Band Folia

Enredos políticos devolvem relevância aos desfiles e apontam tendência

Vitória da Beija-Flor e vice da Tuiuti, além do 5º lugar da Mangueira, levaram os desfiles para as discussões de bar e conversas do almoço da família

Romulo Tesi, do Rio de Janeiro

Em 2016, uma despretensiosa Mangueira quebra a banca do Carnaval e conquista o título com um enredo sobre Maria Bethânia e sua relação com a religiosidade. No mesmo ano, a Grande Rio anuncia uma homenagem a Ivete Sangalo. Em São Paulo, a Vai-Vai, em Carnavais seguidos, fala sobre Mãe Menininha do Gantois e Gilberto Gil, com o enredo batizado “Andar com fé eu vou”.

O Carnaval não é muito diferente de outras atividades e também tem suas tendências. E pelo resultado anunciado na Praça da Apoteose na última quarta-feira, é possível prever que vem aí uma onda de enredos críticos.

O que não significa, necessariamente, que as escolas tenham se tornado, entre uma Quaresma e outra, ciosas das angústias do povo.  Mas o que pode mudar para os próximos anos é que artistas mais politizados ganhem mais respaldo dentro dos barracões para bater e cobrar do poder. O título da Beija-Flor – ainda que contestado por alguns -, o surpreendente vice da Paraíso do Tuiuti e o quinto lugar da Mangueira deixaram esse legado. E aí será curioso ver as diretorias se equilibrando entre o adesismo e a oposição ao establishment.

Reflexo do desfile engajado do domingo, grupos de movimentos sociais de esquerda comparecem para torcer pela Tuiuti. A turma vibrava a cada 10, e vaiava qualquer nota diferente, além de entoar “fora, Temer!” entre a leitura de um quesito e outro. O presidente da escola, Renato Thor, agradeceu, mas tentava se descolar de qualquer associação.

“Minha política é o Carnaval. Agradeço a todos que abraçaram a Tuiuti, mas não posso entrar nessa questão”, repetia Thor a cada pergunta sobre os novos torcedores da escola.

O próprio enreda da Beija-Flor, lido por alguns como um “contra tudo que está aí”, evitava personificações. Após o título, os dirigentes e artistas da escola discursaram por melhor saúde, educação e segurança, mas a cobrança, genérica, não tinha um endereço certo.

Diferente da Mangueira, que, assim como Tuiuti, que levou para a avenida um “Temer vampiro”, colocou o prefeito do Rio, Marcelo Crivella, de Judas de Sábado de Aleluia. O presidente da escola, Francisco de Oliveira, o Chiquinho da Mangueira, foi mais duro que o normal nas críticas ao alcaide, mas disse que não se arrepende de ter apoiado o bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus durante a campanha de 2016.

Portanto, na maré de enredos políticos não significa necessariamente que as escolas se tornaram mais engajadas, e nem que erguerão bandeiras durante todo o ano, e não somente no período carnavalesco. Mais: várias inclinações políticas podem surfar a mesma onda. E 2018 já um exemplo da própria dualidade política brasileira, à esquerda e à direita, como a Beija-Flor.

Criticando a carga tributária, e colocando no mesmo balaio benefícios trabalhistas como FGTS e PIS, a Deus da Passarela levou para a avenida os anseios e angústias também do empresariado.

Diferente da Tuiuti, autora da mais contundente crítica às condições e relações de trabalho atuais, tendo como ponto de partida os 130 anos da Lei Áurea. Uma das alas vinham fantasiada como os manifestantes que pediram o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, com camisa da Seleção Brasileira e pato inflável . Conquistou corações à esquerda.

Seja qual for o lado, o desfile das escolas de samba voltaram a ser assunto nacional, tema do papo no balcão da padaria e da mesa de bar, motivo de discussão no almoço de família, alvo de discussões além da Praça da Apoteose. Resumindo, o Carnaval das agremiações ensaia retomar uma relevância política perdida há, no mínimo, uns 20 anos.

“A Tuiuti virou a queridinha de todo mundo”, atesta Luiz Fernando Reis, carnavalesco de alguns dos mais engajados desfiles da história do Carnaval nos anos 80, principalmente com a Caprichosos de Pilares. Este, inclusive, no período de redemocratização do país, foram fundamentais na tendência de enredos críticos que, em certa dose, culminaram em “Ratos e Urubus” da Beija-Flor de Joãosinho Trinta em 1989.

Levando em conta o ano eleitoral, e a política como tema central das discussões dos próximos meses – mais do que a Copa do Mundo -, a previsão mais óbvia é de que o Carnaval de 2019 seja ainda mais engajado – e, claro, polarizado.