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Máfia do jogo do bicho: PMs, delegacias e batalhões receberam propina, diz MP

Áudios obtidos pela investigação mostram a relação dos agentes de alto escalão na máfia da contravenção

Felipe de Moura*

Bernardo Bello está foragido da Justiça
Bernardo Bello está foragido da Justiça
Reprodução

Um dos crimes mais difíceis de ser combatido, o jogo do bicho teve mais um "braço" revelado pela Operação Fim da Linha, do Ministério Público, deflagrada nesta terça-feira (29). Arquivos obtidos pela investigação mostram o pagamento de propina para policiais militares, batalhões e delegacias especializadas.  

O foco da ação é o combate a crimes de corrupção e de lavagem de dinheiro vindos da exploração de jogos de azar. O ex-secretário da polícia militar Rogério Figueiredo de Lacerda está entre esses agentes públicos envolvidos, de acordo com o MP.

Um dos operadores do esquema cita, em conversas interceptadas pela justiça, reuniões marcadas com policiais que receberiam propina para deixar o jogo continuar.

"Tá vendo aqui. Tá ligando para o tal do Rômulo, tá marcando com Figueiredo! Tá mexendo, ela tá de lá mexendo. "Ela (Denildes Palhano) já falou com ele aí ó. O tal do Rômulo ligou para ele, o Figueiredo ligou para ele. Aí ele fez contato com ela aqui, aí marcou comigo segunda", relata um dos envolvidos no áudio.

A advogada Denildes Palhano seria, de acordo com a denúncia, a principal interlocutora entre os bicheiros e os agentes da Polícia Militar. Com medo de ser preso por um novo agente da região, um dos denunciados recebeu uma ligação dela reafirmando que o esquema estava protegido.

"Parceiro, olha só, ele não vai te dar voz de prisão. Pode ficar tranquilo que ele não vai te dar voz de prisão. Você tá indo lá, po***, como meu amigo. Ele sabe que eu sou amiga do Figueiredo, sou amiga do Rômulo, entendeu? Não vai te dar voz de prisão", disse ela.

A máfia já chegou a entrar, de forma clandestina, em um batalhão da PM para roubar máquinas de jogos de azar que tinham sido apreendidas. O Ministério Público também aponta indícios de corrupção envolvendo policiais civis.

"Marquinho, não tô entendendo, Marquinho. Esses 15 mil é do pagamento da pizza, irmão. Que que você tá fazendo? Fala para mim. Esse, o dinheiro da delegacia, o dinheiro da segurança, você tem que pegar com o Carlinhos. Que que tá acontecendo? Fala comigo".

Na denúncia, escutas revelam a ligação do miliciano Marquinhos Catiri, um dos denunciados, e do contraventor Bernardo Bello, que segue foragido, com juízes. Segundo o MP, Marquinhos, num dos áudios, faz referência à juíza Tula Corrêa de Mello como amiga de um dos integrantes do bando.

"Tive que falar com o Marcelo Cupim...ficou muito estranho isso. A Tula (juíza) ser melhor amiga dele e não relaxar a sua prisão. Tá bom? E ele enrolou... Todas as conversas que ele teve com essas pessoas ele enrolava. Por que você sabe que ele é uma pessoa muito, muito, muito, muito inteligente, referente do meio que ele vive. Até mais...mais vivido do que eu, marquinho, entendeu, irmão?", falou Marquinho.

O miliciano Marquinho Catiri morreu no dia 19 desse mês em uma troca de tiros na comunidade da Guarda, em Del Castilho, na Zona Norte do Rio. Uma gravação obtida com autorização da Justiça mostrou uma suposta aliança entre o contraventor e Bernardo Bello.

"A gente firmou uma amizade. Eu também queria te agradecer pela confiança que você teve em mim, de me botar dentro da sua casa, da sua família, dentro do seu negócio", falou Catiri a Bello.

O áudio dura cerca de 30 minutos e foi enviado por Catiri quando Bello estava preso na Colômbia, entre janeiro e maio de 2022, pelo assassinato de Alcebíades Paes Garcia, o Bid.

"Eu já estou pagando, agradando, das delegacias... igual sempre fiz antigamente... que estão me dando informações corretas e certas do que eles tão fazendo", relata Catiri. Em outro momento da gravação, o miliciano disse ter sido ameaçado de morte.

"A minha cabeça já está valendo quatro milhões. Real, pessoas firmes que mandaram vir na minha direção. Pessoas que não são de conversa fiada. São pessoas muito firmes. Tive que reforçar a minha segurança, Bernardo. Eu não tinha segurança à noite. Hoje eu botei cinco pessoas para ficar comigo à noite, dormindo na orla da praia. Eu estou pulando de casa em casa, mas eu não posso deixar vazia a porta onde eu estou dormindo. Eles ficam um quilômetro de distância, mas ficam, são dois carros 24 horas. Você sabe qual o valor que eu pago para minha segurança, e à noite é polícia. Então, eu tô tendo uns gastos absurdos".

ENTENDA A OPERAÇÃO

Dez pessoas foram presas na manhã desta terça-feira (29) na Operação Fim da Linha, do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), que cumpre 26 mandados de prisão e 57 de busca e apreensão em uma ação contra bicheiros e policiais militares investigados por corrupção e lavagem de dinheiro. Entre os alvos de mandados de prisão estão os bicheiros Bernardo Bello e Marcelo Simões Mesqueu. O ex-secretário estadual de Polícia Militar, coronel Rogério Figueredo de Lacerda, foi alvo de busca e apreensão.

Bernardo Bello foi preso em janeiro deste ano acusado de ordenar a morte do rival Alcebíades Garcia, conhecido como Bid. Segundo as investigações do Ministério Público do Rio, a morte de Bid foi motivada por uma disputa com Bello pelo controle dos pontos da contravenção na Zona Sul do Rio. Já Marcelo Simões Mesqueu, o Marcelo Cupim, teria arrendado de José Caruzzo Escafura, o Piruinha, as operações do jogo do bicho em parte da Zona Norte do Rio. De acordo com o MPRJ, os bicheiros fraudam os resultados dos jogos, corrompem policiais e disputam territórios com violência.

A investigação começou após uma denúncia de que um bingo estaria funcionando em Copacabana, na Zona Suldo Rio, com permissão de policiais militares. Segundo o inquérito, há corrupção sistêmica de Batalhões da PM no esquema do jogo do bicho. Foram encontrados R$ 435 mil na casa de um agente da corporação que também é investigado pelo MP.

Em nota, a Secretaria de Estado de Polícia Militar afirmou que "não compactua com desvios de conduta e cometimento de crimes praticados por seus integrantes, punindo com rigor os envolvidos"

Também em nota, a juíza Tula Correa de Mello afirmou que "com relação à fotografia e relações pessoais que não fazem parte das demandas sob minha jurisdição - eis que esta magistrada desconhecia pendência de Marcelo Simões Mesqueu com a justiça, gostaria de pontuar que nem mesmo o GAECO tinha ciência de fatos comprovando seu envolvimento em atividades criminosas".

A reportagem aguarda ainda o posicionamento do ex-secretário da PM Rogério Figueiredo de Lacerda.

*Sob supervisão de Natashi Franco