca e apreensão. A vítima ainda aguarda uma transferência depois da liminar e o hospital pode ser fechado depois da perícia.
Bolívar já tinha sido preso em 2010 acusado de integrar um grupo que comercializava e aplicava medicamentos sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
O QUE DIZEM OS CITADOS
CREMERJ
"Tendo conhecimento do caso pela imprensa, o Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro abriu sindicância para apurar os fatos. Todo procedimento segue em sigilo de acordo com os ritos do Código de Processo Ético-Profissional”.
HOSPITAL SANTA BRANCA
"Hospital Santa Branca Ltda vem através de sua diretoria em atenção aos comunicados veiculados nas mídias escritas, narradas e digitais manifestar-se publicamente sobre acusações infundadas de CÁRCERE PRIVADO no interior das suas dependências. Tal crime decorre do verbo encarcerar, que significa deter, ou prender alguém indevidamente e contra sua vontade. No crime de cárcere privado, a vítima quase não tem como se locomover, sua liberdade ficarestrita a um pequeno espaço físico, como um quarto ou um banheiro. Com 43 anos de funcionamento, essa Unidade desconhece tal prática dentro do seu estabelecimento, sempre buscando zelar pela saúde física e mental de seus pacientes, prezando pelo direito de ir e vir dos mesmos, amparado por um equipe multidisciplinar profissional, centros cirúrgicos e CTI com 20 leitos operando 24 horas por dia. Nossas salas cirúrgicas são locadas. Repudiamos quaisquer práticas criminosas que nos foram indevidamente atribuídas! Tal acusação é absurda! Além disso, o Dr. Bolivar Guerrero não pertence ao quadro societário desta empresa, como descrito pela imprensa.
- DATA DA INTERNAÇÃO DA PACIENTE 01/06/2022.
- ACOMODAÇÃO: APARTAMENTO PRIVATIVO COM DIREITO A ACOMPANHANTE .
- PACIENTE RECUSA-SE A SAIR DA UNIDADE, (TRANSFERIDA).
- TODO CUSTO DA PACIENTE MANTIDO PELO CIRURGIÃO, INCLUSIVE COM ATENDIMENTOS EXTERNOS".
EQUIPE DO MÉDICO
"O dr. Bolivar foi prestar um depoimento na delegacia. Ele não estava mantendo paciente nenhuma em cárcere privado. Ela estava fazendo curativo e sendo assistida no hospital dele por ele. Porém ela queria ser liberada sem ter terminado o tratamento e ele como médico seria imprudente de liberá-la. Ele disse que poderia liberá-la se ela assinasse a alta à revelia (documento ao qual a paciente se responsabiliza por qualquer coisa que acontecer após sua liberação) e ela não quis assinar. Ele disse que liberaria somente se ela assinasse. Como ela não assinou ele não liberava. O intuito dele é prestar toda assistência a paciente até ela está recuperada".
*Estagiário sob supervisão de Natashi Franco