O Ministério Público Federal (MPF) do Rio instaurou procedimento investigatório criminal para apurar o suposto crime de homicídio, desobediência a ordem judicial e outras eventuais condutas criminosas durante uma operação policial na madrugada de sexta-feira (28) no Complexo do Chapadão, zona norte do Rio.
A procuradoria também vai apurar as participações e responsabilidades individualizadas na ação policial que resultou na morte do adolescente Lorenzo Dias Palinhas, de 14 anos. Ele morreu após ser atingindo por uma bala na cabeça, durante ação da Polícia Rodoviária Federal (PRF) na comunidade.
A ação tinha o objetivo de prender os criminosos que participaram da morte do agente rodoviário federal Bruno Vanzar Nunes, 41 anos, na tarde de ontem (27) durante uma abordagem na Transolímpica, via expressa que liga Magalhães Bastos ao Recreio dos Bandeirantes.
Para instruir as investigações, em 72 horas, a Superintendência da Polícia Rodoviária Federal deve informar ao MPF o efetivo dos agentes que participaram da operação; a qualificação completa destes agentes, bem como cópia de suas respectivas fichas funcionais; além de registro de deslocamento das viaturas.
Outros órgãos da PRF deverão informar, também em 72 horas, todos os documentos e informações relativas à operação; cópia da ordem de missão que determinou a realização da respectiva operação; relatório final da operação realizada; local da realização do briefing; cópia de todos os documentos relativos à entrada de eventuais vítimas, decorrentes da sobredita operação, contendo horário de entrada, laudo pericial completo, e demais informações pertinentes.
À Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, o MPF requisita, em 5 dias, cópia dos boletins de ocorrência.
A Defensoria Pública no Estado do Rio de Janeiro esteve no local dos fatos e apresentou ao Ministério Público Federal registro de documentos acerca do ocorrido durante a operação policial.
PRF na favela
De acordo com testemunhas, a PRF realizava uma operação no conjunto de favelas, pouco depois da meia-noite, quando o jovem Lorenzo Dias Palinhas foi atingido na localidade conhecida como Beco da Zuleide.
Vídeos que circulam pela internet mostram o adolescente já caído no chão. Segundo relatos iniciais, o jovem seria entregador de lanche e não estava envolvido no confronto.
Ele foi atingido após fazer uma entrega, segundo relatos, e estaria com R$ 10,00 na mão, valor da taxa que teria recebido.
Após a morte de Lorenzo, moradores do Chapadão fizeram um protesto em frente à comunidade. Em um dos vídeos, uma das pessoas presentes grita: “Mataram uma criança… Esses federais deram um tiro na cabeça de uma criança”.
Os moradores também afirmaram que ele estava trabalhando quando foi baleado. “Ele estava trabalhando fazendo entrega de lanches e também estudava“, contou a prima da vítima ao jornal da ONG Voz da Comunidade, que preferiu não ser identificada.
Ao Jornal Extra, a mãe de Lorenzo, Celine, disse que o adolescente estava trabalhando. “Meu filho nunca teve envolvimento, ele era trabalhador. Trabalhava tem muito tempo. Ele levou um tiro na cabeça, não foi bala perdida. Estava com mochila da entrega de hambúrguer, tudo direitinho. Ia voltar pra casa já. Cheguei lá e ele tava estirado no chão e com dinheiro da taxa na mão”.
Avô diz que jovem foi revistado
À ONG Rio de Paz, o vigilante Fernando Francisco, 55 anos, avô de Lorenzo, acusou policiais de matarem o menino enquanto trabalhava.
"Um dos policiais abordou ele (Lorenzo), revistou ele e mandou subir na moto. Quando ele subiu, ele (policial) alvejou ele na cabeça. Eles estão dizendo que meu neto foi alvejado por bala perdida e, na verdade, ele foi assassinado. Essa é a verdade. Mataram o meu neto", diz o avô.
Algumas testemunhas dizem que ele voltava de moto quando os policiais atiraram. Ele caiu junto com o veículo, que não consta no registro de apreensão da PRF. O jovem estaria com R$ 10 na mão, valor que recebeu de uma entrega que havia realizado.
Uma amiga da mãe conta que Lorenzo era um menino tranquilo, não dava trabalho e estava estudando.
Versão da PRF
Em nota, a PRF afirma que o adolescente morto durante operação Complexo do Chapadão atirou contra os agentes. Segundo a nota, dois adolescentes que estavam com o jovem afirmaram que eles estavam "de plantão na boca de fumo e na contenção da comunidade".
A operação teve início nesta quinta-feira (28), após a morte de um agente da PRF. Bruno Vazan Numes de 41 anos, foi perseguido por quatro criminosos que estavam em dois veículos na Transolimpica, via expressa que corta bairros da Zona Oeste.
Ele foi encurralado pelos bandidos no trecho da Vila Militar. Os criminisos atiraram até o a policial cair de um viaduto. Uma equipe da PM que estava na região chegou perseguir o grupo e houve troca de tiros, mas os bandidos conseguiram escapar.
Um veículo usado pelos assaltantes foi encontrado na comunidade Vila Kennedy, na Zona Oeste. O outro, segundo uma denúncia encaminhada à PRF, estaria no Complexo do Chapadão, onde bandidos iriam atear fogo.
A polícia também afirma que foi informada de que um dos assaltantes havia sido morto pelo próprio tráfico e o outro estava amarrado, aguardando o término da reunião da cúpula do Comando Vermelho, que discutia a sua execução.
Diante das informações, as equipes da PRF seguiram em direção à comunidade do Chapadão, onde, segundo a polícia, foram recebidas a tiros por cerca de 30 criminosos. Durante o confronto, o adolescente morreu e outros dois foram apreendidos.
Os agentes apreenderam duas pistolas e drogas.
Cena do crime
Em nota, a Faferj (Federação das Associações de Favelas do Rio de Janeiro) disse que moradores tentaram impedir que policiais alterassem a cena do crime.
“Uma criança de 14 anos foi executada no Complexo do Chapadão nesta madrugada, a FAFERJ acompanhou junto com líderes comunitários a madrugada de tensão e desrespeito aos moradores que tentavam impedir a remoção do corpo e desfazimento da cena do crime. Tivemos o apoio da Ouvidoria da Defensoria Pública. Moradores enviaram vídeos, fotos e relatos para o Plantão do Ministério Público do Estado".
"Lamentamos que as forças policiais sejam tão ou mais violentas que aqueles dizem combater. Em tempo, há meses denunciamos o abandono da Cpx do Chapadão que sofre sem infra-estrutura urbana e projetos educacionais ou sociais. E nessa região que estão os piores números de IDH e altíssima evasão escolar, enquanto isso o Governo só manda Polícia”, diz a nota.