Jogador se aposentou do futebol aos 27 após diagnóstico de arritmia: 'Não é brincadeira'

Nomes como Juan Izquierdo e Serginho morreram com diagnóstico de problema cardíaco; no caso de Henrique Choco, pendurar as chuteiras foi solução para salvar a própria vida

Por Emanuel Colombari

O diagnóstico precoce de uma arritmia cardíaca pode interromper a carreira de um jogador de futebol, mas é uma medida eficiente para salvar vidas.

No fim de 2015, Henrique Choco tinha 26 anos e uma carreira digna de registros: volante formado pelas categorias de base do São Caetano, passou por Grêmio, Grêmio Barueri e Campinense, entre outros clubes. Até que foi contratado pelo CSA para a disputa do Campeonato Alagoano de 2016.

Na época, exames de rotina diagnosticaram nele a arritmia. O jogador passou por diversos tratamentos para solucionar a questão e seguir a carreira nos gramados, mas não conseguiu: aos 27 anos, precisou virar um ex-jogador de futebol.

“Eu joguei mais ou menos 11 anos profissionalmente, passei por diversos clubes, nunca havia tido um quadro de arritmia. A primeira vez foi em 2015 mesmo. Foi controlada, mas não foi curada. Por esse motivo, não pude mais voltar ao futebol profissional”, contou o ex-jogador em entrevista ao Band.com.br.

“Eu vivi essa dúvida. Será que eu vou conseguir seguir no futebol? Será que eu vou ter que parar? Graças a Deus, Deus foi misericordioso na minha vida. Eu parei enquanto havia tempo. Graças a Deus, estou aqui para falar tudo que aconteceu na minha carreira por conta da arritmia”, completou.

Atenção ao diagnóstico

Mas o destino, por vezes, é mais trágico. Juan Izquierdo, zagueiro do Nacional (Uruguai), morreu após passar mal em campo no duelo contra o São Paulo pela Libertadores de 2024. O jogador desmaiou e chegou a ser internado, mas não resistiu. Após cinco dias hospitalizado, foi declarado morto aos 27 anos.

Segundo Sebastián Bauzá, secretário nacional de Esporte do Uruguai, Izquierdo teve diagnosticada uma “pequena arritmia” em 2014, aos 17 anos - a mãe do jogador, Sandra, afirmou à Rede Globo que a família nunca havia sido informada a respeito. O zagueiro deixou esposa e dois filhos.

No caso de Henrique Choco, o diagnóstico em 2016 levou a quatro cardioversões (procedimento no qual o coração recebe um choque elétrico para tentar retomar o batimento regular) e uma ablação (cauterização de determinados pontos do coração para controlar o batimento). Sem sucesso, viu a carreira se transformar em incertezas. Pela parte financeira, pensava em continuar jogando.

“Quando eu voltei a treinar, a arritmia voltou. Aí o clube me desligou, fui mandado embora do clube. Aí eu comecei a procurar outros recursos, outros médicos”, explicou Choco, que foi encaminhado por dirigentes do São Caetano à equipe do cardiologista Nabil Ghorayeb.

Foi aí que percebeu que a carreira como jogador, aos 27 anos, chegou ao fim. “Tentaram o possível. Infelizmente, a arritmia tornou a voltar. Na segunda vez que ela voltou, aí eu já desisti. Comecei a focar na minha cabeça que não tinha mais volta, até por conta dos riscos”, completou.

Desfechos trágicos

Henrique Choco abriu mão da vida como jogador para preservar a própria vida ao lado da esposa e dos três filhos. Em outros casos, os desfechos foram mais trágicos.

Antes da morte de Izquierdo, o futebol brasileiro viu ao vivo a morte de Serginho, zagueiro do São Caetano. Em 2004, o jogador teve um mal súbito em jogo contra o São Paulo, também no Morumbi, e morreu. Tinha 30 anos e um diagnóstico de arritmia que, segundo o clube, não inviabilizaria a carreira.

“Em 2004, quando teve o caso do Serginho, eu estava no São Caetano, na categoria de base. Quando eu vi o Izquierdo, foi uma imagem que ficou muito marcante. O São Caetano também jogando no Morumbi, uniforme azul… Passou um filme na minha cabeça”, conta Choco.

“O caso do Izquierdo impactou muito, particularmente, a minha vida. Quando eu tive o caso de arritmia, eu tinha 27 anos também, estava no CSA de Alagoas. Ainda consegui jogar um ano com arritmia, fazendo tratamento, fazendo cardioversão, fiz ablação, diversos procedimentos para conseguir estar em campo. Mas a primeira vez que a arritmia voltou depois de uma ablação, o clube e os médicos pediram para eu me afastar, tentar recuperar de vez. Para mim, não foi possível”, acrescentou.

'Arritmia é coisa séria'

Embora os exames de Choco afastassem os riscos de uma morte súbita, admitiam outras possibilidades, como desmaios - o que aconteceu pela primeira vez após pendurar as chuteiras. Desde então, começou um tratamento com medicamentos contínuos e uma dieta “um pouquinho mais rigorosa” para controlar com sucesso a condição. Com a pandemia da covid-19, Choco contraiu a doença e sofreu também um AVC - que, embora não tenha deixado sequelas, também exige remédios contínuos.

“Desenvolvi na época uma miocardite. Graças a Deus, eu tratei e não tive sequelas. Mas, por conta da arritmia e por conta do AVC, hoje eu tomo três remédios contínuos”, disse. “Hoje eu estou legal, estou bem. Estou sinusal, como os médicos comentam (quando) o coração está em um ritmo normal.”

A realidade de Choco no futebol passou a se restringir a projetos sociais e escolinhas de futebol. Em 2024, a convite, trabalhou como auxiliar técnico do Oeste de Barueri no Campeonato Paulista sub-15.

“Até hoje eu não posso mais jogar bola profissionalmente. Eu trabalho dentro do futebol, mas não posso (disputar) jogos oficiais. Brincadeiras, (só) bem leve. Graças a Deus, eu estou bem”, reconhece o ex-jogador, que defende a decisão em casos como o dele.

“Claro que a gente pensa muito na parte profissional, na parte financeira, mas a vida não tem preço. Serve como um alerta: o meu caso, o caso de Serginho, o caso do Izquierdo, diversos outros casos que têm aparecido no futebol hoje. Apareceu aquele alerta, tem que se policiar de verdade, porque não é brincadeira. Arritmia é coisa séria. Dependendo da arritmia que estiver, a melhor decisão é abandonar os gramados mesmo”, acrescentou.

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