O número de pessoas que fogem do Irã aumenta desde 2022, quando a morte da jovem curda Jina Mahsa Amini, de 22 anos, desencadeou protestos contra o regime islâmico do país. A consequente repressão violenta comandada pelo governo teocrático iraniano levou muitos cidadãos a deixar o país, apesar dos riscos.
Mahsa Amini morreu sob custódia da polícia moral, depois de ter sido presa pelo uso supostamente incorreto do hijab (tipo de véu islâmico que cobre a cabeça e o colo das mulheres). O regime respondeu aos protestos aplicando uma repressão severa e violenta por meses. As forças de segurança mataram mais de 500 pessoas e detiveram mais de 20 mil, segundo grupos de direitos humanos. As Nações Unidas condenaram essas ações como "crimes contra a humanidade".
Opressão no Irã
Milad, 35 anos, que pediu para não ter seu sobrenome revelado, é um crítico do regime iraniano. Ele disse ter participado regularmente de protestos contra o governo ao menos desde 2008, e acusa as forças de segurança iranianas de atirarem em seu olho durante as manifestações de 2022, provocando a perda da visão de um olho. Ele também alegou ter sido agredido enquanto esteve detido, tendo sido liberado somente após assinar um termo em que se comprometia a cessar suas atividades de protesto.
Omid, de 28 anos, que também não quis revelar seu sobrenome, relata experiência semelhante. Ex-policial, ele afirmou à DW que foi demitido em 2017 por se recusar a participar da opressão levada a cabo pelas forças de segurança do Irã, incluindo a milícia religiosa Basij, uma força paramilitar voluntária leal ao establishment que é frequentemente usada para reprimir protestos antigoverno.
"Desempenhei um papel importante ao não participar da opressão do meu povo", frisou Omid.
Fuga de Teerã
Tanto Omid quanto Milad deixaram o Irã em março de 2023, voando de Teerã para Istambul.
Omid diz que decidiu fugir depois de ser preso duas vezes e agredido. "Escapei com a ajuda de meu pai, que era soldado", disse ele. "Na segunda vez em que fui preso, meu amigo avisou meu pai, que agora está aposentado. Ele usou sua influência para me libertar. Depois disso, deixei o país."
Uma vez na Turquia, eles seguiram para a Grécia. "A viagem da Turquia para a Grécia durou quatro dias e quatro noites a pé. Passamos dez minutos em um barco e caminhamos até chegarmos a um ponto de descanso", disse Milad em uma ligação telefônica da cidade alemã de Mainz, onde vive atualmente. "Desse ponto em diante, peguei um ônibus com uma pessoa do Afeganistão que recebeu dinheiro [da gente] e nos deu abrigo por uma noite.”
Omid contou que passou três dias sem comida na Grécia. "Sobrevivi apenas com a água coletada nas folhas e nos pântanos. Foi muito difícil", disse ele. "As solas dos meus pés ficaram marcadas. Eu estava pensando em viver livre novamente durante todo o caminho, e isso me fez continuar."
"No total, cruzamos 10 ou 11 fronteiras", disse Milad, falando tanto por ele quanto por Omid. Em quase todas as fronteiras, os dois afirmam ter tido encontros problemáticos com a polícia.
Para Milad, o posto de controle mais difícil foi na Sérvia. "A polícia me pegou mais de seis vezes lá."
"Quando eu conto, parece fácil, e podemos simplesmente repassar esses detalhes rapidamente... Mas na época não foi fácil. Dormíamos em um saco de lixo – era o único 'cobertor' que eu tinha. Estava chovendo e eu não queria me molhar. Foi um período muito, muito difícil", lembrou Milad.
"Tínhamos apenas uma mochila conosco, algumas nozes e duas garrafas de água. Não podia ser pesada porque, caso contrário, não conseguiríamos andar."
O posto de controle mais difícil para Omid foi na Croácia, onde ele alega ter sido ameaçado pela polícia, de quem disse ter ouvido: "Nós o mandaremos de volta para o Irã".
Chegada à Alemanha e pedido de asilo
Da Sérvia em diante, Omid se juntou ao grupo do qual Milad fazia parte. "Caminhamos juntos até a Alemanha", disse ele.
Omid observou que, ao contrário de outros pontos de controle de fronteira, a polícia alemã os recebeu bem. "O tratamento aqui foi totalmente humano e bom", disse ele.
Milad concordou, dizendo: "Eu me sinto muito seguro neste país".
Como muitos outros, eles solicitaram asilo e agora levam uma vida normal na Alemanha.
Omid expressou sua esperança de que o governo alemão continue a apoiar os iranianos em busca de refúgio. "Eles foram forçados a fugir de suas casas, de sua terra natal, de suas famílias e de seus bens para salvar suas vidas", disse ele.
Novo presidente iraniano pode fazer a diferença?
A situação social e política no Irã piorou desde os protestos que se seguiram à morte de Jina Mahsa Amini. Muitos manifestantes, inclusive adolescentes, enfrentam perseguição e longas sentenças de prisão.
O país elegeu um novo presidente em julho deste ano, após a dramática morte do ex-presidente Ebrahim Raisiem uma queda de um helicóptero, antes do fim do primeiro mandato. Com leis misóginas e execuções em massa, Raisi teve um papel central na implementação do sistema de repressão dos aiatolás.
Considerado um político reformista, Masoud Pezeshkian prometeu criar um "possível governo moderado" durante a campanha, sem sugerir reformas radicais.
O pesquisador iraniano da Universidade de Cambridge Ighan Shahidi disse à DW, porém, que não espera nenhuma melhoria no Irã em termos de direitos humanos, especialmente para mulheres e minorias religiosas perseguidas, como a comunidade Bahai.
Isso porque no sistema político da República Islâmica do Irã, o presidente não é o chefe de Estado, mas apenas o chefe de governo, eleito pelo voto popular. A maior parte da autoridade está nas mãos do líder supremo do país, Aiatolá Ali Khamenei.
"O que está claro é que há diretrizes e regulamentações emitidas por outras organizações e instituições de alto escalão do governo iraniano, como o Conselho Supremo da Revolução Cultural, que levaram a violações dos direitos do povo iraniano", destacou Shadihi. "O presidente não parece ter a autoridade ou a capacidade de realizar mudanças ou melhorias nesses casos."
Sentindo-se seguros na Alemanha
Ativistas afirma que enquanto o regime islâmico continuar a oprimir os direitos básicos das pessoas, iranianos perseguidos e desencantados continuarão a empreender viagens perigosas para escapar da perseguição.
Para os dissidentes que fugiram, essas viagens representam um grande risco pessoal, como no caso de Milad e Omid, que são apenas dois entre centenas de pessoas que deixaram o país nos últimos anos.
Ambos enfatizaram que o fechamento de centros islâmicos pelo governo alemão, especialmente aqueles associados ao Irã, os fez sentirem-se mais seguros.
"Especialmente agora que o governo alemão fechou os centros islâmicos e está lidando com o Irã, meu pedido, e o de todo o povo do Irã, é que coloquem a Sepah na lista de terroristas", disse Milad, referindo-se à Guarda Revolucionária Islâmica do Irã, encarregada de defender o regime do país.
Autor: Kaukab Shairani