Quem é Jimmy Chérizier, o gângster no centro da onda de violência no Haiti

Conhecido como "Barbecue", ex-policial de 47 anos que lidera uma das gangues mais temidas do país tenta se pintar como um "revolucionário" ou "Robin Hood". EUA e ONU o acusam de crimes contra a humanidade.

Por Deutsche Welle

No atual contexto de caos no Haiti, um nome tem ganhado destaque nos noticiários: Jimmy Chérizier, apelidado de "Barbecue", um dos líderes de gangues mais poderosos do país. Embora se defina internamente como "protetor da população pobre", é, em parte, responsável pela escalada da violência no país caribenho.

Ex-policial, Jimmy Chérizier, de 47 anos, tenta se apresentar como um "Robin Hood" que luta por justiça aos mais pobres e contra as elites corruptas – mas com força bruta. Se autodenomina um revolucionário e promete ao país um futuro mais justo com educação gratuita, alimentação e trabalho para todos.

"Hoje há uma luta para libertar o país. Tenho pena dos mortos. As vidas humanas são preciosas. Mas é uma luta e há danos colaterais", disse em entrevista à rádio colombiana W.

Atualmente, no Haiti, mais de 300 grupos lutam pela supremacia nos bairros da capital, Porto Príncipe, com as pessoas nas favelas sendo as que mais sofrem. Segundo a ONU, janeiro foi o pior mês em mais de dois anos, com mais de 800 civis mortos, sequestrados ou feridos.

Barbecue também costuma se comparar a antigos ditadores caribenhos, como o cubano Fidel Castro e o haitiano François Duvalier. Se acender ao poder, porém, é pouco provável que melhore a situação do país.

"Chérizier está envolvido num grande número de negócios ilegais. Não consigo imaginar que ele agora mude subitamente de Saulo para Paulo, de senhor da guerra para senhor", destaca Günther Maihold, cientista político do Instituto para a América Latina da Universidade Livre de Berlim.

Expulso da polícia

Barbecue foi demitido da polícia no final de 2018, depois de ser acusado de envolvimento em várias chacinas.

Em 2020, fundou o grupo armado G9 - Família, reunindo nove gangues do país. Agora, o grupo aparentemente uniu forças com seus arqui-inimigos, a gangue G-PEP, para formar o movimento Vivre Ensemble. O objetivo: derrubar o governo do empobrecido país caribenho. O G9 também ameaça sabotar a missão liderada pelo Quênia para restaurar a segurança no país.

O famoso apelido Barbecue (churrasco, em inglês) ou "Babekyou" (em francês créole), segundo o próprio Chérizier, deve-se ao fato de, no passado, sua mãe vender frango na rua. Outra versão, bem mais obscura, afirma que o nome se deve a incêndios de casas e corpos de vítimas no qual esteve envolvido.

Um dos piores massacres no bairro de La Saline, em Porto Príncipe, em 2018, que matou mais de 70 pessoas, também é considerado obra de sua gangue, como documentam organizações de direitos humanos. De acordo os Estados Unidos, o incidente foi um ataque coordenado entre a polícia e grupos criminosos para reprimir a dissidência política local.

Pelos crimes, Chérizier chegou a ser acusado pelos Estados Unidos e pelo Conselho de Segurança da ONU de graves violações dos direitos humanos, sendo alvo de diversas sanções internacionais.

Além dos crimes diretos contra a população civil, Chérizier também é acusado de liderar ações de sabotagem no fornecimento de combustível e de bloquear o porto da capital haitiana, agravando a crise humanitária no Haiti.

Paixão pelos holofotes

Chérizier gosta de dar entrevistas, muitas vezes ao estilo de coletivas de imprensa. Dependendo da ocasião, ele veste terno azul claro. Nos vídeos que circulam pela internet, porém, costuma aparecer com um traje de combate camuflado, com um colete à prova de balas e um fuzil de assalto no ombro.

Nascido em Porto Príncipe, ele atualmente mora no bairro Delmas 6, mas, por razões de segurança, muda de casa frequentemente.

Quem o visita é recepcionado por uma comitiva de jovens, alguns dos quais aparentam ter menos de 14 anos, vestindo shorts esfarrapados, meias e chinelos e sempre portando armas. Chérizier chama-lhes o seu guarda-costas.

Em dado momento, tira uma pilha de notas de dólar do bolso da calça e as conta na mão de um menino: ele precisa de dinheiro para comprar livros da escola, conta.

Jovens e até crianças são cooptados por gangues no Haiti. Eles têm pouca escolha: muitos perderam seus pais, tornando-os presas fáceis para o recrutamento forçado em um país com altíssimo nível de desemprego.

Melhor armado que a polícia do Haiti

Recentemente, a luta entre as gangues se tornou ainda mais brutal, e a violência está aumentando. As gangues atacaram prédios do governo e prisões, soltando vários presos, entre eles, líderes de gangues, estupradores e criminosos graves que seguem foragidos.

Observadores internacionais afirmam que Chérizier e suas gangues são mais poderosos e bem equipados que a polícia haitiana. As armas vêm, sobretudo de contrabando dos Estados Unidos, critica o escritor e comentador político Michel Soucar.

"Todos sabem de onde vêm as armas. Essas gangues vêm se desenvolvendo há 30 anos, e conseguiram fazer isso não apenas por causa das armas e munições dos Estados Unidos, mas também conseguiram se posicionar porque são gangues estatais".

O próprio Chérizier teria laços estreitos com o presidente Jovenel Moïse, assassinado há quase três anos. Ele teria, por exemplo, recebido dinheiro para silenciar manifestantes em um bairro pobre. De acordo com uma reportagem do jornal americano The Washington Post, aliás, o que teria motivado o líder de gangues a escalar sua guerra contra o Estado foi, justamente, o corte de financiamento do governo após a morte de Moïse. Segundo a portal InSight Crime, aproximadamente 50% do financiamento da gangue vinha do governo – o restante era obtido com sequestros e extorsões.

Pretensão de assumir o governo?

Jean Denis formou um grupo de justiceiros com seus vizinhos para se defender das gangues. Para ele, há líderes de gangues piores: se houver negociações com Chérizier, ele poderia até imaginá-lo como presidente. Se ele realmente se tornar uma figura política, as pessoas o perdoariam, acredita Jean Denis.

A opinião dele, porém, certamente não é compartilhada pela maioria da população. Até o final do ano passado, um total de 314 mil pessoas tiveram que deixar suas casas para escapar da violência das gangues.

Apesar das especulações, Chérizier afirma não ter ambições reais de se mudar para o palácio presidencial. Presumivelmente, é mais lucrativo continuar sequestrando, bloqueando rotas de transporte e negociando gasolina roubada e afins.

le (ots)

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