É perto da meia-noite de quinta-feira (20/06) e dezenas de milhares de torcedores espanhóis e italianos caminham calmamente por uma passarela em direção à estação de bondes da Arena AufSchalke, em Gelsenkirchen, no oeste da Alemanha. Os italianos estão previsivelmente abatidos depois de passarem a noite assistindo ao seu time ser derrotado na Eurocopa 2024. Estranhamente, porém, os vitoriosos espanhóis também parecem tristes. É fácil de entender.
Abaixo deles, a cada cinco minutos mais ou menos, um bonde passa e recolhe passageiros antes de seguir, em ritmo de lesma, em direção ao centro da cidade. Ocasionalmente, do outro lado da estação mal sinalizada, um ônibus estacionado nas proximidades dá sinais repentinos de vida, abre as portas, enche-se de torcedores e sai em para se juntar imobilizado a um engarrafamento próximo.
Nesses intervalos irregulares e infrequentes, a multidão avança alguns metros, mal diminuindo, antes de retomar o que parece ser uma espera interminável. Por que há tão poucos veículos? Por que isso está demorando tanto? E por que isso continua a acontecer?
Sensação geral de desordem
Os primeiros torcedores a serem submetidos a essa provação foram os que assistiram ao jogo da Inglaterra contra a Sérvia no domingo (14/06), o primeiro dos quatro jogos da Eurocopa a serem realizados nesse estádio.
Muitos passaram mais de uma hora amontoados na passarela próxima da estação. Centenas de pessoas optaram por caminhar mais de sete quilômetros de volta ao centro da cidade ou às cidades vizinhas em vez de enfrentar a espera ou a multidão. Outros problemas os aguardavam na estação central de Gelsenkirchen, com a superlotação nas plataformas e a falta de comunicação dos operadores, aumentando a sensação geral de desordem.
A DW conversou com funcionários da empresa de transporte público local, a Bogestra, que pareciam orgulhosos do suposto progresso que haviam feito desde domingo. Posteriormente, a reportagem da DW também conversou com torcedores que se mostraram atônitos ao serem informados que as autoridades de trânsito consideravam os preparativos de quinta-feira uma melhoria do quadro.
"Melhorias em relação a quê?", perguntou Finn, um jovem torcedor escocês que só conseguiu de chegar à estação central de Gelsenkirchen duas horas depois do apito final. "Aquela passarela era tão estreita que estávamos amontoados lá dentro como sardinhas", disse ele.
Estacionamento vazio
Duas horas antes, grupos de torcedores puderam ser vistos subindo as margens íngremes e lamacentas até a passarela em questão, depois de terem errado o caminho ao sair do estádio. Em seguida, eles foram forçados a escalar as grades para acessar a passarela, que tem vista para um vasto edifício-garagem. O estacionamento estava quase totalmente vazio no domingo e na quinta-feira.
"Quando o Schalke joga, muitas pessoas vêm com seus carros", disse um policial à DW no domingo. Mas, embora o carro possa ser um meio de transporte viável para os torcedores que chegam de cidades próximas, como Wattenscheid ou Herne, dificilmente faz sentido para aqueles que moram Milão ou Madri e vieram para a Alemanha de avião.
"Todos os trens parecem estar atrasados"
Um porta-voz da cidade de Gelsenkirchen disse à DW que, no jogo entre a Sérvia e a Inglaterra, no último domingo, foram disponibilizados o dobro do número de bondes do que aqueles normalmente em serviço para um jogo do Schalke. Mas provavelmente os torcedores ingleses e sérvios que foram engolidos no caos não encontrarão muito conforto nessa afirmação.
Dada a capacidade geral limitada da rede de bondes e a dependência óbvia dos torcedores visitantes da Eurocopa em relação ao transporte público, o horário de início das partidas nesse estádio - 21h - tem se mostrado problemático. Em duas ocasiões, a saída simultânea de 50.000 torcedores evidenciou a deficiência da infraestrutura nesse tipo de situação, causando muita angústia e desconforto entre os torcedores cansados.
Também se pode questionar a escolha de Gelsenkirchen como cidade-sede. Cidades como Nuremberg, Bremen ou Hanover têm estádios grandes e modernos, mas não foram selecionadas.
Mas os torcedores também enfrentaram problemas em outros locais. A DW conversou com torcedores escoceses que descreveram condições caóticas de viagem em Munique, Colônia e outros lugares desde que chegaram à Alemanha, como atrasos inesperados e inexplicáveis nos trens, que tem sido a principal fonte de frustração.
"A atmosfera tem sido fantástica, mas o sistema de transporte tem sido um pesadelo", disse Davey, que regularmente assiste aos jogos da Escócia fora de casa na Europa. "Todos os trens parecem estar atrasados."
O mito da eficiência alemã em questão
O mito da "eficiência da Alemanha" saiu chamuscado na última semana. Torcedores que visitam o país ficaram tem se mostrado decepcionados com frequência, enquanto a imprensa estrangeira, incluindo o jornal New York Times, chamou a atenção para as deficiências na infraestrutura e apontando que os velhos estereótipos de eficiência estão ultrapassados. Se não fosse pelo futebol e pela atmosfera contagiante que a Eurocopa 2024 tem apresentado até agora, as falhas no transporte e a má organização poderiam ter prejudicado ainda mais a imagem do torneio.
Gelsenkirchen, no entanto, ainda não foi palco de um clássico. Poucas cenas da sofrida vitória da Inglaterra sobre a Sérvia aparecerão devem ser lembradas nos destaques do torneio. Mesmo a partida entre a Espanha e a Itália não esteve à altura das expectativas. Portugal e Geórgia, que jogam na próxima quarta-feira, devem ter muito trabalho pela frente se quiserem que a Arena AufSchalke seja palco de algum momento de destaque antes da conclusão da fase de grupos. Depois disso, resta apenas um jogo das oitavas de final. Isso pode ser um alívio tanto para os torcedores quanto para os organizadores.
O futebol não conseguiu brilhar por enquanto nessa cidade no coração do Vale do Ruhr, assim como a organização. Os problemas são abundantes em muitas cidades do país, mas em nenhum outro lugar foi o epicentro de mais caos do que aqui. O mito da eficiência alemã está sendo enterrado - e Gelsenkirchen parece ser o cemitério.
Autor: Tom Gennoy (de Gelsenkirchen)