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Título da F1 poderá ser decidido na Arábia Saudita. Pista ultraveloz preocupa muito Mercedes e Red Bull

Livio Oricchio

Circuito de Jeddah, na Arábia Saudita - Foto: F1
Circuito de Jeddah, na Arábia Saudita - Foto: F1

Olá amigos.

O tema ainda não veio à tona, mas na altura do GP São Paulo, 14 de novembro, 19º de um calendário com 22, é bem provável que os chefes de equipe expressem sua preocupação com relação à corrida na Arábia Saudita, 21ª etapa, dia 5 de dezembro. Ela pode definir o campeão da temporada. Depois restará somente a prova no Circuito Yas Marina, em Abu Dhabi, uma semana mais tarde. Entenda.

Não há qualquer tipo de desconfiança na capacidade de os sauditas organizarem o evento, o primeiro nessa nação dentre as mais ricas do mundo. O receio dos profissionais da F1 provém das características do Circuito de Jeddah. Será o segundo mais rápido do ano, apesar de se tratar de uma pista de rua! Só perde em velocidade, a princípio, para o de Monza, na Itália. Falaremos disso mais tarde.

O temor, principalmente de Toto Wolff, diretor da Mercedes, e Christian Horner, Red Bull-Honda, se deve ao fato de seus pilotos envolvidos na luta pelo título, Lewis Hamilton e Max Verstappen, atingirem o GP da Arábia Saudita com suas unidades motrizes no fim da vida útil. Mais: o traçado árabe expô-las a um grau máximo de exigência!

Não se esqueça, também, que a temperatura média nas margens do Mar Vermelho, local do Circuito de Jeddah, nessa época do ano, ultrapassa fácil os 30 graus, tornando o desafio das unidades motrizes já prestes a serem aposentadas ainda maior.

Circuito de Jeddah, na Arábia Saudita

Uso excessivo reduz a potência

Para se ter uma ideia de como o uso frequente das unidades motrizes as afetam, depois de cinco, seis corridas, perdem entre 2 e 3% de capacidade de desenvolver potência. Em termos de cavalos, podemos pensar em algo como 20 e 30 cavalos. É significativo no universo mensurado em milésimos de segundo da F1.

Mas a questão principal não é nem essa, senão a possibilidade de o piloto ter de abandonar a corrida em razão da sua quebra, equivalente quase a dizer adeus à chance de ser campeão.

Só lembrando, o limite por piloto para as 22 etapas do campeonato é de três unidades motrizes. Estas são formadas por sete componentes, este ano. Cada um deles tem, da mesma forma, um número máximo autorizado de substituição.

Para quem se interessar, no fim do texto explico como funciona. O mais importante, neste momento, é ter em mente que Hamilton e Max já ultrapassaram o limite de três unidades motrizes – estão na quarta - e foram punidos por isso, com perda de posições no grid.

Motivo de reuniões

Essa história da preocupação gerada pela velocidade altíssima do Circuito de Jeddah, nessa fase da disputa, me foi contada por um amigo, profissional da F1, presente nas reuniões de sua equipe na semana passada.

Os engenheiros estudam o que fazer para reduzir os riscos de quebra da unidade motriz nos impressionantes 6.174 metros de extensão do traçado da Arábia, dispostos em 27 curvas e trechos realmente longos de aceleração plena.

Título de 2021 pode sair na Arábia Saudita - Foto: F1

Não se trata de nada confidencial, por favor. É um desafio que atinge a todos. No caso da Mercedes e Red Bull-Honda, ainda mais, pela razão exposta. Está em jogo a conquista do mundial, o sucesso em um projeto que envolve quase mil profissionais em cada uma e investimentos elevados, para não mencionar o quanto capitalizam com a vitória final.

Em Istambul, Wolff já deixou escapar o receio de a Mercedes ver Hamilton abandonar uma etapa do mundial com problemas na unidade motriz. “Com a diferença de pontos entre o primeiro e segundo colocado (25 e 18, portanto 7 pontos), se você tiver um DNF (abandono) precisará de quatro vitórias para alcançar de novo o seu adversário. É brutal”.

