Em uma coletiva de imprensa nesta quinta-feira (4), o presidente da Associação dos Peritos Oficiais do Rio de Janeiro, Thiago Hermida, e a vice-presidente da APERJ, Denise Rivera, prestaram esclarecimentos acerca da relação do Departamento de Polícia Científica com a Polícia Civil, da atuação da perícia na investigação do caso Marielle Franco e da verba insuficiente recebida pela associação.
"O caso Marielle escancarou a necessidade de desvinculação da perícia criminal da Polícia Civil do Rio de Janeiro", afirmou Thiago, abrindo seu discurso.
"Como costumamos dizer, a perícia é o cérebro da polícia. É como o nosso cérebro, a gente não sabe que ele está funcionando, a gente só percebe que ele está funcionando quando há algum problema grande. E ultimamente o cérebro da Polícia Civil tem tido reiterados problemas", complementou o presidente da APERJ.
O clima de insatisfação não se limitou apenas à abertura da entrevista. Ainda no início da coletiva, Thiago Hermida apontou falhas fundamentais no processo de perícia do caso Marielle Franco. Ele mencionou o tempo de espera de 41 dias para ser feita a perícia no veículo em que estavam as vítimas e reiterou a importância das 48 horas iniciais para a realização da coleta de vestígios criminais.
A ausência de fotos, supostamente perdidas por policiais, e de registros do carro e dos lugares em que ele esteve, também foram questionadas.
Além disso, Thiago abordou um grande "mistério" que permeou toda a investigação. Ele diz que segundo a Divisão de Homicídios, o cartão de memória que guardava as imagens feitas pelo legista, logo após o crime, foi perdido. Esse dispositivo nunca foi encontrado e nenhuma explicação foi dada para o seu desaparecimento.
Para os dois representantes da APERJ, não existem justificativas intuitivas para que isso tenha acontecido, portanto explicações seriam necessárias. Denise Rivera chegou a mencionar uma tecnologia em posse da Perícia que poderia fazer a recuperação dos dados presentes em um cartão de memória danificado, caso eles tivessem acesso ao dispositivo.
O vínculo da Perícia com a Polícia Civil foi apontado como o principal motivo dessas inconsistências. Segundo Thiago, a perícia é subordinada a Polícia Civil e atua sob demanda de uma autoridade policial. Isso abre precedentes para que haja o afastamento da perícia através da não solicitação de seus serviços.
A Polícia Civil também possui peritos próprios ligados às delegacias, como as da Divisão de Homicídios, que põe em dúvida a credibilidade do trabalho da perícia, uma vez que os profissionais podem estar subordinados aos interesses da instituição e estão mais vulneráveis a sofrer ingerência da corporação, segundo os representantes da APERJ.
A vice-presidente salientou também o sucateamento da perícia no Rio de Janeiro. Segundo ela, no mesmo período em que começaram as investigações do caso Marielle, a perícia tinha uma verba de R$ 7 milhões para equipamentos depositada em conta. Em uma decisão arbitrária, o então secretário da Polícia Civil optou por devolver o dinheiro, alegando que a verba não era necessária, apontou Denise.
Ela disse ainda que associação ficou um ano sem um equipamento de genética que necessitava de R$ 16 mil para o conserto.
Além do déficit orçamentário, foi mencionado o baixo número de peritos do Rio de Janeiro. A APERJ possui ao todo oito peritos para lidar com casos em todo o estado. A escassez de mão de obra não condiz, segundo Denise Rivera, com o atual estado da criminalidade no Rio de Janeiro, que possui um índice de apenas 11% de resolução de crimes.
Ainda sobre o caso Marielle, Thiago Hermida criticou a recente declaração do Ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski.
"Os senhores acham realmente que o caso Marielle Franco está resolvido? Essa foi uma frase inclusive dita pelo nosso Ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski. Eu vou citar apenas um fato. As munições, os estojos encontrados no local eram de um lote pertencente a Polícia Federal. Vocês estão ouvindo em algum local que a PF também está sendo investigada de onde veio esse lote? De onde veio essa munição? Como chegou até os autores"?
Ele também menciona a necessidade de um processo pericial nas delações premiadas, para avaliar a veracidade das informações compartilhadas pelos delatores, e destacou que as acusações de Ronnie Lessa precisam de provas complementares.
Os representantes da associação mencionaram a necessidade urgente da dissociação da perícia a Policia Civil. A separação permitiria maior autonomia administrativa, financeira e traria maior credibilidade a instituição, que estaria prejudicada.
O Rio de Janeiro é o único estado do Brasil que ainda tem a o departamento de perícia vinculado a corporação. A desvinculação é uma recomendação da ONU, da Humans Right Watch, da Corte Interamericana de Direitos Humanos e é, segundo o presidente da APERJ, indispensável para o exercício efetivo da perícia.
Procurados, o Ministério da Justiça e a Polícia Civil não se pronunciaram sobre as críticas da APERJ até o fechamento desta reportagem.
*Sob supervisão de Christiano Pinho.