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Baixada Fluminense tem 77 cemitérios clandestinos, aponta estudo

Popularmente conhecidos como "áreas de desova", eles são utilizados por milícias, grupos de extermínios e facções criminosas para o descarte de cadáveres

Por Filipe Brasil (sob supervisão)

Polícias do Rio de Janeiro encontraram 12.140 corpos entre 2003 e setembro de 2022
Polícias do Rio de Janeiro encontraram 12.140 corpos entre 2003 e setembro de 2022
Reprodução/Governo Federal

A Baixada Fluminense tem 77 cemitérios clandestinos, segundo um estudo produzido pela Iniciativa de Direito à Memória e Justiça Racial (IDMJR). Popularmente conhecidos como "áreas de desova", eles são utilizados por milícias, grupos de extermínios e facções criminosas para o descarte de cadáveres.

Apenas em Nova Iguaçu, estão 32% desses locais. Outros 16% ficam em Belford Roxo e 10%, em Duque de Caxias. Além dos cemitérios, os criminosos usam ainda rios da região para abandonar os corpos. Os pesquisadores encontraram 11 pontos de desova nos rios Sarapuí, Guandu e Botas.

De acordo com uma moradora que prefere não se identificar, os grupos criminosos usam as execuções como forma de demonstrar poder ou dar um "exemplo" aos moradores do que não pode ser feito nas regiões dominadas.

"Tanto o tráfico, como a milícia, deixa as execuções e as desovas ainda mais expostas se for para mostrar que a pessoa morta estava fazendo algo errado. Mas é sempre assim, ou questão de aprendizado, para mostrar que o morto fez algo considerado errado e pagou por isso, ou para demonstrar poder, ou até porque querem dominar o local e demonstrar que aquilo aconteceu por causa desse domínio", diz a moradora.

A iniciativa levantou ainda números do Instituto de Segurança Pública que indicam que, entre 2003 e setembro de 2022, as polícias do Rio de Janeiro encontraram 12.140 corpos no estado, 17% deles na Baixada Fluminense. Já em relação a ossadas, 20% das 754 encontradas no estado, nesse mesmo período, também estavam na Baixada.

O estudo mostra que as áreas com maior número de denúncias de desaparecimentos forçados são regiões dominadas por milícias. O coordenador-executivo da iniciativa responsável pelo estudo, Fransérgio Goulart, explica que esses grupos criminosos desaparecem com os corpos para dificultar a identificação das vítimas.

“As milícias utilizam o método do desaparecimento forçado na Baixada Fluminense, porque é a principal forma de ocultar o crime. A gente sabe que hoje em dia existe possibilidade de se investigar para além do próprio corpo, mas a gente sabe também que, nesse estado de ausência que é a política pública, ao desaparecer com os corpos, depois de diversas mutilações, fica cada vez mais difícil um processo de investigação", afirma o coordernador-executivo Fransérgio Goulart.

Já o coordenador de pesquisa da Rede de Observatórios da Segurança, Pablo Nunes, destaca a incapacidade do poder público de atuar sobre esses casos pela falta de uma tipificação legal para o desaparecimento forçado.

“Causa perplexidade o fato de que o poder público, o Estado, não produz nenhuma incidência, não produz respostas significativas ou eficazes para lidar com essa questão. Apesar de se comprometer internacionalmente com o tema, até hoje o Brasil não tem legislação que determine, especifique ou coloque balizas legais do que seja o desaparecimento forçado e quais penas seriam imputadas aos autores desse crime", avalia o pesquisador.

O mapeamento dos cemitérios clandestinos na Baixada foi produzido a partir da participação de moradores e ainda com informações sistematizadas de redes sociais. Em nota, a Polícia Civil do Rio informou que as ações da Força-Tarefa de combate às milícias já resultaram na prisão de mais de 1.300 milicianos e no prejuízo de cerca de R$ 2,5 bilhões aos criminosos.

Ainda segundo a corporação, as ações são realizadas com base em trabalhos de inteligência e investigação para identificar e prender os integrantes das milícias e desestruturar o braço financeiro das organizações criminosas.

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