Os impactos na qualidade de vida e sexualidade das pacientes com câncer de mama

Em artigo, psicóloga aborda os reflexos emocionais da jornada oncológica e sexualidade feminina

Daniela Marques Farina

Vida e Saúde

Neste espaço, os profissionais do Instituto Vencer o Câncer trazem informações sobre saúde, bem-estar, qualidade de vida e novidades na prevenção, diagnóstico e tratamento dos diversos tipos de tumores.

Câncer de mama
Câncer de mama
Marco Jean de Oliveira Teixeira

O câncer de mama tem como característica um crescimento das células do tecido das mamas em uma velocidade muito acima do esperado e de forma desordenada, comprometendo as estruturas saudáveis do corpo. De acordo com dados do Instituto Nacional de Câncer (INCA), é o tumor maligno mais comum em mulheres de todas as regiões do Brasil. 

Pelo índice de mortalidade relevante, o câncer de mama é considerado um problema de saúde pública e são necessárias políticas de cuidados, já que o diagnóstico precoce aumenta a chance de sucesso de tratamento e a qualidade de vida das pacientes durante e após o tratamento. 

Para isso, algumas ações são fundamentais: a educação da mulher e dos profissionais de saúde para o reconhecimento dos sinais e sintomas suspeitos do câncer de mama, e rastreamento de mulheres com risco aumentado para o desenvolvimento da doença através de exames periódicos. 

É assim que surge o movimento Outubro Rosa no Brasil, instituído pela Lei nº 13.733/2018, com a intenção de promover a conscientização sobre a doença compartilhando informações e promovendo maior acesso aos serviços de diagnóstico. A partir disso, as equipes de saúde têm se concentrado em ações e propagação de temas relevantes à promoção de saúde da mulher com câncer de mama.

Existem vários tipos de câncer de mama e tratamentos disponíveis. Os mais comuns são: cirurgia, por meio da retirada parcial (quadrantectomia) ou total da mama (mastectomia); radioterapia; quimioterapia; hormonioterapia; e terapia alvo. 

Durante esta jornada, podem aparecer diversas perdas e efeitos colaterais. A retirada das mamas e a queda dos cabelos são os mais conhecidos e abordados, mas existem também outros efeitos que afetam de maneira importante a qualidade de vida da mulher, como atrofia vulvovaginal, dores durante a relação sexual, irritação e secura vaginal, inibição do desejo sexual e menopausa prematura. 

Por não se falar muito sobre estes últimos, muitas pacientes não se sentem confortáveis para conversar com os profissionais envolvidos no seu cuidado ou ao menos se atentam para estas transformações por falta de informação, passando a conviver com desconfortos significativos sem perspectiva de resolução. 

Dada a agressividade destas transformações, é importante que a qualidade de vida seja vista e sejam consideradas as consequências no corpo dessas mulheres assim como o impacto na própria imagem, o impacto psicológico e o impacto nas relações sociais, já que sobreviver significa precisar se ajustar a este contexto. 

Impactos emocionais da jornada oncológica e sexualidade feminina

Muitas mulheres, ao passar por essas perdas e sintomas durante o tratamento oncológico, podem ter a experiência de um não reconhecimento do próprio corpo e a evidente falta do que se perdeu, alterando a percepção da própria imagem e o sentimento de não serem verdadeiramente quem costumavam ser. 

Consequentemente, há uma queda na autoestima, que pode repercutir negativamente no enfrentamento psicológico do adoecimento e dificuldade de adesão ao tratamento proposto.

Essa visão dividida entre o corpo anterior e o corpo presente expõe uma ruptura na identidade das mulheres com câncer de mama, por meio de um processo súbito, o que pode gerar efeitos negativos de desconhecimento de si ao longo do tempo e causar sentimentos de vergonha, angústia e constrangimento pela imposição desta nova realidade. 

Por esta alteração importante e este estranhamento, um dos maiores impactos psicológicos aparece no entendimento da mulher sobre a sua autoestima, sexualidade e, consequentemente, a dificuldade de permanecer com uma vida sexual ativa. Essas mulheres acabam evitando expor seu corpo pela incerteza de como sua nova imagem será recebida.

Importância da atenção a este sofrimento

É muito comum ver a sexualidade da mulher com câncer de mama ser tratada como uma questão invisível e não discutida, se tornando empecilho no fortalecimento de aspectos importantes da identidade das pacientes, já impactada pela necessidade de alteração da configuração de sua vida e planos, mudança no lugar ocupado dentro das suas relações e limitações de suas atividades. O tema tem uma conotação de constrangimento entre pacientes e equipe de cuidados, prejudicando orientações e melhora dos prejuízos vivenciados.

A sexualidade das pacientes oncológicas é marcada pela perda da autonomia, perda de um lugar de reconhecimento social de sua feminilidade e dificuldade de resgate da vida sexual. Assim, os vínculos de intimidade podem acabar se afrouxando e levando ao isolamento dessas pacientes, que percebem a si com menos valor e sentem medo de serem abandonadas. 

As marcas desses sofrimentos expostos, se não considerados, podem perdurar a partir do diagnóstico e suscitar a perda do sentido de vida em contraste com a história construída anterior ao adoecimento. A presença de rede de apoio neste momento é um aspecto muito importante para o enfrentamento saudável em um contexto de fragilidade. 

Sendo assim, visando manutenção da permanência de suporte emocional por meio da presença de uma rede de apoio e melhor adesão ao tratamento por meio de uma autoestima fortalecida, torna-se necessário o cuidado do sofrimento apresentado comum às pacientes com câncer de mama.

Vias de cuidado

O cuidado psicológico neste momento possibilita a construção de mecanismos de enfrentamento por meio da reflexão sobre percepção e constituição de sua sexualidade, buscando compreender o significado das mudanças de seu corpo na vida sexual. Este cuidado pode ser promovido em psicoterapia individual ou grupos de psicoterapia.

No atendimento em grupo para mulheres com câncer de mama, é possível que se partilhem experiências sobre a percepção do corpo após os procedimentos em que foram submetidas, propiciando restituição de um lugar social e visibilidade da permanência da feminilidade diante do reconhecimento de pertencimento a um grupo. 

Existem também grupos psicoterapêuticos com parceiros(as) de pacientes oncológicas para compreensão do sofrimento desta rede de apoio e contemplação de formas de fortalecer os vínculos, a comunicação e intimidade dentro do relacionamento.

Pensando sobre saúde a partir da definição da Organização Mundial de Saúde (OMS), entendida como estado de completo bem-estar físico, mental e social, a sexualidade é um aspecto fundamental neste quesito. Desse modo, é preciso que o cuidado da saúde sexual das mulheres em tratamento oncológico seja visto e ouvido, fazendo parte do cuidado de saúde integral para minimizar o sentimento de desamparo e a prevenção de queda de qualidade de vida das mulheres em tratamento de câncer de mama.

Muitas perdas já são impostas ao longo do tratamento oncológico, a sexualidade não precisa ser mais uma destas. O sexo é permitido durante o tratamento e precisa ser reconhecido em sua importância.

Daniela Marques Farina é Psicóloga Clínica e Bacharel graduada pela Universidade de São Paulo (USP); pós-graduada em Atenção ao Câncer pelo AC Camargo Cancer Center. Atualmente, integra a equipe de Psicologia do Núcleo Pró-Creare e atua como Psicóloga Hospitalar assistencial no Hospital São Luiz do Jabaquara, em São Paulo (SP). Compõe o Comitê Científico de Psicologia do Instituto Vencer o Câncer.

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