Nova unidade motriz

Amigos, a verdade é que tanto Wolff quanto Horner e seus técnicos cogitam instalar nos carros de Hamilton e Max uma quinta unidade motriz no GP da Arábia Saudita. Sobre a substituição da unidade motriz de Hamilton, na última corrida, na Turquia, há pouco mais de uma semana, Wolff afirmou: “É melhor ser punido com dez posições no grid do que não terminar a corrida por causa do motor (unidade motriz)”.

Sabe qual deve ter sido a principal conduta que Wolff e seu diretor da divisão de unidades motrizes, Hywel Thomas, e Horner e o diretor da Honda, Toyoharu Tanabe, lideraram recentemente? Verificar a quilometragem e o estado das unidades motrizes que estão no carro de Hamilton e Max.

No caso do piloto inglês, seis pontos atrás de Max na classificação do campeonato (262,5 a 256,5), sua unidade motriz foi instalada no último GP, em Istambul, o 16º do ano. A de Max, na etapa anterior, na Rússia. Como escrevi há pouco, é a quarta para ambos.

Isso quer dizer que a unidade motriz Mercedes que está no modelo W12 de Hamilton chegará na já temida pista saudita tendo participado de seis GPs: Turquia, Estados Unidos, México, São Paulo e Qatar, sendo que circuitos como o Hermanos Rodriguez, na Cidade do México, e Interlagos se localizam bem acima do nível do mar, 2.200 e 760 metros, onde o ar é mais rarefeito, elevando o estresse da unidade motriz. E a de Max, sete GPs. Inclua o da Rússia, por favor.

Importante saber: essas unidades motrizes mais recentes só são instaladas nos carros no sábado, para serem usadas onde é mais importante, no último treino livre, na sessão de classificação e no dia seguinte na corrida. Em geral, os pilotos têm em seus carros unidades motrizes já com elevada quilometragem nas duas sessões de treinos livres da sexta-feira, de uma hora cada.

É menos difícil ultrapassar

Os times dispõem de todas as características do Circuito de Jeddah, possíveis de serem repassadas previamente, a fim alimentar seu simulador e permitir aos pilotos e engenheiros trabalharem, não chegarem cru para a disputa do GP, como costumam dizer.

E eles já viram que se há um traçado em que as ultrapassagens não são muito difíceis é esse da Arábia Saudita. Há importantes semelhanças com o de Baku, no Azerbaijão. Com o uso do DRS dá para ganhar a posição mesmo entre carros de performance semelhante.

Christian Horner, da Red Bull - Foto: Reprodução/Instagram Christian Horner

Se Wolff e Horner decidirem com seus técnicos instalar uma quinta unidade motriz nos carros de Hamilton e Max, seu desafio ao longo das 50 voltas da corrida, para avançar na classificação, será menor do que em todas as demais pistas do calendário, ao menos segundo as simulações em curso, por conta de ser menos difícil ultrapassar.

Vantagem para Max

Na disputa particular de unidades motrizes entre Max e Hamilton o holandês tem uma vantagem. Na etapa de Sochi, na Rússia, Horner e Tanabe substituíram o motor turbo de combustão interna (ICE) e os seis outros elementos que compõem o conjunto da unidade motriz: turbo-compressor (TC), o sistema de recuperação de energia cinética (MGU-K), o térmico (MGU-H), as baterias (ES), e a central eletrônica de gerenciamento (CE).

Só não trocaram no RB16B de Max o sistema de escapamento, este ano também limitado pelo regulamento. São permitidas oito substituições. Por esse motivo Max largou em último.

Só a troca do motor turbo de combustão interna (ICE) implicaria a perda de dez posições no grid, como aconteceu com Hamilton em Istambul. Mas, agora, enquanto o piloto da Mercedes está no último possível desses seis elementos e se aproximando do limite de suas vidas úteis, os de Max não se encontram tão desgastados por tê-los somente desde o GP da Rússia, o 15º. Os de Hamilton remontam à prova em Zandvoort, na Holanda, a 13ª do ano.

Quando Hamilton recorrer à quarta unidade desses elementos – e terá de fazê-lo, pois ainda temos pela frente seis GPs – será punido com a perda de posições no grid, como aconteceu com Max em Sochi. Você tem razão, precisamos ver se Max conseguirá seguir com eles até a última etapa. Pouco provável também.

