Um cartão vermelho para a violência contra a mulher

Técnico Cuca, que teve condenação por abuso sexual anulada, foi anunciado como novo comandante do Athletico-PR

IVY FARIAS

Nesta segunda-feira (4), fui surpreendida com a seguinte notícia: “Na Semana da Mulher, Athletico-PR contrata Cuca. Com julgamento por estupro coletivo anulado, clube desafia a opinião pública”. O debate na Comissão de Política Criminal e Penitenciária da OAB/SP da qual faço parte teve algumas nuances mas trago aqui as minhas: o Direito Penal tem seus limites de atuação e cabe à sociedade — e aos clubes — assumir sua responsabilidade quando o assunto é a violência contra a mulher.

Em uma época em que é difícil separar o noticiário criminal do esportivo tal a quantidade de atletas envolvidos em crimes contra as mulheres, é espantosa a postura dos grandes times quanto às medidas preventivas e às estratégias de comunicação. Os clubes, até onde sei, não tomaram medidas preventivas e educativas sobre o tema. Como preventivas, penso que, daqui em diante, seria justo que os contratos tivessem, por exemplo, cláusulas de rescisão em caso de violência contra a mulher por parte de comissão técnica e jogadores.

É o que se espera em 2024, quando tanto se debate ESG (Environmental, Social and Governance, na tradução literal Meio Ambiente, Responsabilidade Social e Governança Corporativa) clubes que movimentam milhões de dólares e são capazes de impulsionar corações não ter um tratamento jurídico adequado à violência contra a mulher.

O Direito, especialmente o Penal, não serve apenas para punir: a própria Lei Maria da Penha prevê no artigo 8º campanhas educativas. Por que, então, os clubes não promovem cursos e palestras para seus jogadores antes de acionar os contratos? Sim, porque a violência contra a mulher não é só física e sexual. É também verbal, psicológica e financeira no ambiente doméstico. Isso não é marketing, é cumprimento legal.

Mas não é isso que vemos. Pelo contrário: em alguns casos, o crime compensa porque a contratação daqueles que o cometerem gera mídia espontânea. Aumento de salário. E isso também deve ser revisto com a responsabilidade que o tema requer.

Não se trata de punição por toda a vida e a pessoa não só pode como deve voltar a trabalhar. Um aspecto é como estas pessoas são vistas, das estratégias de comunicação e a própria cobertura midiática desmedida que servem como incentivo e não conscientização. O Direito Penal tem a ressocialização como base e não se trata de deixar para escanteio eterno aquele que cometeu um crime. Isso seria contra o próprio Direito e, naturalmente, injusto.

A pergunta é o como e, nas palavras do meu colega de comissão Marcelo Feller, se nós não falarmos agora, quando os clubes vão escutar? Na Semana da Mulher, às voltas com mais um 8 de Março, é fundamental que os times grandes e pequenos ouçam o que nós, mulheres, temos a dizer.

E nosso recado é cartão vermelho para a violência contra a mulher. Já temos casos demais no noticiário e este é o momento de evitar que outros aconteçam. A prevenção vem com a conscientização e a educação. Oras, se os jogadores conseguem aprender sobre esquemas táticos como 4-3-3 não vão conseguir fazer o mesmo com identificar os sinais como gritos excessivos, ameaças e chutes a animais de estimação como alertas?

Se as torcidas conseguem viajar quilômetros e quilômetros para verem seus times jogarem, não vão aprender a denunciar quando a vizinha começar a gritar? Todos e todas podem se beneficiar do cumprimento da Lei Maria da Penha quanto à educação. E, quem desrespeitá-la após o seu devido conhecimento, não vai ter outra desculpa a não ser tirar seu time de campo. Literalmente.

Ivy Farias é advogada e faz parte da Comissão de Política Criminal e Penitenciária da OAB/SP.

Opinião/Análise -  O texto acima não reflete, necessariamente, a opinião do Grupo Bandeirantes

Mais notícias

Carregar mais