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Uso do hijab é obrigatório no Islã? Entenda razões para protestos contra peça

Especialistas na religião reiteram que as mulheres muçulmanas têm direitos garantidos segundo o Alcorão, mas países fundamentalistas suprimem participação na sociedade

Por Luiza Lemos

Protestos foram influenciados pela morte de Mahsa Amini
Protestos foram influenciados pela morte de Mahsa Amini
Reprodução/REUTERS

Estimulados pela morte de Mahsa Amini, assassinada por forças policiais da moralidade do Irã por usar o hijab errado, protestos em massa vêm acontecendo na República Islâmica contra a teocracia instalada em 1979 com a Revolução Islâmica. Cenas de mulheres retirando os hijabs - vestuário que, segundo o Alcorão, separa o homem de Deus - na frente da polícia da moralidade viralizaram nas redes sociais. 

Neste domingo (4), o governo do Irã anunciou que vai rever a lei que torna obrigatório o uso do véu islâmico.

Segundo Isabelle de Castro, do Instituto da Cultura Árabe, doutora em História Social e mestre em Estudos Árabes, a questão do hijab ultrapassou a esfera do direito de usar ou não a peça. “Passou a ser uma forma de protestar contra a mão pesada do Estado em diversas questões. O governo está se mostrando incapaz de dar respostas aos anseios econômicos da população, que sofre com as sanções impostas pelos Estados Unidos”, pontua. 

Para Aycha Sleiman, brasileira de origem libanesa e muçulmana, criadora da página ‘desoriente-se’, os protestos são uma resposta das mulheres iranianas contra um Estado opressor e uma religião institucionalizada. “Após dois meses de protestos, as manifestações populares trazem o povo clamando contra a economia arruinada, crescimento do autoritarismo político e exclusão do processo de escolha dos representantes políticos”, comenta. 

Karime Cheiato, também da página ‘desoriente-se’ e mestranda em Estudos Estratégicos e de Defesa pela Universidade Federal Fluminense, os protestos que atingiram a participação do Irã na Copa do Mundo no Catar eram esperados. “As manifestações ganham mais visibilidade e demonstram que ainda ocorrem, ainda mais com o evento ocorrendo pela primeira vez em um país do Oriente Médio”, analisa. 

Motivo dos protestos, o hijab é obrigatório na religião islâmica? Aycha informa que o uso do vestuário somente é obrigatório dependendo do país em que a mulher está. Ela afirma que a vestimenta é usada por motivos diferentes. “Muitas vezes, por decisão da própria mulher, pressão social e familiar, ou afirmação identitária”, pontua. 

Ela comenta que o uso no Catar não é obrigatório, diferente do Irã e Afeganistão, que vivem sob governos teocráticos. “No Afeganistão tanto homens quanto mulheres devem usar as vestimentas sob o regime do talibã”, explica. Segundo Isabelle de Castro, países como Catar, Irã e Afeganistão têm obrigações diferentes com as peças. 

“A burca, utilizada no Afeganistão, é tradicional do grupo pashtun, ela ficou famosa porque os talibãs, que em grande maioria são da etnia, obrigaram as mulheres a usarem a vestimenta. Já no Irã, mulheres devem usar o hijab, lenço que cobre os cabelos e o mesmo ocorre no Catar, a diferença é que no país não tem uso obrigatório nas ruas”, explica. Ela informa que estrangeiras no país devem usar roupas longas e cobrir cabelos em locais específicos, como prédios públicos e mesquitas. 

‘A mulher tem todos os direitos garantidos no Alcorão’

Fatima Cheaitou, muçulmana de origem libanesa e dona da página Fala Fatuma, aponta que o livro sagrado do Islã, o Alcorão, diz que a mulher tem um “papel muito importante na sociedade”. “Na religião islâmica temos direito de votar, herdar, estudar, trabalhar, enfim, algo que não era permitido antes do livro sagrado surgir”, pontua. 

Aycha pontua que o livro traz várias interpretações, muitas vezes bem diferentes entre si e que isso abre precedente para o machismo instalado em países com doutrina islâmica. “Para mim, o Alcorão informa que homens e mulheres têm papéis bem delimitados, próxima às visões conservadoras. Homens sustentam a casa, mulheres com as tarefas de cuidado. Mas ainda que haja o entendimento de que os papéis são importantes, na prática temos a legitimação da assimetria de poder entre gêneros”, explica. 

Ela indica que nas sociedades islâmicas modernas, os papéis estão mudando cada vez mais. “Mulheres estão cada vez mais presentes na sociedade e estão desafiando estruturas de gênero”, analisa. 

Isabelle pontua que apesar das disparidades entre homens e mulheres, a religião tinha alguns pontos progressistas para mulheres. “Britânicas, até 1922, não tinham direito à herança, enquanto muçulmanas tinham desde o século VII”, informa. Ela pontua que há disparidades entre homens e mulheres em países muçulmanos, como em outros locais que não têm a religião predominante. “Como na América Latina, que detém os maiores índices de feminicídio do mundo. Isso não está ligado à religião, mas sim com a cultura machista que transcende fronteiras religiosas”, pontua. 

Proibições às mulheres são questões sociais

Além da obrigação do uso do hijab, há quem siga acreditando que mulheres não podem dirigir automóveis ou ir à partidas de futebol. Para Karime Cheiato, a questão varia de cada país islâmico, mas que as mulheres têm mais direitos do que se pensa. “Em todos os países as mulheres podem dirigir, trabalhar e ir à partidas de futebol. Desde 2018, todas as mulheres possuem o direito de dirigir, sendo a Arábia Saudita o último país a garantir o direito”, explica. Ela aponta que os direitos são conquistas frutos de movimentos sociais das mulheres nos países islâmicos. 

Isabelle pontua que as proibições às mulheres de frequentarem estádios de futebol nunca fizeram sentido. “Há a segregação natural na religião em mesquitas e grandes eventos, para mim proibir totalmente a entrada das mulheres me pareceu desnecessário, considerando que é possível separar homens e mulheres como demanda a religião”, analisa. 

Fatima lamenta que há quem acredite confunde as questões sociais com as religiosas em países árabes. “Sinto frustração ao ver comentários por falta de conhecimento. Há quem ache que sou terrorista, tem quem ache que eu sofri lavagem cerebral e acaba sendo islamofóbico. É tão enraizado que há quem não quer escutar e entender”, diz.

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