"Debate sobre mandato é válido, mas não deve ser retaliação"

Em entrevista à DW, especialista afirma que introdução de mandatos para ministros do STF pode corrigir distorções, mas alerta contra reformas "feitas no calor do momento" em retaliação a decisões do tribunal.

Por Deutsche Welle

O Senado está disposto a retomar a tramitação de Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que pretende estabelecer mandatos fixos para ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). A possibilidade foi aventada nesta semana pelo presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Atualmente, os ministros do STF têm como regra única a aposentadoria compulsória aos 75 anos.

Há uma PEC de 2019 utilizada como base, de autoria do senador Plínio Valério. De acordo com a proposta, os ministros teriam mandato de 8 anos, sem direito a recondução. Na quinta-feira (05/10) Pacheco defendeu a criação de um anteprojeto sobre o tema, uma versão preliminar ao texto de uma futura proposta do Legislativo.

A discussão em torno da possível mudança gerou reações críticas entre os ministros do STF. Gilmar Mendes disse em uma rede social que a Corte pode se tornar uma "agência reguladora desvirtuada” e ficará vulnerável ao "loteamento de vagas, em proveito de certos órgãos”. Presidente da Corte, Luís Roberto Barroso afirmou que o Supremo está funcionando bem. "Não vejo muita razão para se procurar mexer na composição”, analisou.

Para Diego Werneck Arguelhes, professor associado de direito constitucional do Insper e autor do livro Supremo – Entre o Direito e a política (editora Intrínseca), discutir mandatos para os ministros é válido.

"Cria uma situação de igualdade não só entre os ministros, mas entre os eleitores dos políticos que indicaram esses ministros. Vitórias em eleições vão ser convertidas em influências sobre a composição do tribunal numa razão que é igual para todo mundo”, afirmou.

Ele pondera, no entanto, que o período de 8 anos é curto. Ressalta também e que é preciso rever a idade mínima para ministros, que hoje é de 35 anos. "Juristas que chegam ao Supremo jovens e saem com muitos anos de profissão pela frente. Isso pode ser um problema porque esse ministro pode condicionar suas decisões, sobretudo na reta final do mandato, para beneficiá-lo numa futura carreira.”

DW Brasil: Ministros do Supremo devem ter um mandato com tempo estipulado? Por quê?

Diego Werneck Arguelhes: Se nós tivéssemos que desenhar um tribunal do zero a minha resposta seria sim. O mandato cria uma situação de igualdade não só entre os ministros, mas entre os eleitores dos políticos que indicaram esses ministros. Vitórias em eleições vão ser convertidas em influências sobre a composição do tribunal numa razão que é igual para todo mundo. Acaba a sorte de um presidente indicar 8 ministros, como foi o caso do Lula entre 2003 e 2010.

E não estou criticando quem ele indicou, mas exemplificando com uma situação real. E equaliza também a relação que os próprios ministros têm com a instituição. Temos um sistema em que um ministro fica 10 anos e o outro 35 anos no Supremo, e a única coisa que vai influenciar essa permanência é a idade com que ele foi indicado. Além disso, o mandato ajuda a combater um problema grave do nosso tempo, que é o individualismo excessivo.

Qual seria um período satisfatório para um mandato?

Isso vai depender da velocidade de renovação que o sistema quer, quantas vagas haverá por mandato presidencial e o tamanho do tribunal. Acredito que um mandato bastante longo já reflita mais ou menos o que vivemos hoje, algo em torno dos 18 anos. O que não me parece correto é uma disparidade em que uns ficam 8 e outro 30 anos.

Há desvantagens na adoção do mandato?

É importante considerar como essa mudança interage com outros elementos do próprio tribunal e do contexto político. Por exemplo: o mandato com uma idade mínima muito baixa pode criar uma situação na qual juristas que chegam ao Supremo jovens saem do tribunal com muitos anos de profissão. Isso pode ser um problema porque esse ministro pode condicionar suas decisões, sobretudo na reta final do mandato, para beneficiá-lo numa futura carreira.

O elemento de contexto político é que a indicação do mandato pode vir junto com alguma intenção de ampliar o número de vagas e aumentar a influência de atores políticos que estão no poder hoje. Isso é algo que precisa ser visto com cuidado. Um outro ajuste adicional é que para manter uma rotatividade adequada, com um período que não seja tão curto no tribunal, talvez haja necessidade de aumentar o número de ministros, algo complicado. Você abre o tribunal para tentativas de captura em determinas indicações. O mandato tem desafios, mas acho que eles podem ser enfrentados.

O ministro Gilmar Mendes afirmou em uma rede social que o STF pode se tornar uma agência regulatória desvirtuada. Como analisa tal afirmação?

Para mim isso não é um argumento, só retórica. Uma coisa é considerar o risco de que abrir várias vagas ao mesmo tempo pode dar excessivo poder para quem está no Senado agora. Isso é relevante e real. E se é isso que o ministro Gilmar Mendes está preocupado, aí ele tem razão.

