Ditão Virgílio, ícone da cultura Luizense, morre nesta segunda-feira (26)

Ditão era cordelista, contador de histórias, compositor, poeta, declamador, ator e escritor

Redação Band Vale

 Ditão foi fundador da Sosaci, Sociedade dos Observadores de Saci Imagem/ Flávio Santos
Ditão foi fundador da Sosaci, Sociedade dos Observadores de Saci
Imagem/ Flávio Santos

Ditão Virgílio, ícone da cultura luizense e querido por todos de São Luiz do Paraitinga morreu na manhã desta segunda-feira (26). O contador de histórias morreu no Hospital Regional do Vale do Paraíba em Taubaté. 

Além de contador de histórias, Ditão era cordelista, compositor, poeta, declamador, ator e escritor. Ele foi conhecido por difundir a cultura do folclore brasileiro na região do Vale do Paraíba. Nascido há quase 70 anos, no bairro Bom Retiro, onde morava, Ditão sempre viveu na roça, se tornando um profundo conhecedor de sacis. Por conta da paixão e admiração, ele fundou Sosaci, Sociedade dos Observadores de Saci.

A informação foi confirmada pela Secretaria de Turismo e Cultura de São Luiz do Paraitinga, confira:

“Hoje, 26 de dezembro de 2022, a cultura de São Luiz do Paraitinga chora a partida de um dos seus grandes representantes. Que tristeza imensa a partida do nosso querido Ditão Virgílio. Que seus familiares e amigos(as) encontrem conforto nas boas lembranças que nos deixou. Suas histórias, poesias e músicas continuarão a ressoar nesse mundo. Obrigado por tudo!”

Amigos, familiares e admiradores das obras de Ditão compartilham mensagens de apoio e luto nas redes sociais pela perda do artista. O velório ocorre nesta segunda-feira (26) na Câmara Municipal de São Luiz do Paraitinga. O sepultamento irá ocorrer na tarde desta terça-feira (27) às 15h.

Confira um dos poemas de Ditão Virgílio:

Poema “O Saci e o eucalipto”, de Ditão Virgílio

Um dia fui passear

Lá no reino encantado

E em cima de um cupim

Eu vi o saci sentado

Com os olhos cheios d?água

Que há pouco tinha chorado

Então lhe perguntei

Por que estava desolado

Deu um rodamoinho

E ele me respondeu

Olha para as montanhas

Veja o que aconteceu

Plantaram uns paus compridos

Que depressa cresceram

Todos os bichos foram embora

E alguns até morreram

É o tal de eucalipto

Planta que não é daqui

Uma mata silenciosa

Que acabou com tudo ali

Os macacos foram embora

Até o mico e o sagüi

Que saudade do sabiá

Do sanhaço e o bem-te-vi

Esta planta suga a terra

As nascentes estão secando

Nossos rios caudalosos

Devagar vão se acabando

As fazendas destruídas

Pelas máquinas vão tombando

O caipira sem destino

Pra cidade está mudando

As casinhas da fazenda

Também foram derrubadas

Só tem árvores no lugar

Quase não serve pra nada

Ressecando nossa terra

Expulsando a passarada

Não tendo onde criar

Não alegra a madrugada

Os peixes estão morrendo

Com o veneno espalhado

Um tal de mata-mato

Que seca até a invernada

Dão veneno pras formigas

Que nunca é controlado

Tamanduás e os tatus

Quase foram exterminados

Já não tem fogão de lenha

Onde fumo ia buscar

Não tem mais o galinheiro

Onde eu ia brincar

Acabou-se o chiqueiro

Não tem porco pra engordar

Os caipiras vão embora

Por não ter onde morar

Não tem vacas leiteiras

Nem bezerros a berrar

Mesmo o cavalo alazão

Já não tem o que pastar

O galo já não canta

Quando o dia vai clarear

Se continuar assim

O Saci não vai agüentar

Com a sombra desta árvore

As flores desapareceram

A juriti está calada

Não canta na capoeira

João-de-barro não faz casa

Pois não tem mais a paineira

O canarinho foi embora

Com o sabiá-laranjeira

Acabaram-se as algazarras

Das bonitas maritacas

Até mesmo garças brancas

Já ficaram muito fracas

Com esta falta de água

Também acabou a paca

O sertão está em silêncio

Com a praga que o ataca

O gavião-carcará

Já não tem o que comer

O curiango não canta

Quando chega o escurecer

A coruja em desespero

Voou no amanhecer

Até mesmo a cascavel

Não está tendo o que fazer

Não tem mais o milharal

Crescendo lá na baixada

Por isso o inhambu

Não pia mais na palhada

As rolinhas muito tristes

Já não fazem revoada

Tico-tico já não pula

Lá no meio da estrada

A saracura-três-potes

No brejo não pode morar

Naçanica-bico-verde

Não tem inseto pra pegar

Pois sem água o brejo seca

E não tem nada para dar

Os bichos morrem de sede

No seu próprio habitat

No rio não tem mais bagre

Nem traíra nem piaba

Pois com a falta de fruta

Vem a fome e tudo acaba

Veneno na enxurrada

Matou o pé de goiaba

Acabou fruta silvestre

E sumiu a jabuticaba

Também já secou

O Corguinho o lugar

Morreram os lambaris

Já não tem o que pescar

Camarão de água doce

Não sei onde foi parar

Sapo, perereca e rã

Pararam de coaxar

Até a bela siriema

Cantou lá na cachoeira

Tentando avisar o homem

Pra parar com essa besteira

Estão matando a natureza

Com uma flecha certeira

Este mal não vai ter cura

Vai durar a vida inteira

Queimaram os paus podres

Onde o pica-pau faz ninho

No oco dessas madeiras

Onde nascia o filhotinho

As mamangavas sumiram

Foram embora de mansinho

Só tem cheiro de eucalipto

Espalhado no caminho

Até mesmo as abelhas

Conseguiram enganar

Dizendo que essa árvore

Muitas flores ia dar

Mas quando os botões

Começaram a desabrochar

Eles fazem a derrubada

Não deixam nada sobrar

O pobre do vaga-lume

Não tem luz na escuridão

Pois esses paus compridos

Ficam distantes do chão

Atrapalhando o seu vôo

Nesta grande imensidão

Mesmo nos taquaris

Pode não ter salvação

Sou Saci estou preocupado

Se acabar o bambu

Como é que eu vou criar

No meio do taquaruçu

É lá onde também mora

Aquele bando de jacu

E eles estão sumindo

Juntinho com o anu

Com um veneno forte

Acabaram com o varjão

A baixada só tem pau

Já não planta mais feijão

A nossa mata nativa

Não tem mais brotação

Com a sombra dessa árvore

Nada nasce neste chão

Também a onça-pintada

Jaguatirica e suçuarana

Estão morrendo de fome

E ainda levam a fama

Porque o veado-mateiro

Morreu por falta de grama

Se você pensa que foi ela

Aí é que você se engana

O bem-te-vi já não canta

Na copada do pinheiro

E o sanhaço azul

Não senta no pessegueiro

A sombra acabou com tudo

Matou o pé de coqueiro

Tapera de pau-a-pique

Plantaram até no terreiro

O caipira indo embora

Vai acabar sua cultura

Não sou contra o eucalipto

Mas sim a monocultura

Não comemos celulose

Nem essa madeira dura

É com sede de dinheiro

Que cometem essa loucura

Na comida caseira

Não tem frango caipira

O porquinho na panela

Torresmo que se admira

Não tendo mais abobreira

Também não tem cambuquira

Nem toucinho no fumeiro

Nem couve rasgada em tira

Homem da roça apertado

Vai morar na cidade

E trabalha com eucalipto

Contra sua vontade

De vez em quando lembra

Que tinha felicidade

Num canto chora escondido

Do sertão sente saudade

Até o vento é diferente

Mudou a vegetação

Diz que é reflorestamento

Mas é uma enganação

Porque logo cortam tudo

Pra celulose e carvão

Deixando a nossa terra

Uma grande devastação

Por enquanto dão emprego

Dizendo que vão ajudar

Não passa muito tempo

Pra tudo isso acabar

Deixam tudo destruído

E saem pra outro lugar

Fica pra trás a miséria

E a fome vai se espalhar

Até mesmo a capelinha

Onde o povo ia rezar

Foi fechada a porteira

Para não poderem entrar

Tentam acabar com a festa

Que é tradição do lugar

Se deixarem trocam por pau

Até os santos do altar

Me chamaram de malvado

Pela minha esperteza

Gosto de traquinagem

Não sou mau com certeza

O que quero é defender

A nossa maior riqueza

Eu sou filho dessa terra

Brigo pela natureza

Vou indo rapidamente

Girando cisco no vento

Se você não pensar em mim

Agora neste momento

De pensar que eu já existo

Para isto fique atento

Não sou filho da mentira

Criação do pensamento

Dê um grito de alerta

Peça para o povo ajudar

Não deixe o eucalipto

Com o sertão acabar

Este deserto verde

Pouco tem e nada dá

Sou da terra das palmeiras

Onde canta o sabiá

FIM

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