Não é permitido errar

Quando dizemos que o GP da Arábia Saudita poderá ser decisivo na definição do campeão o motivo é esse: se Wolff ou Horner e seus engenheiros cometerem um erro de avaliação quanto ao que fazer com a unidade motriz, não haverá mais tempo, depois, de recuperação, por restar somente o GP de Abu Dhabi.

Toto Wolff, chefe da Mercedes - Reprodução/Instagram Mercedes

No lugar das duplas Wolff-Thomas e Horner-Tanabe, o que você faria? Esperaria o que vai acontecer nas próximas etapas do campeonato para ver como está a classificação para então tomar uma decisão? Pois é bem possível ser isso o que pensam as lideranças de Mercedes e Red Bull-Honda. É o que a lógica nos sugere, não acham?

Disponibilizo, aqui, alguns dados que ilustram bem o porquê de o GP da Arábia Saudita já ser tema de reuniões nas equipes. A média horária da última pole position do GP da Itália, estabelecida por Valtteri Bottas, da Mercedes, na sexta-feira, 10 de setembro, para a sprint race do sábado, foi 262,1 km/h. Na edição de 2020, Hamilton estabeleceu nos 5.793 metros de Monza o recorde de velocidade média da F1 para uma volta, ao registrar a pole com 264,3 km/h.

Desafio técnico gigantesco

Sabe o que os times estão verificando nas suas simulações? Que a pole no Circuito de Jeddah terá uma média horária ao redor de 252,8 km/h. O desafio para as unidades motrizes não acaba aí. O pior para a sua resistência é o trecho de cerca de 3 quilômetros, isso mesmo, 3 quilômetros, de aceleração quase plena entre a saída da curva 13 e a freada da última, a 27.

Os pilotos vão reduzir um pouco para entrar na curva 16 e menos ainda na 24. No restante do tempo é acelerador no curso máximo. Veja no mapa aqui apresentado para melhor compreensão. Representa bem mais do que no já elevadíssimo segmento de dois mil metros de flat out (pé no fundo) da pista de Baku.

Vocês viram que escrevi que a pista saudita tem 6.174 metros de extensão. Amigos, só perde para Spa-Francorchamps, na Bélgica, com 7.004 metros, onde Hamilton, em 2020, estabeleceu a pole position com a média de 249,0 km/h. Este ano choveu.

Quer saber a média horária de outro templo da velocidade, Silverstone, na Inglaterra? Hamilton obteve a pole, este ano, com 246,2 km/h.

Para ir mais fundo na disputa entre Hamilton e Max

Mencionei que iria me aprofundar na questão das unidades motrizes. É interessante acompanhar. Pode te dar uma visão mais ampla do que está por vir no campeonato, permitirá entender melhor as razões de certas decisões.

Elas são compostas por sete elementos, viram, não? Cada piloto tem direito a usar, da primeira à última etapa do campeonato, três motores de combustão interna (ICE), três conjuntos turbina-compressor (TC), três sistemas de recuperação de energia cinética (MGU-K), três sistemas de recuperação de energia térmica (MGU-H), apenas dois jogos de baterias (ES), duas centrais eletrônicas de gerenciamento (CE) e oito sistemas de escapamento (EX).

Max já está na quarta unidade destes elementos: ICE, TC, MGU-K e MGU-H. E já pagou por ter ultrapassado o limite em Sochi. As circunstâncias o favoreceram, pois choveu, e com seu grande talento e a decisão do time de chamá-lo para os boxes na hora certa chegou ainda em segundo lugar.

O holandês está, ainda, no terceiro conjunto de baterias (ES), terceira central eletrônica de gerenciamento (CE), um acima do permitido para ambos, e no sétimo sistema de escapamento (EX). Tem direito a mais um.

Vamos ver qual é a situação de Hamilton? Você entenderá melhor a preocupação de Wolff. Na etapa de Istambul, você viu que o piloto inglês teve somente o motor de combustão interna substituído, diferentemente de Max na Rússia, em que a Red Bull-Honda trocou tudo, exceto o escapamento.