Agora, é importante separar o que é argumento substantivo e o que é retórica. São políticos que indicam os ministros do Supremo. Qual é a diferença que o ministro está ressaltando? De que são mais vagas para o Senado indicar? É por isso que se tornará uma agência reguladora desvirtuada? Essa imagem forte e carregada que ele usou retoricamente precisa ser detalhada em termos de argumentos mais claros.

Tem um ponto adicional: nós não deveríamos normalizar um ministro do STF se manifestar sobre uma PEC nas redes sociais, quando ele provavelmente precisará julgar a constitucionalidade ou não desse texto. Não me parece o foro adequado.

Isso atrai ainda mais os holofotes à Corte?

É mais do que a exposição, mas uma forma de manifestar poder. Quando um ministro do STF faz uma sinalização como essa, o efeito esperado é que a PEC não seja aprovada. É como se ele estivesse antecipando o efeito de uma decisão futura: ‘não faça isso porque vou declarar inconstitucional'. Essa manifestação em tempo real numa rede social sobre uma discussão de proposta legislativa não deve ser normalizada. Se eles (ministros) forem convocados pelo Congresso a se pronunciar sobre certos temas, em comissões, é outra história.

O relator da PEC no Senado baseia-se em exemplos na Alemanha, França, Itália e Portugal para a introdução da prática no Brasil. A comparação faz sentido?

Não podemos absorver as características de um outro país achando que ela vai resolver nossos problemas. Tem se falado muito do parlamentarismo e do presidencialismo, mas há países parlamentaristas com tribunais constitucionais que não têm mandato. A Colômbia é um país presidencialista e há mandato. O contexto deles é o mesmo que o nosso? Ou nós vamos seguir um país apenas pelo fato dele estar na Europa? Na Áustria, que é parlamentarista, a Suprema Corte tem um modelo similar ao nosso, com uma idade de aposentadoria compulsória de 70 anos. É uma mudança drástica que não pode ser feita com atropelo. Nesse caso, o que precisa ser discutido é o que regimes presidencialistas e parlamentaristas têm de diferente que torna o mandato uma ideia boa ou ruim.

Mudanças frequentes na composição do STF podem gerar instabilidade na jurisprudência. Ao mesmo tempo, ter um colegiado que permanece por muito tempo pode tornar a Corte menos diversa. Como sair desse dilema?

Acho difícil defender que o Supremo é hoje um tribunal com estabilidade na jurisprudência. É uma Corte capaz de mudar de posição rapidamente sobre temas muito drásticos, como aconteceu no caso das prisões em segunda instância. Nosso ponto de partida é de um tribunal em que os ministros que estão lá há bastante tempo não são suficientes para promover estabilidade. Às vezes, eles são os agentes da instabilidade.

O que o mandato faz é criar uma fórmula racional onde é possível pensar antes no encontro entre mudança eleitoral, e, portanto, a mudança na concepção da sociedade sobre certos temas, e a alteração na composição do tribunal. Volto a citar o Lula nos anos 2000, que indicou 3 ministros de uma vez porque deu sorte (em maio de 2003, ele indiciou Cézar Peluso, Carlos Ayres Britto e Joaquim Barbosa). Essa questão da insegurança sempre vai existir, o modo é definir como isso vai acontecer. Desordenada e aleatória, dependendo da sorte de cada presidente, ou ordenar essa mudança e as indicações? São questões que precisam ser ponderadas.

O senhor acredita que a atuação da Corte em temas como Marco Temporal e descriminalização do aborto influenciou na decisão dos senadores em retomar a discussão sobre o mandato no STF, como forma de retaliação? E o STF está atuando no vácuo do Legislativo?

Diria que o tribunal tem a função de fazer controle de constitucionalidade. Isso significa que ele vai desagradar atores políticos e à população várias vezes. É inevitável. Também é inevitável que atores políticos explorem oportunidades para agir contra decisões que os desagrada. É importante conter esses ímpetos e que o STF tenha sua independência e autoridade preservada, porque eles estão aí para controlar os eventuais excessos na criação de leis e de comportamentos de atores políticos. Quando há um contexto de reforma, políticos insatisfeitos podem reagir contra um tribunal que eles acreditam estar se excedendo.

Por outro lado, diria que há situações em que o Supremo deveria estar no banco de carona, mas ele está querendo dirigir o carro. Por exemplo: na análise da descriminalização das drogas para uso pessoal. O ministro Edson Fachin foi um dos poucos que em seu voto disse que era inconstitucional criminalizar a posse, mas ressaltou que a quantia que caracteriza essa posse deveria ser discutida pelo Legislativo.

Esse voto combina duas coisas importantes: o reconhecimento do controle de constitucionalidade do STF, mas também o fato que o STF não deve resolver todos os pontos da questão. E, em alguns casos, o Supremo tem ido além do que analisar a compatibilidade de leis com a Constituição. Reformas feitas no calor do momento para reagir a decisões do STF que tenham desagradado parlamentares não são positivas. As mudanças precisam ser pensadas com calma e não podem ser feitas com o fígado. Mas essas reformas também não podem ser derrubadas sem o devido debate.

Autor: Guilherme Henrique

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