2024 é o ano da China no Brasil, e ninguém parece perceber

Neste ano, Pequim poderá expandir significativamente sua influência política na América do Sul. O Brasil tem um papel fundamental a desempenhar nesse processo.

Por Deutsche Welle

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A América do Sul caiu no meio das frentes de batalha de novos conflitos geopolíticos: países como a Rússia e a China estão expandindo sua influência na região. O Irã, assim como o Catar e os Emirados Árabes Unidos, também tentam fazer o mesmo. A Europa e os EUA estão lutando contra a crescente perda de influência.

No entanto, no caso da China, o Brasil, assim como o restante da América do Sul, parece ter se acostumado ao fato de que o país asiático não só se tornou o maior comprador de produtos da América do Sul, mas também vem se tornando cada vez mais importante como investidor. As empresas estatais chinesas agora dominam setores e regiões, como o fornecimento de eletricidade no estado de São Paulo ou da capital peruana, Lima.

Nos próximos meses, uma série de eventos podem fortalecer significativamente também o domínio político da China na região.

Novo porto no Peru

Em novembro, o presidente chinês, Xi Jinping, inaugurará o novo porto ultramarino de Chancay, no Peru. Esse será, de longe, o maior porto de águas profundas no lado do Pacífico da América do Sul. Ele foi construído e financiado sob a liderança da operadora portuária chinesa Cosco. O porto de contêineres reduzirá em dez dias o tempo de viagem entre a América do Sul e a China.

O porto é o principal projeto da Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI, na sigla em inglês), também conhecida como Nova Rota da Seda, da China na América Latina. Pequim está, portanto, remodelando a infraestrutura do comércio global para atender aos seus interesses. Na América Latina, 22 dos 33 países assinaram um acordo do BRI com a China.

Pequim agora quer que o Brasil também assine esse acordo. Na cúpula do G20 em Brasília, em novembro, o presidente Xi quer apresentar esse acordo como o mais recente triunfo do comércio exterior para marcar o 50º aniversário das relações sino-brasileiras.

O governo Lula ainda está hesitante. A pergunta que está sendo feita em Brasília é como um acordo melhoraria as boas relações entre os dois países. No entanto, importantes representantes do PT há muito tempo pressionam para que o Brasil participe da iniciativa do BRI.

Como presidente do Novo Banco de Desenvolvimento – o "Banco do Brics" em Pequim – Dilma Rousseff também gostaria de anunciar grandes projetos de investimento para a infraestrutura do Brasil até o final de seu mandato, em julho de 2025. Uma ferrovia ou uma estrada para o Oceano Pacífico até o novo porto chinês no Peru poderiam ser um deles.

Negociações com Uruguai

Já no Uruguai, a China atua como um agente que está aproveitando as negociações vacilantes sobre uma zona de livre comércio entre a União Europeia (UE) e o Mercosul para avançar com seu próprio acordo com a maior comunidade econômica da América do Sul. O Uruguai e a China assinaram um memorando de entendimento para uma futura comunidade econômica entre os dois países.

Tal acordo significaria o fim do Mercosul em sua forma atual. Isso porque o Uruguai é membro e teria que deixar o bloco. Em Montevidéu, dependerá das eleições de novembro se a política favorável à China do atual governo será mantida.

A organização Brics, que é cada vez mais dominada pela China, também poderia anunciar a admissão de novos membros da América do Sul em sua reunião na Rússia no final de outubro. A Venezuela e a Bolívia, em particular, estão ansiosas para entrar. Isso aumentaria significativamente a influência da China na América do Sul – e reduziria a do Brasil. Pois ambos os países, que estão mais ou menos isolados na política global, seriam valorizados internacionalmente – e precisariam cada vez menos do apoio do Brasil.

Tudo indica que neste ano a China conseguirá fazer progressos políticos importantes na América do Sul. A Europa, em especial, sentirá isso como um obstáculo político e econômico. E no Brasil? Nele, a influência crescente da China não chega a ser tematizada, nem na política, nem na sociedade. Ninguém em Brasília, Rio ou São Paulo parece estar incomodado com o fato de que a influência de Pequim vem crescendo rapidamente.

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Há mais de 30 anos o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul. Ele trabalha para o Handelsblatt e o jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.

O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW.

Autor: Alexander Busch

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