Acidente entre Hamilton e Verstappen em Monza - Foto: Divulgação/Fórmula 1

Hamilton está o quarto ICE, terceiro TC, MGU-K, MGU-H, segundo conjunto de baterias (ES) e central eletrônica de gerenciamento (CE) e apenas no terceiro sistema de escapamento (EX).

Enquanto Max dispõe de elementos mais frescos, com menos quilometragem, por já os ter substituído, Hamilton está com o TC, MGU-K, MGU-H, ES e CE no limite. Não foi ainda punido por não ter ultrapassado o limite desses cinco elementos. Mas você concorda ser pouco provável que não tenha de instalar novos, todos eles, no seu W12?

Bottas e Perez podem ser decisivos

Vale a pena vermos qual é a situação dos companheiros de equipe de Hamilton e Bottas, potencialmente importantes na ajuda a ambos para conquistar o título.

Bottas está no quinto ICE, TC, MGU-H, quarto MGU-K, segundo ES, terceiro CE e quinto EX.

Sérgio Perez, da Red Bull-Honda, está no quarto ICE, TC, MGU-K, MGU-H, ES e CE. E no sexto EX.

Os dois pilotos têm os elementos da unidade motriz aparentemente em boas condições, sem elevada quilometragem. Ultrapassaram os limites e já pagaram por isso. Podemos dizer que entre eles não há, como na disputa Max-Hamilton, um que se encontra em melhor condição que o outro no tema unidade motriz.

Acidentes causaram danos impensáveis

Gostaria de citar nessa nossa conversa o grande prejuízo de Max e da Red Bull-Honda pelo ocorrido na primeira volta do GP da Grã-Bretanha, décimo do ano, dia 18 de julho, e do GP da Hungria, seguinte no calendário, dia 1º de agosto.

Você se recorda. Hamilton lutava com Max pelo primeiro lugar e ao chegar na veloz Curva Copse os dois se tocaram. Os comissários julgaram o piloto inglês culpado. Mas mesmo pagando a “punição”, dez segundos no pit stop, acabou vencendo a corrida. Já Max foi parar no hospital e teve a unidade motriz danificada. Teve de a substituir na prova seguinte.

O mesmo aconteceu com Perez, atingido por Bottas na Hungria depois da largada. O mexicano precisou de uma nova unidade motriz na etapa seguinte, na Bélgica.

Involuntariamente, claro, mas os acidentes provocados por Hamilton na Inglaterra e Bottas, Hungria, causaram a Red Bull-Honda a perda de uma preciosa unidade motriz, considerando-se o limite baixíssimo de três por piloto para 22 etapas do mundial, sem mencionar o impacto da reparação de seus carros no orçamento da escuderia.

Nunca é demais lembrar que este ano a F1 adota uma novidade histórica, o limite orçamentário. O máximo permitido às equipes é de US$ 145 milhões, algo como R$ 770 milhões. Estão fora dessa conta o pago aos pilotos e aos três principais diretores da organização.

O foco de todos, agora, está no GP dos Estados Unidos, 17º do ano, no fim de semana, em uma pista espetacular, o Circuito das Américas, caracterizado ser um mosaico de trechos seletivos de outros traçados, como Silverstone, Istambul Park e Sepang, na Malásia. Mas, infelizmente, com ondulações no asfalto que devem gerar reclamações.

Bom GP dos Estados Unidos para todos nós!

Abraços, amigos.

Livio Oricchio

Livio Oricchio é um jornalista brasileiro e italiano, especializado em automobilismo, notadamente a F1, e em outra de suas paixões, a divulgação científica. Cobriu a F1 para o Grupo Estado de 1994 a 2013 e então para o GloboEsporte.com até 2019. Residiu em Nice, na França, durante boa parte da carreira, iniciada na F1 ainda em 1987. Colabora, desde então, com publicações de diversos países. Tem no currículo a presença em quase 500 GPs. Em boa parte desse espaço de tempo também foi repórter e comentarista de F1 das rádios Jovem Pan, Bandeirantes e Globo. Em 2012 ganhou a mais prestigiosa premiação da área, o Troféu Lorenzo Bandini, recebida em cerimônia na Itália.